Francisco
Bela Deak
O
sistema viário de São Paulo como reflexo e veículo
da desigualdade
Introdução
Esta monografia foi feita com base
nos textos da bibliografia e também nos anos de conhecimento adquirido
através de conversas, leituras diversas e pensamento próprio.
A intensão dela era trazer para uma escala menor a teoria da acumulação
entravada, que sempre foi de difícil compreensão quando chegava
no momento aonde ela era aplicada, ou aonde agia, ou aonde ela era percebida.
Trabalho
Segundo o texto "acumulação
entravada no Brasil/crise dos anos 80", de Csaba Deak, a sociedade brasileira
funciona de forma a não ser produtiva e a não se desenvolver,
com uma política decorrente da praticada no sistema colonial, aonde
se mantém a expatriação de excedente, como atravancador
da economia, só que por um processo interno (não mais dependente
de uma metrópole) . A essa nova forma de expatriação
é que se dá o nome de "acumulação entravada".
Ela é "praticada" pela sociedade de elite, nome dado à sociedade
brasileira, aonde a elite é a classe dominante e mantedora da situação
do país.
Este quadro resulta em uma produção
interna fraca, débil, e privilegia uma pequeníssima parcela
da população que é a retentora dessa pequena acumulação.
A desigualdade é mantida
por mecanismos de poder e por uma ideologia feita pelos intelectuais, que
fazem parte dessa mesma elite (por serem os únicos com acesso à
educação e a uma formação acadêmica,
e por serem da elite os donos dos grandes meios de informação)
e que serve para acomodar a população carente e desfavorecida
com a sua situação e a de seu país, mantendo a elite
no poder.
Em São Paulo os reflexos
desta condição serão apresentados através do
sistema de transportes urbano.
O transporte urbano em São
Paulo
O problema da situação
de transportes é nacional. Desde a época de Juscelino, o
Brasil tem adotado uma política de transportes viário. Dessa
forma, as cargas são levadas e trazidas dentro do país através
de caminhões, porque houve pouco investimento nas linhas férras,
e as que existem são desconexas entre os estados e estão
praticamente inutilizadas hoje em dia.
Essa política de transportes
foi utilizada na cidade de São Paulo, também, assim como
nas outras cidades brasileiras. Tanto o transporte público como
o privado é rodoviário, não existindo, além
de uma rede de metrô e de trem precárias, nenhum tipo de transporte
de massa. Assim, a rede pública de transporte é praticamente
inteira baseada em ônibus.
Não é preciso nenhum
conhecimento técnico para saber que o transporte público
em São Paulo é precário, basta utilizá-lo,
e também que a rede viária não suporta o tráfego
existente na cidade.
Como já foi dito, o sistema
de transportes público de São Paulo é baseado em linhas
de ônibus. As linhas são a grosso modo radiais, permitindo
um acesso bom do centro às regiões periféricas, mas
quando é preciso fazer um caminho em outro sentido, normalmente
é necessário pegar mais de um ônibus. A situação
vai piorando conforme vai-se afastando do centro, e chega ao cume nas periferias.
Além das linhas de ônibus serem insuficientes, a quantidade
dos mesmos é pequena, deixando-os superlotados e aumentando o espaço
de tempo entre um ônibus e outro.
Dessa forma, quem mora no centro
expandido tem vantagens sobre quem mora na periferia, porque não
só a distância entre as viagens é menor, como a necessidade
de fazê-las é menor, uma vez que a região é
mais provida de equipamentos urbanos de toda a sorte, e, para fazê-las,
dispõem de mais recursos. Um deles é o transporte privado.
Quem mora nas partes mais privilegiadas
de São Paulo possui renda suficiente para ter acesso à compra
de um carro. Dada à insuficiência do transporte público,
quem pode costuma evitá-lo, utilizando o transporte privado, pois
o sistema viário para este funciona relativamente melhor .
Quem mora na periferia tem que fazer
mais baldeações entre transportes para chegar ao local de
trabalho, ainda mais porque o trabalho se concentra nas regiões
centrais da cidade, e assim, demora mais para fazer o trajeto, tendo que
contar com atrasos, trânsito, etc.
Consequentemente, e é aqui
que queremos chegar, o indivíduo perde tempo e dinheiro com as viagens
, pois com o número de viagens, uma vez que o transporte é
pago, quanto mais baldeações entre os sistemas ou entre linhas,
mais cara ela fica. Além disto, como a situação não
é a mesma em todas as regiões, os espaços da cidade
ficam segregados, desiguais e favorecendo a elite. Note-se que ambas as
partes perdem dinheiro, porque mesmo com o carro, gasta-se gasolina, pega-se
trânsito, mas muda a ordem de grandeza.
Isso tudo é um jeito de se
jogar dinheiro fora, tanto de maneira direta, pelo número de passagens
e pelo preço delas, quanto de maneira indireta, pelo desgaste que
esse processo dá. Tempo no trânsito é tempo perdido,
a pessoa perde em sono, lazer, estresse, saúde. Sua produtividade
cai e, aplicado aos cidadãos de São Paulo, a cidade perde
em produtividade.
Uma vez implantada uma rede de Metrô
satisfatória em São Paulo, assim como uma política
de transportes públicos eficiente, o tempo médio das viagens
diminuiria, e a cidade teria um ganho em produtividade, assim como uma
maior homogeneidade entre as localizações, diminuindo a desigualdade
existe na cidade.
O que a princípio parece
não ter muito sentido, quando colocado no quadro nacional, fica
um pouco mais claro. As regiões privilegidas são as regiões
aonde moram a elite, e no resto da cidade fica o resto da população.
O investimento nos problemas viários de São Paulo fica limitado
a resolver o transporte privado, com a construção de viadutos
e de grandes avenidas nas tais regiões privilegiadas, sempre se
pensando no bem estar dos nossos cidadãos de bem, e favorecendo-os.
Com isso, reproduz-se cada vez mais a diferença entre as regiões
da cidade e sua população e continua-se jogando dinheiro
no lixo, e atrasando a produção, em prol da acumulação
entravada.
A vida moderna nos impõe
um ritmo muito acelerado, sempre ligado à idéia de produtividade,
de que tempo é dinheiro, de que é preciso "dar duro" para
"dar certo na vida". As idéias passadas pelas propagandas dos produtos
através dos meios de comunicação, assim como na propaganda
boca-a-boca e nas conversas do dia-a-dia, sempre tendem ao consumo imediato
e à satisfação imediata dos nossos desejos. Os próprios
produtos são feitos de forma a não serem duráveis
para logo serem substituídos por outros, vende-se sempre a idéia
de algo que necessitamos, de algo que vai melhorar as nossas vidas e de
algo que nos diferencia pela nossa escolha ao comprá-lo.
A maioria das pessoas é condicionada
a interpretar os acontecimentos ao seu redor, assim como seus problemas,
quaisquer que sejam, de forma superficial, sem se aprofundar nas verdadeiras
razões e causas que o geram. Tudo aquilo que é imediato é
mais fácil de ser entendido e responde aos nossos anseios, ainda
que superficialmente, aparecendo logo outra coisa com o que se preocupar,
para logo ser resolvido de novo. Dessa forma tem-se a sensação
de estar tudo bem, pois todos os problemas estão sendo resolvidos.
A forma como as coisas são
encaradas pelas pessoas variam em função de uma série
de fatores, dos quais muitos estão além do meu conhecimento
para poder explicá-los. Mas alguns destes fatores sobre o qual eu
me arriscaria a falar é o nível de conhecimento das pessoas
e a prática do raciocínio. Quanto menos se sabe sobre um
assunto, e quanto menor o hábito de pensar e desenvolver uma linha
lógica de raciocínio, mais fácil é a chance
de ser ludibriado em relação a ele frente a dados ou a uma
lógica qualquer que na hora pode fazer sentido. E se por um lado,
quem está na situação pior é enganado e levado
a acreditar que as coisas são assim mesmo, por outro lado os letrados,
que a princípio teriam mais discernimento sobre as coisas que o
cercam, aceitam a lógica porque lhes é favorável,
explica a sua situação e não é preciso mais
pensar nisso.
Os problemas efetivos da cidade
são de conhecimento de todos, é o trânsito, a poluição,
alagamentos, etc., mas as causas concretas ficam restritas aos estudiosos,
aos que entendem do assunto ou, como já foi dito, aos que têm
conhecimento. No Brasil, grande parte da população é
ou analfabeta, ou tem colegial e primário incompleta, compondo uma
grande massa desinformada e facilmente manipulável ideologicamente.
As campanhas políticas viraram campanhas publicitárias, pois
a publicidade parece ser a melhor forma de se passar informações
e conseguir votos porque é a linguagem com a qual a maioria da população
tem mais contato.
Parte da campanha política
envolve sempre planejamento urbano, e por mais que uma proposta de uma
campanha de algum candidato seja profunda, bem fundamentada e coerente,
ela deve ser passada para o público da forma mastigada e superficial
para que seja entendida e aceita. Assim como uma proposta ruim, que visa
a interesses particulares, ou a interesses de uma certa camada da população,
se acompanhada de uma boa propaganda, convence a maioria do público,
e para a próxima eleição será utilizada na
campanha publicitária de novo.
Desta forma é difícil
explicar porque o Metro é uma saída viável para todo
mundo. Para quem tem carro, o problema é das avenidas, para quem
está de ônibus, o problema é que tem carro demais,
logo, vamos aumentar as vias urbanas e construir corredores de ônibus
para suportar o problema. Nem se considera pensar que com o Metro, sejam
menos necessárias as linhas de ônibus, e não se precise
contar com trânsito para chegar nos lugares, e que se é fácil
chegar em toda a cidade de maneira eficaz não se precise usar carros
também, e as vias que existem se mostrarão suficientes para
a quantidade de veículos existente.
A elite se vale desta falta de informação
e de educação geral para conseguir se manter no poder, e
reproduz esta condição mantendo poucas escolas, não
dando condições às camadas mais baixas da população
de estudar, e se utilizando da cidade como um reforço à dominação,
desgastando quem ali mora. Se até para as camadas privilegiadas
da população a cidade grande (no caso, São Paulo)
é motivo de estresse, cansaço e desgaste, quanto menos privilegiado
a sua classe e, consequentemente, o lugar aonde se mora, maiores e mais
graves são os fatores negativos.
Conclusão
Mantendo-se nos moldes do país,
deixamos grande parte da população em regime de subsistência
no convívio urbano, ganhando mal, trabalhando muito, perdendo muito
tempo no trânsito, chegando em casa, sem forças, e assistindo
televisão. O cidadão fica estressado, cansado, improdutivo.
Enquanto isso a elite, que já sofre um desgate menor, pode viajar
no fim de semana, pagar um médico, fazer curso de pintura para aliviar
o stress, psicólogo, ir em spas, enfim, dar um jeitinho, e depois
aparecer em reportagens mostrando como o brasileiro contorna as situações
difíceis com criatividade e bom humor.
Tanto a política nacional
quanto o funcionamento da cidade (este como reflexo daquele) agem em favor
de uma segregação da população, mantendo sempre
a balança favorável para a elite, se utilizando dos meios
que consegue para isso.
* * *
Bibliografia
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VILLAÇA, Flavio (1997). "Efeitos
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encontro anual ANPUR- Anais 26 a 30 de maio de 1997 Recife-PE - vol.2
p.1375-1385
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