AUP 272:
Organização urbana e planejamento

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Criado:
2000.11.30
Atualizado:
2000.12.17
CD, JS

AUP 272: Organização urbana e planejamento
Ano letivo 2001
FAUUSP/ Departamento de projeto 
Grupo de Disciplinas de Planejamento 
.Csaba Deák | Maria Lucia Martins | Nuno Fonseca | Eduardo Nobre | Tomás Moreira
.Volta
Francisco Bela Deak

O sistema viário de São Paulo como reflexo e veículo da desigualdade



 
 

Introdução

Esta monografia foi feita com base nos textos da bibliografia e também nos anos de conhecimento adquirido através de conversas, leituras diversas e pensamento próprio. A intensão dela era trazer para uma escala menor a teoria da acumulação entravada, que sempre foi de difícil compreensão quando chegava no momento aonde ela era aplicada, ou aonde agia, ou aonde ela era percebida. 
 
 

Trabalho

Segundo o texto "acumulação entravada no Brasil/crise dos anos 80", de Csaba Deak, a sociedade brasileira funciona de forma a não ser produtiva e a não se desenvolver, com uma política decorrente da praticada no sistema colonial, aonde se mantém a expatriação de excedente, como atravancador da economia, só que por um processo interno (não mais dependente de uma metrópole) . A essa nova forma de expatriação é que se dá o nome de "acumulação entravada". Ela é "praticada" pela sociedade de elite, nome dado à sociedade brasileira, aonde a elite é a classe dominante e mantedora da situação do país.

Este quadro resulta em uma produção interna fraca, débil, e privilegia uma pequeníssima parcela da população que é a retentora dessa pequena acumulação.

A desigualdade é mantida por mecanismos de poder e por uma ideologia feita pelos intelectuais, que fazem parte dessa mesma elite (por serem os únicos com acesso à educação e a uma formação acadêmica, e por serem da elite os donos dos grandes meios de informação) e que serve para acomodar a população carente e desfavorecida com a sua situação e a de seu país, mantendo a elite no poder.

Em São Paulo os reflexos desta condição serão apresentados através do sistema de transportes urbano. 
 

O transporte urbano em São Paulo

O problema da situação de transportes é nacional. Desde a época de Juscelino, o Brasil tem adotado uma política de transportes viário. Dessa forma, as cargas são levadas e trazidas dentro do país através de caminhões, porque houve pouco investimento nas linhas férras, e as que existem são desconexas entre os estados e estão praticamente inutilizadas hoje em dia.

Essa política de transportes foi utilizada na cidade de São Paulo, também, assim como nas outras cidades brasileiras. Tanto o transporte público como o privado é rodoviário, não existindo, além de uma rede de metrô e de trem precárias, nenhum tipo de transporte de massa. Assim, a rede pública de transporte é praticamente inteira baseada em ônibus.

Não é preciso nenhum conhecimento técnico para saber que o transporte público em São Paulo é precário, basta utilizá-lo, e também que a rede viária não suporta o tráfego existente na cidade. 

Como já foi dito, o sistema de transportes público de São Paulo é baseado em linhas de ônibus. As linhas são a grosso modo radiais, permitindo um acesso bom do centro às regiões periféricas, mas quando é preciso fazer um caminho em outro sentido, normalmente é necessário pegar mais de um ônibus. A situação vai piorando conforme vai-se afastando do centro, e chega ao cume nas periferias. Além das linhas de ônibus serem insuficientes, a quantidade dos mesmos é pequena, deixando-os superlotados e aumentando o espaço de tempo entre um ônibus e outro.

Dessa forma, quem mora no centro expandido tem vantagens sobre quem mora na periferia, porque não só a distância entre as viagens é menor, como a necessidade de fazê-las é menor, uma vez que a região é mais provida de equipamentos urbanos de toda a sorte, e, para fazê-las, dispõem de mais recursos. Um deles é o transporte privado.

Quem mora nas partes mais privilegiadas de São Paulo possui renda suficiente para ter acesso à compra de um carro. Dada à insuficiência do transporte público, quem pode costuma evitá-lo, utilizando o transporte privado, pois o sistema viário para este funciona relativamente melhor .

Quem mora na periferia tem que fazer mais baldeações entre transportes para chegar ao local de trabalho, ainda mais porque o trabalho se concentra nas regiões centrais da cidade, e assim, demora mais para fazer o trajeto, tendo que contar com atrasos, trânsito, etc. 

Consequentemente, e é aqui que queremos chegar, o indivíduo perde tempo e dinheiro com as viagens , pois com o número de viagens, uma vez que o transporte é pago, quanto mais baldeações entre os sistemas ou entre linhas, mais cara ela fica. Além disto, como a situação não é a mesma em todas as regiões, os espaços da cidade ficam segregados, desiguais e favorecendo a elite. Note-se que ambas as partes perdem dinheiro, porque mesmo com o carro, gasta-se gasolina, pega-se trânsito, mas muda a ordem de grandeza.

Isso tudo é um jeito de se jogar dinheiro fora, tanto de maneira direta, pelo número de passagens e pelo preço delas, quanto de maneira indireta, pelo desgaste que esse processo dá. Tempo no trânsito é tempo perdido, a pessoa perde em sono, lazer, estresse, saúde. Sua produtividade cai e, aplicado aos cidadãos de São Paulo, a cidade perde em produtividade.

Uma vez implantada uma rede de Metrô satisfatória em São Paulo, assim como uma política de transportes públicos eficiente, o tempo médio das viagens diminuiria, e a cidade teria um ganho em produtividade, assim como uma maior homogeneidade entre as localizações, diminuindo a desigualdade existe na cidade.

O que a princípio parece não ter muito sentido, quando colocado no quadro nacional, fica um pouco mais claro. As regiões privilegidas são as regiões aonde moram a elite, e no resto da cidade fica o resto da população. O investimento nos problemas viários de São Paulo fica limitado a resolver o transporte privado, com a construção de viadutos e de grandes avenidas nas tais regiões privilegiadas, sempre se pensando no bem estar dos nossos cidadãos de bem, e favorecendo-os. Com isso, reproduz-se cada vez mais a diferença entre as regiões da cidade e sua população e continua-se jogando dinheiro no lixo, e atrasando a produção, em prol da acumulação entravada.

A vida moderna nos impõe um ritmo muito acelerado, sempre ligado à idéia de produtividade, de que tempo é dinheiro, de que é preciso "dar duro" para "dar certo na vida". As idéias passadas pelas propagandas dos produtos através dos meios de comunicação, assim como na propaganda boca-a-boca e nas conversas do dia-a-dia, sempre tendem ao consumo imediato e à satisfação imediata dos nossos desejos. Os próprios produtos são feitos de forma a não serem duráveis para logo serem substituídos por outros, vende-se sempre a idéia de algo que necessitamos, de algo que vai melhorar as nossas vidas e de algo que nos diferencia pela nossa escolha ao comprá-lo. 

A maioria das pessoas é condicionada a interpretar os acontecimentos ao seu redor, assim como seus problemas, quaisquer que sejam, de forma superficial, sem se aprofundar nas verdadeiras razões e causas que o geram. Tudo aquilo que é imediato é mais fácil de ser entendido e responde aos nossos anseios, ainda que superficialmente, aparecendo logo outra coisa com o que se preocupar, para logo ser resolvido de novo. Dessa forma tem-se a sensação de estar tudo bem, pois todos os problemas estão sendo resolvidos. 

A forma como as coisas são encaradas pelas pessoas variam em função de uma série de fatores, dos quais muitos estão além do meu conhecimento para poder explicá-los. Mas alguns destes fatores sobre o qual eu me arriscaria a falar é o nível de conhecimento das pessoas e a prática do raciocínio. Quanto menos se sabe sobre um assunto, e quanto menor o hábito de pensar e desenvolver uma linha lógica de raciocínio, mais fácil é a chance de ser ludibriado em relação a ele frente a dados ou a uma lógica qualquer que na hora pode fazer sentido. E se por um lado, quem está na situação pior é enganado e levado a acreditar que as coisas são assim mesmo, por outro lado os letrados, que a princípio teriam mais discernimento sobre as coisas que o cercam, aceitam a lógica porque lhes é favorável, explica a sua situação e não é preciso mais pensar nisso.

Os problemas efetivos da cidade são de conhecimento de todos, é o trânsito, a poluição, alagamentos, etc., mas as causas concretas ficam restritas aos estudiosos, aos que entendem do assunto ou, como já foi dito, aos que têm conhecimento. No Brasil, grande parte da população é ou analfabeta, ou tem colegial e primário incompleta, compondo uma grande massa desinformada e facilmente manipulável ideologicamente. As campanhas políticas viraram campanhas publicitárias, pois a publicidade parece ser a melhor forma de se passar informações e conseguir votos porque é a linguagem com a qual a maioria da população tem mais contato. 

Parte da campanha política envolve sempre planejamento urbano, e por mais que uma proposta de uma campanha de algum candidato seja profunda, bem fundamentada e coerente, ela deve ser passada para o público da forma mastigada e superficial para que seja entendida e aceita. Assim como uma proposta ruim, que visa a interesses particulares, ou a interesses de uma certa camada da população, se acompanhada de uma boa propaganda, convence a maioria do público, e para a próxima eleição será utilizada na campanha publicitária de novo.

Desta forma é difícil explicar porque o Metro é uma saída viável para todo mundo. Para quem tem carro, o problema é das avenidas, para quem está de ônibus, o problema é que tem carro demais, logo, vamos aumentar as vias urbanas e construir corredores de ônibus para suportar o problema. Nem se considera pensar que com o Metro, sejam menos necessárias as linhas de ônibus, e não se precise contar com trânsito para chegar nos lugares, e que se é fácil chegar em toda a cidade de maneira eficaz não se precise usar carros também, e as vias que existem se mostrarão suficientes para a quantidade de veículos existente.

A elite se vale desta falta de informação e de educação geral para conseguir se manter no poder, e reproduz esta condição mantendo poucas escolas, não dando condições às camadas mais baixas da população de estudar, e se utilizando da cidade como um reforço à dominação, desgastando quem ali mora. Se até para as camadas privilegiadas da população a cidade grande (no caso, São Paulo) é motivo de estresse, cansaço e desgaste, quanto menos privilegiado a sua classe e, consequentemente, o lugar aonde se mora, maiores e mais graves são os fatores negativos.
 
 

Conclusão

Mantendo-se nos moldes do país, deixamos grande parte da população em regime de subsistência no convívio urbano, ganhando mal, trabalhando muito, perdendo muito tempo no trânsito, chegando em casa, sem forças, e assistindo televisão. O cidadão fica estressado, cansado, improdutivo. Enquanto isso a elite, que já sofre um desgate menor, pode viajar no fim de semana, pagar um médico, fazer curso de pintura para aliviar o stress, psicólogo, ir em spas, enfim, dar um jeitinho, e depois aparecer em reportagens mostrando como o brasileiro contorna as situações difíceis com criatividade e bom humor.

Tanto a política nacional quanto o funcionamento da cidade (este como reflexo daquele) agem em favor de uma segregação da população, mantendo sempre a balança favorável para a elite, se utilizando dos meios que consegue para isso.
 
 

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Bibliografia

DEAK, Csaba (1991). "Acumulação entravada no Brasil/ Crise dos anos 80" in, Espaço & Debates 32

NEGRI, Antonio (1989). "Resenha de Bobbio: O futuro da democracia e qual socialismo?" in, Espaço & Debates 29

VILLAÇA, Flavio. A localização como mercadoria FAU-USP

VILLAÇA, Flavio (1997). "Efeitos do espaço sobre o social na metrópole brasileira", in7o. encontro anual ANPUR- Anais 26 a 30 de maio de 1997 Recife-PE - vol.2 p.1375-1385



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