Lara Figueiredo
CIDADES SAUDÁVEIS
APRESENTAÇÃO
Dentro da proposta da disciplina de elaborar uma monografia sobre algum
aspecto da cidade de São Paulo, o tema Cidades Saudáveis,
pode parecer, num primeiro momento, um pouco fora da questão, pois
não existe um projeto específico de Cidade Saudável
para São Paulo. No entanto, acredito que algumas pontes possam ser
traçadas, uma vez que a temática do movimento Cidades Saudáveis
é totalmente pertinente às novas questões que começam
a ser colocadas em relação às formas de gestão
social.
Pretendo apresentar o que é, como surgiu e como funciona esse
movimento, e no final, exponho algumas reflexões a respeito da viabilidade
de se implantar um projeto com as características de um projeto
de Cidade Saudável na cidade de São Paulo.
GESTÃO SOCIAL
Vivemos atualmente um importante momento de transformação
social, onde "o conjunto das atividades humanas está sendo transformado,
ao incorporar mais tecnologias, mais conhecimento e mais trabalho indireto
…nem a área produtiva, nem as redes de infraestrutura, e nem os
serviços de intermediação funcionarão de maneira
adequada se não houver investimentos no ser humano, na sua formação,
na sua saúde, na sua cultura, no seu lazer, na sua informação."
O social deixa de ser apenas elemento complementar externo aos processos
econômicos para se tornar um componente essencial do conjunto da
reprodução social. Os resultados na área social tornaram-se
pontos centrais na avaliação da política de desenvolvimento
em cada país.
Dentro desse novo panorama, a forma de administrar o setor, a gestão
social, se transforma em questão fundamental. Como gerir o setor
a partir desse novo enfoque, não mais encarado como meio, mas como
fim último? Até então, não existem modelos
prontos, que apresentem resultados satisfatórios, que indiquem o
caminho, uma vez que a gestão centralizada em grandes sistemas se
mostrou incapaz de atingir com eficácia toda a população
de maneira diferenciada como exigem as áreas. É necessário
que a saúde, a educação, a moradia, a cultura e o
lazer cheguem a todos os cidadãos da mesma forma, levando em conta
no entanto, as especificidades de cada grupo social ou até mesmo
indivíduo.
"É uma gigantesca área em termos econômicos, de
primeira importância em termos políticos e sociais…" e os
empresários há muito tempo já descobriram seu enorme
potencial. Dentro dessa nova importância do setor social, segundo
Ladislau Dowbor, podemos visualizar já hoje, dois tipos de relações
sociais de produção: uma que pode gerar um "capitalismo de
pedágio", baseado nas indústrias da doença, do diploma
e do entretenimento, e outra que aponta para uma sociedade mais horizontal,
mais participativa e organizada em rede.
O movimento Cidades Saudáveis apresentado nesse trabalho é
uma alternativa surgida a partir da área da saúde, ligado
a esse segundo tipo de relação social de produção.
O MOVIMENTO CIDADES SAUDÁVEIS
"O que converte a cidade em ‘saudável’ é a decisão
e a vontade política de direcionar todas as políticas sociais,
entre elas as políticas de saúde, para uma meta: saúde
como qualidade de vida"
Muitas são as definições e conceitos:
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) o
objetivo central das cidades saudáveis é melhorar a saúde
dos habitantes das cidades, e especificamente a dos habitantes de baixa
renda, através de melhorias nas condições habitacionais
e de serviços de saúde, aumentando a consciência a
respeito dos assuntos relacionados à saúde dentro dos efeitos
do desenvolvimento urbano. Com mobilização política
e participação civil na preparação e implementação
de um plano municipal de saúde, incrementando a capacidade do governo
municipal de gerenciar os problemas urbanos de forma participativa (OMS,
1995).
Já nas palavras do professor Antonio Ivo de Carvalho, da Escola
Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo
Cruz (ENSP/Fiocruz) – Cidade saudável é uma idéia,
ou uma idéia-força. "Está idéia é, por
um lado, antiqüíssima, atávica e inconscientemente ligada
ao bem-estar do homem e, por outro lado e ao mesmo tempo, portadora de
algo que é novo, que traz consigo uma necessidade intrínseca
de compreensão, identificação e adequação."
Genericamente falando, podemos dizer, que Cidades Saudáveis é
um movimento presente em diversos países do mundo que tem com objetivo
principal promover a qualidade de vida para toda cidade, passando pelos
bairros, ruas, casas e atingindo finalmente cada indivíduo. Essa
qualidade de vida estaria presente em todos os aspectos cotidianos da vida
nas cidades, não só na saúde, mas também na
habitação, educação, lazer, transportes e assim
por diante, através de um plano elaborado conjuntamente pelo poder
público e sociedade civil.
COMO SURGIU
O conceito de cidade saudável tem origem no movimento sanitário
do final do século XIX, como ilustram os projetos de cidades-jardim
da Inglaterra pós-revolução industrial. No entanto,
foi apenas em 1984 no Beyond Health Care Conference no Canadá, que
o conceito de Cidade Saudável foi mencionado pela primeira vez;
em seguida, o movimento espalhou-se pela Europa e só no início
da década de 90 atingiu os países da América Latina.
Para Tatiana Dowbor a iniciativa de cidade saudável nasceu fora
do campo da promoção de saúde, como uma resposta às
mudanças ambientais dentro do contexto da rápida urbanização
e de mudanças significativas na percepção da saúde
e do bem-estar.
Explicando de forma mais detalhada, Caco Xavier (Revista Tema – Radis,
maio de 2000), escreve que a idéia de Cidades Saudáveis tem
origem a partir de três outras idéias. A primeira delas diz
respeito à própria evolução da concepção
de saúde e de saúde pública que teve seu foco deslocado
do indivíduo para a sociedade, partindo do tratamento para a prevenção
e desta para a promoção e educação; a saúde
não mais como oposição à doença, mas
como qualidade de vida. A segunda idéia está vinculada à
construção da urbe, entendendo essa como espaço coletivo
aonde as coisas acontecem e se inter-relacionam, onde cada setor depende
de todos os outros para funcionar; e o Estado, dentro desse processo coletivo,
não mais é um elemento centralizador, mas muito mais mediador.
A terceira e última idéia é a que institui aos projetos
de Cidades Saudáveis a noção de rede, ou seja, não
projetos pontuais e isolados, mas de partes integrantes de um movimento
muito maior; o conceito torna-se movimento a partir do momento que cada
projeto autônomo, e interligado aos demais trocam informações
e suportam-se mutuamente criando um processo em constante desenvolvimento,
já que ’saudável’, não um estado final, pois sempre
poderá ser melhorado.
Obviamente, desde já, não podemos pensar que sua aplicação
se dá de forma igual em países tão diferentes como
Canadá, Inglaterra ou Brasil. Essa é uma de suas principais
características: baseado em conceitos universais que buscam acima
de tudo o bem-estar humano, o movimento defende que a aplicação
desses conceitos deva ser feita de forma totalmente particularizada em
cada país, e mais ainda, em cada cidade. Apesar do movimento ter
essa base de conceitos universais comuns para todas as suas iniciativas,
é evidente que nos países do hemisfério sul a problemática
se apresenta de forma bem mais complexa. Enquanto nos países ricos
os principais determinantes da má qualidade de vida já estão
todos resolvidos, como o acesso à saúde, educação,
moradia, saneamento básico e etc; nos paises pobres não.
Nesses países, os projetos têm que partir dos elementos mais
básicos, justamente criando estratégias de como iniciar esse
processo de democratização do acesso a esses direitos.
Em 1994, a Organização Pan-americana de Saúde (OPS)
elegeu a promoção da saúde como estratégia
central para as Américas e as iniciativas de Cidades Saudáveis
como componente concreto essencial dessa estratégia.
COMO FUNCIONA
Partindo das três idéias apresentadas anteriormente, Caco
Xavier completa que praticamente podemos dizer que: a compreensão
da saúde como qualidade de vida requer um planejamento de ações
de saúde pública que levem à consolidação
de meios efetivos para que a população tenha acesso a modos
de vida saudáveis. Essas ações dentro da cidade passam
a depender e integrar-se com todos os outros setores envolvidos na administração
da coletividade. Nesse contexto, o trabalho em rede proporciona a troca
de informações e realimentação dessas informações
para instrumentalizar as decisões.
Em outras palavras, podemos dizer que a associação dessas
três idéias define uma nova "ordem governativa na cidade",
uma nova forma de gestão social.
Existem alguns aspectos fundamentais que devem estar presentes nessa
forma de gestão social: baseados em uma nova maneira de enxergar
a cidade e a saúde como qualidade de vida, devem ser estabelecidos
objetivos principais que busquem alcançar aquilo que é entendido
como viver saudável partindo do âmbito municipal, passando
pelos bairros, ruas, casas e indivíduos. Todo o processo desde o
estabelecimento desses objetivos, elaboração de formas de
ação, aplicação efetiva até avaliação
contínua, deve ser feito de forma participativa e intersetorial,
ou seja, todos os níveis de organização da sociedade
(governo, movimentos sociais e organismos da sociedade civil, como a universidade)
devem participar; ao mesmo tempo em que internamente, os diversos setores
governamentais (diversas secretariais), devem interagir, na busca pela
superação das políticas públicas fragmentadas.
Por último é necessário garantir a continuidade das
políticas implementadas, uma vez que todo movimento de cidades saudáveis
é muito mais um processo do que um objetivo.
"Segundo o professor Angel Valência, da Organização
Pan-americana de Saúde (OPS) a implantação dos conceitos
relativos à Cidade Saudável é uma construção
social que vai se dando de acordo com as características culturais,
sociais e políticas das cidades, e requer a conjunção
da vontade das lideranças políticas e dos movimentos sociais
pela saúde."
Se quisermos falar em termos mais objetivos, podemos tomar como exemplo
os passos identificados para organizar e iniciar o processo de construção
de uma cidade saudável observando os projetos do Canadá,
EUA e alguns países da Europa levantados pela Organização
Pan-americana de Saúde (OPS): 1) construir um grupo local de apoio;
2) compreender a idéia de Cidades Saudáveis; 3) conhecer
a cidade; 4) encontrar apoio financeiro; 5) compreender a situação
organizacional; 6) preparar uma proposta de projeto; 7) nomear um comitê
encarregado do projeto; 8) analisar o ambiente de projeto; 9) definir as
atividades do projeto; 10) instalar um escritório para a condução
do projeto; 11) planificar a estratégia a longo prazo; 12) aumentar
a capacidade do projeto; 13) estabelecer os mecanismos de responsabilidade.
No entanto, transportando essa experiência para a América
Latina, novamente existem alguns aspectos que antecedem todos esses passos,
que são a busca pela democratização, descentralização
e efetiva participação.
Segundo Sônia Terra, a Organização Mundial de Saúde
(OMS) reconheceu a necessidade de se diferenciar as ações
e prioridades entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento
para a execução dos projetos. Para o Hemisfério Sul
as ações propostas são: fortalecimento político
e institucional, reorientação dos serviços de saúde
com vistas aos problemas ambientais, recursos humanos qualificados e legislação
apropriada, participação comunitária, igualdade de
acesso aos serviços e ação intersetorial.
IMPLANTAÇÃO NO BRASIL
A iniciativa brasileira de implantação de um projeto de
Cidade Saudável teve origem na cidade de São Paulo, em 1991,
durante a gestão do governo de Luiza Erundina, através de
em uma associação entre o Departamento de Saúde da
cidade de Toronto (Canadá) e o Departamento de Saúde de São
Paulo. Naquela época, um dos fatores que favoreceu essa iniciativa
foi à valorização da participação social.
Em 1994 teve início uma nova associação com a Agência
de Promoção e Proteção da Saúde da OPS.
Em 1995, dez cidades brasileiras já haviam aderido ao movimento.
Em 1996/1997, as universidades brasileiras começaram a ter um papel
mais visível no processo, e finalmente, no final da década
de 90 uma rede nacional foi criada.
Após esse breve histórico no entanto, alguns aspectos
particulares devem ser observados no sentido de caracterizar essa atuação.
Em primeiro lugar não podemos nos esquecer que nessas duas últimas
décadas, num período pós-regime militar, o país
vem sofrendo uma série de mudanças sociais, políticas,
econômicas e culturas que de certa forma, caracterizam um processo
ainda em curso de democratização e descentralização
do poder. Por outro lado, não podemos nos esquecer que segundo os
critérios de avaliação centrados no Produto Interno
Bruto (PIB) do Banco Mundial, o país já esteve classificado
entre os dez primeiros colocados, ao mesmo tempo em que segundo os Indicadores
de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações Unidas ocupamos
os últimos lugares no ranking mundial.
Dentro desse contexto, alguns obstáculos à implantação
efetiva do movimento das Cidades Saudáveis no país devem
ser levados em conta como: a diferenciação na distribuição
de renda e acesso aos direitos primários; a instabilidade política
que dificulta a continuidade das atividades; a ainda enraizada cultura
da ação vertical que traz as soluções de cima
para baixo; a competição interna aos governos entre setores
diferentes, dificultando muito a intersetorialidade e o forte distanciamento
histórico existente na participação de diferentes
segmentos sociais dos processos decisórios. Tudo isso ressalta a
dificuldade e complexidade que é tentar realizar um trabalho integrado,
descentralizado e participativo no país.
VIABILIDADE DE IMPLANTAÇÃO EM UMA CIDADE COMO SÃO
PAULO
No início da década de 90, quando houve a primeira tentativa
de implementação do projeto na cidade, várias metas
iniciais foram alcançadas, porém, o projeto não chegou
a atingir sua implantação global por uma série de
fatores, entre eles, segundo Sônia Terra e o coordenador local do
projeto, o mau funcionamento do comitê intersetorial. Talvez esse
seja um dos principais problemas dentro da administração
da cidade - a total falta de articulação entre os setores
e até mesmo competição entre eles, fruto talvez de
uma tradição de loteamento dos cargos públicos. Outro
fato que com certeza contribui para sua extinção foi à
descontinuidade política, com sucessão do governo de Luiza
Erundina pelo de Paulo Maluf.
Hoje em dia, dentro do estado de São Paulo dois projetos recentes
em cidades pequenas (Limeira e Bertioga) têm chamado a atenção
por serem as primeiras iniciativas no Brasil a iniciarem projetos de avaliações
sistemáticas com grande suporte acadêmico. O primeiro está
ligado à Universidade Católica de Campinas (PUCC) e o segundo
a Faculdade de Saúde Pública de São Paulo. O fato
de serem dois municípios de pequeno porte (Limeira com 230 mil habitantes
e Bertioga com 25 mil fixos e mais 250 mil rotativos, devido ao turismo)
é, sem dúvida nenhuma determinante, pois uma política
pública que vise ampla participação local em todos
os níveis, além de grande articulação intersetorial
é muito difícil de ser, sequer imaginado, em uma cidade como
São Paulo.
A partir daí, podemos pensar que um projeto para dar certo em
São Paulo tem que antes de tudo, ser acompanhado por um processo
real e eficiente de descentralização do poder para então,
ser elaborado em diferentes frentes trabalhando em rede, usando como unidade
básica os bairros, por exemplo. Seria como se fosse uma porção
de pequenas cidades articuladas.
Como um dos objetivos principais do projeto deveríamos ter a
democratização do acesso a tudo: saúde, habitação,
saneamento básico, transporte, lazer, educação, cultura,
justiça e assim por diante. É antes de tudo um processo de
"cidanização", de tornar cidadão o habitante da cidade.
Só assim, a participação de todas as camadas da sociedade
seria real.
Enfim, é um processo que interfere em toda estrutura política,
social, econômica e cultural, mas que de alguma forma tem que ser
feito.
BIBLIOGRAFIA
Revista Tema. Editada pelo Programa Radis da Escola Nacional
de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz.
Número 19, maio de 2000.
Revista Qualidade de Vida. Centro de Estudos Avançados
em Economia Aplicada. Departamento de Economia, Administração
e Sociologia – Universidade de São Paulo. Ano 3 , número
26, julho de 2001.
DOWBOR, Tatiana. Barriers and Facilitators for the Evaluation of
Local Health Municipality Initiatives In Brazil: Contextual, Methodological
and Practical Issues. Tese de mestrado. Department of Community Health
– University of Toronto. 2001.
DOWBOR, Ladislau. Gestão Social e Transformação
da Sociedade. Novembro de 1999.
Site da Organização Pan-americana de Saúde (OPS).
http://www.paho.org/spanish/hpp/hmc_about.htm
.Topo
.Trabalhos
de alunos