AUP 272:
Organização urbana e planejamento

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Criado:
2000.11.30
Atualizado:
2000.12.17
CD, JS

AUP 272: Organização urbana e planejamento
Ano letivo 2001
FAUUSP/ Departamento de projeto 
Grupo de Disciplinas de Planejamento 
.Csaba Deák | Maria Lucia Martins | Nuno Fonseca | Eduardo Nobre | Tomás Moreira
.Volta
Lara Figueiredo
CIDADES SAUDÁVEIS
 
 
 

APRESENTAÇÃO

Dentro da proposta da disciplina de elaborar uma monografia sobre algum aspecto da cidade de São Paulo, o tema Cidades Saudáveis, pode parecer, num primeiro momento, um pouco fora da questão, pois não existe um projeto específico de Cidade Saudável para São Paulo. No entanto, acredito que algumas pontes possam ser traçadas, uma vez que a temática do movimento Cidades Saudáveis é totalmente pertinente às novas questões que começam a ser colocadas em relação às formas de gestão social.

Pretendo apresentar o que é, como surgiu e como funciona esse movimento, e no final, exponho algumas reflexões a respeito da viabilidade de se implantar um projeto com as características de um projeto de Cidade Saudável na cidade de São Paulo.
 
 

GESTÃO SOCIAL

Vivemos atualmente um importante momento de transformação social, onde "o conjunto das atividades humanas está sendo transformado, ao incorporar mais tecnologias, mais conhecimento e mais trabalho indireto …nem a área produtiva, nem as redes de infraestrutura, e nem os serviços de intermediação funcionarão de maneira adequada se não houver investimentos no ser humano, na sua formação, na sua saúde, na sua cultura, no seu lazer, na sua informação." O social deixa de ser apenas elemento complementar externo aos processos econômicos para se tornar um componente essencial do conjunto da reprodução social. Os resultados na área social tornaram-se pontos centrais na avaliação da política de desenvolvimento em cada país.

Dentro desse novo panorama, a forma de administrar o setor, a gestão social, se transforma em questão fundamental. Como gerir o setor a partir desse novo enfoque, não mais encarado como meio, mas como fim último? Até então, não existem modelos prontos, que apresentem resultados satisfatórios, que indiquem o caminho, uma vez que a gestão centralizada em grandes sistemas se mostrou incapaz de atingir com eficácia toda a população de maneira diferenciada como exigem as áreas. É necessário que a saúde, a educação, a moradia, a cultura e o lazer cheguem a todos os cidadãos da mesma forma, levando em conta no entanto, as especificidades de cada grupo social ou até mesmo indivíduo.

"É uma gigantesca área em termos econômicos, de primeira importância em termos políticos e sociais…" e os empresários há muito tempo já descobriram seu enorme potencial. Dentro dessa nova importância do setor social, segundo Ladislau Dowbor, podemos visualizar já hoje, dois tipos de relações sociais de produção: uma que pode gerar um "capitalismo de pedágio", baseado nas indústrias da doença, do diploma e do entretenimento, e outra que aponta para uma sociedade mais horizontal, mais participativa e organizada em rede.

O movimento Cidades Saudáveis apresentado nesse trabalho é uma alternativa surgida a partir da área da saúde, ligado a esse segundo tipo de relação social de produção.
 
 

O MOVIMENTO CIDADES SAUDÁVEIS 

"O que converte a cidade em ‘saudável’ é a decisão e a vontade política de direcionar todas as políticas sociais, entre elas as políticas de saúde, para uma meta: saúde como qualidade de vida"

Muitas são as definições e conceitos:

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) o objetivo central das cidades saudáveis é melhorar a saúde dos habitantes das cidades, e especificamente a dos habitantes de baixa renda, através de melhorias nas condições habitacionais e de serviços de saúde, aumentando a consciência a respeito dos assuntos relacionados à saúde dentro dos efeitos do desenvolvimento urbano. Com mobilização política e participação civil na preparação e implementação de um plano municipal de saúde, incrementando a capacidade do governo municipal de gerenciar os problemas urbanos de forma participativa (OMS, 1995).

Já nas palavras do professor Antonio Ivo de Carvalho, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz) – Cidade saudável é uma idéia, ou uma idéia-força. "Está idéia é, por um lado, antiqüíssima, atávica e inconscientemente ligada ao bem-estar do homem e, por outro lado e ao mesmo tempo, portadora de algo que é novo, que traz consigo uma necessidade intrínseca de compreensão, identificação e adequação."

Genericamente falando, podemos dizer, que Cidades Saudáveis é um movimento presente em diversos países do mundo que tem com objetivo principal promover a qualidade de vida para toda cidade, passando pelos bairros, ruas, casas e atingindo finalmente cada indivíduo. Essa qualidade de vida estaria presente em todos os aspectos cotidianos da vida nas cidades, não só na saúde, mas também na habitação, educação, lazer, transportes e assim por diante, através de um plano elaborado conjuntamente pelo poder público e sociedade civil.
 
 

COMO SURGIU

O conceito de cidade saudável tem origem no movimento sanitário do final do século XIX, como ilustram os projetos de cidades-jardim da Inglaterra pós-revolução industrial. No entanto, foi apenas em 1984 no Beyond Health Care Conference no Canadá, que o conceito de Cidade Saudável foi mencionado pela primeira vez; em seguida, o movimento espalhou-se pela Europa e só no início da década de 90 atingiu os países da América Latina. 

Para Tatiana Dowbor a iniciativa de cidade saudável nasceu fora do campo da promoção de saúde, como uma resposta às mudanças ambientais dentro do contexto da rápida urbanização e de mudanças significativas na percepção da saúde e do bem-estar.

Explicando de forma mais detalhada, Caco Xavier (Revista Tema – Radis, maio de 2000), escreve que a idéia de Cidades Saudáveis tem origem a partir de três outras idéias. A primeira delas diz respeito à própria evolução da concepção de saúde e de saúde pública que teve seu foco deslocado do indivíduo para a sociedade, partindo do tratamento para a prevenção e desta para a promoção e educação; a saúde não mais como oposição à doença, mas como qualidade de vida. A segunda idéia está vinculada à construção da urbe, entendendo essa como espaço coletivo aonde as coisas acontecem e se inter-relacionam, onde cada setor depende de todos os outros para funcionar; e o Estado, dentro desse processo coletivo, não mais é um elemento centralizador, mas muito mais mediador. A terceira e última idéia é a que institui aos projetos de Cidades Saudáveis a noção de rede, ou seja, não projetos pontuais e isolados, mas de partes integrantes de um movimento muito maior; o conceito torna-se movimento a partir do momento que cada projeto autônomo, e interligado aos demais trocam informações e suportam-se mutuamente criando um processo em constante desenvolvimento, já que ’saudável’, não um estado final, pois sempre poderá ser melhorado.

Obviamente, desde já, não podemos pensar que sua aplicação se dá de forma igual em países tão diferentes como Canadá, Inglaterra ou Brasil. Essa é uma de suas principais características: baseado em conceitos universais que buscam acima de tudo o bem-estar humano, o movimento defende que a aplicação desses conceitos deva ser feita de forma totalmente particularizada em cada país, e mais ainda, em cada cidade. Apesar do movimento ter essa base de conceitos universais comuns para todas as suas iniciativas, é evidente que nos países do hemisfério sul a problemática se apresenta de forma bem mais complexa. Enquanto nos países ricos os principais determinantes da má qualidade de vida já estão todos resolvidos, como o acesso à saúde, educação, moradia, saneamento básico e etc; nos paises pobres não. Nesses países, os projetos têm que partir dos elementos mais básicos, justamente criando estratégias de como iniciar esse processo de democratização do acesso a esses direitos.

Em 1994, a Organização Pan-americana de Saúde (OPS) elegeu a promoção da saúde como estratégia central para as Américas e as iniciativas de Cidades Saudáveis como componente concreto essencial dessa estratégia.
 
 

COMO FUNCIONA

Partindo das três idéias apresentadas anteriormente, Caco Xavier completa que praticamente podemos dizer que: a compreensão da saúde como qualidade de vida requer um planejamento de ações de saúde pública que levem à consolidação de meios efetivos para que a população tenha acesso a modos de vida saudáveis. Essas ações dentro da cidade passam a depender e integrar-se com todos os outros setores envolvidos na administração da coletividade. Nesse contexto, o trabalho em rede proporciona a troca de informações e realimentação dessas informações para instrumentalizar as decisões.

Em outras palavras, podemos dizer que a associação dessas três idéias define uma nova "ordem governativa na cidade", uma nova forma de gestão social.

Existem alguns aspectos fundamentais que devem estar presentes nessa forma de gestão social: baseados em uma nova maneira de enxergar a cidade e a saúde como qualidade de vida, devem ser estabelecidos objetivos principais que busquem alcançar aquilo que é entendido como viver saudável partindo do âmbito municipal, passando pelos bairros, ruas, casas e indivíduos. Todo o processo desde o estabelecimento desses objetivos, elaboração de formas de ação, aplicação efetiva até avaliação contínua, deve ser feito de forma participativa e intersetorial, ou seja, todos os níveis de organização da sociedade (governo, movimentos sociais e organismos da sociedade civil, como a universidade) devem participar; ao mesmo tempo em que internamente, os diversos setores governamentais (diversas secretariais), devem interagir, na busca pela superação das políticas públicas fragmentadas. Por último é necessário garantir a continuidade das políticas implementadas, uma vez que todo movimento de cidades saudáveis é muito mais um processo do que um objetivo.

"Segundo o professor Angel Valência, da Organização Pan-americana de Saúde (OPS) a implantação dos conceitos relativos à Cidade Saudável é uma construção social que vai se dando de acordo com as características culturais, sociais e políticas das cidades, e requer a conjunção da vontade das lideranças políticas e dos movimentos sociais pela saúde."

Se quisermos falar em termos mais objetivos, podemos tomar como exemplo os passos identificados para organizar e iniciar o processo de construção de uma cidade saudável observando os projetos do Canadá, EUA e alguns países da Europa levantados pela Organização Pan-americana de Saúde (OPS): 1) construir um grupo local de apoio; 2) compreender a idéia de Cidades Saudáveis; 3) conhecer a cidade; 4) encontrar apoio financeiro; 5) compreender a situação organizacional; 6) preparar uma proposta de projeto; 7) nomear um comitê encarregado do projeto; 8) analisar o ambiente de projeto; 9) definir as atividades do projeto; 10) instalar um escritório para a condução do projeto; 11) planificar a estratégia a longo prazo; 12) aumentar a capacidade do projeto; 13) estabelecer os mecanismos de responsabilidade.

No entanto, transportando essa experiência para a América Latina, novamente existem alguns aspectos que antecedem todos esses passos, que são a busca pela democratização, descentralização e efetiva participação.

Segundo Sônia Terra, a Organização Mundial de Saúde (OMS) reconheceu a necessidade de se diferenciar as ações e prioridades entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento para a execução dos projetos. Para o Hemisfério Sul as ações propostas são: fortalecimento político e institucional, reorientação dos serviços de saúde com vistas aos problemas ambientais, recursos humanos qualificados e legislação apropriada, participação comunitária, igualdade de acesso aos serviços e ação intersetorial.
 
 

IMPLANTAÇÃO NO BRASIL

A iniciativa brasileira de implantação de um projeto de Cidade Saudável teve origem na cidade de São Paulo, em 1991, durante a gestão do governo de Luiza Erundina, através de em uma associação entre o Departamento de Saúde da cidade de Toronto (Canadá) e o Departamento de Saúde de São Paulo. Naquela época, um dos fatores que favoreceu essa iniciativa foi à valorização da participação social. Em 1994 teve início uma nova associação com a Agência de Promoção e Proteção da Saúde da OPS. Em 1995, dez cidades brasileiras já haviam aderido ao movimento. Em 1996/1997, as universidades brasileiras começaram a ter um papel mais visível no processo, e finalmente, no final da década de 90 uma rede nacional foi criada.

Após esse breve histórico no entanto, alguns aspectos particulares devem ser observados no sentido de caracterizar essa atuação. Em primeiro lugar não podemos nos esquecer que nessas duas últimas décadas, num período pós-regime militar, o país vem sofrendo uma série de mudanças sociais, políticas, econômicas e culturas que de certa forma, caracterizam um processo ainda em curso de democratização e descentralização do poder. Por outro lado, não podemos nos esquecer que segundo os critérios de avaliação centrados no Produto Interno Bruto (PIB) do Banco Mundial, o país já esteve classificado entre os dez primeiros colocados, ao mesmo tempo em que segundo os Indicadores de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações Unidas ocupamos os últimos lugares no ranking mundial.

Dentro desse contexto, alguns obstáculos à implantação efetiva do movimento das Cidades Saudáveis no país devem ser levados em conta como: a diferenciação na distribuição de renda e acesso aos direitos primários; a instabilidade política que dificulta a continuidade das atividades; a ainda enraizada cultura da ação vertical que traz as soluções de cima para baixo; a competição interna aos governos entre setores diferentes, dificultando muito a intersetorialidade e o forte distanciamento histórico existente na participação de diferentes segmentos sociais dos processos decisórios. Tudo isso ressalta a dificuldade e complexidade que é tentar realizar um trabalho integrado, descentralizado e participativo no país.
 
 

VIABILIDADE DE IMPLANTAÇÃO EM UMA CIDADE COMO SÃO PAULO

No início da década de 90, quando houve a primeira tentativa de implementação do projeto na cidade, várias metas iniciais foram alcançadas, porém, o projeto não chegou a atingir sua implantação global por uma série de fatores, entre eles, segundo Sônia Terra e o coordenador local do projeto, o mau funcionamento do comitê intersetorial. Talvez esse seja um dos principais problemas dentro da administração da cidade - a total falta de articulação entre os setores e até mesmo competição entre eles, fruto talvez de uma tradição de loteamento dos cargos públicos. Outro fato que com certeza contribui para sua extinção foi à descontinuidade política, com sucessão do governo de Luiza Erundina pelo de Paulo Maluf.

Hoje em dia, dentro do estado de São Paulo dois projetos recentes em cidades pequenas (Limeira e Bertioga) têm chamado a atenção por serem as primeiras iniciativas no Brasil a iniciarem projetos de avaliações sistemáticas com grande suporte acadêmico. O primeiro está ligado à Universidade Católica de Campinas (PUCC) e o segundo a Faculdade de Saúde Pública de São Paulo. O fato de serem dois municípios de pequeno porte (Limeira com 230 mil habitantes e Bertioga com 25 mil fixos e mais 250 mil rotativos, devido ao turismo) é, sem dúvida nenhuma determinante, pois uma política pública que vise ampla participação local em todos os níveis, além de grande articulação intersetorial é muito difícil de ser, sequer imaginado, em uma cidade como São Paulo.

A partir daí, podemos pensar que um projeto para dar certo em São Paulo tem que antes de tudo, ser acompanhado por um processo real e eficiente de descentralização do poder para então, ser elaborado em diferentes frentes trabalhando em rede, usando como unidade básica os bairros, por exemplo. Seria como se fosse uma porção de pequenas cidades articuladas.

Como um dos objetivos principais do projeto deveríamos ter a democratização do acesso a tudo: saúde, habitação, saneamento básico, transporte, lazer, educação, cultura, justiça e assim por diante. É antes de tudo um processo de "cidanização", de tornar cidadão o habitante da cidade. Só assim, a participação de todas as camadas da sociedade seria real.

Enfim, é um processo que interfere em toda estrutura política, social, econômica e cultural, mas que de alguma forma tem que ser feito.

BIBLIOGRAFIA

Revista Tema. Editada pelo Programa Radis da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz. Número 19, maio de 2000.

Revista Qualidade de Vida. Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada. Departamento de Economia, Administração e Sociologia – Universidade de São Paulo. Ano 3 , número 26, julho de 2001.

DOWBOR, Tatiana. Barriers and Facilitators for the Evaluation of Local Health Municipality Initiatives In Brazil: Contextual, Methodological and Practical Issues. Tese de mestrado. Department of Community Health – University of Toronto. 2001.

DOWBOR, Ladislau. Gestão Social e Transformação da Sociedade. Novembro de 1999.

Site da Organização Pan-americana de Saúde (OPS). 

http://www.paho.org/spanish/hpp/hmc_about.htm
 

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