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AUP-272 Organização urbana e planejamento                                       2° semestre de 2004
Monografia individual apresentada  à disciplina de AUP 272                                                    Janeiro 2005

sobre a produção do espaço urbano
débora oelsner lopes

Introdução

Neste trabalho ficarei na esfera da totalidade do processo urbano, sem me ater a qualquer aspecto concreto específico em especial, apesar de o programa da disciplina sugerir tal análise setorial e apesar das minhas idéias iniciais girarem em torno da relação do metrô com a ocupação do solo urbano.

Abandonei a análise do metrô (embora meu trabalho em grupo seja uma crítica ao PITU 2020, repropondo um novo traçado para a rede metroviária) e me fixei na questão maior (talvez mais abstrata) da produção do espaço urbano.

“O Direito à Cidade” de Henri Lefèbvre, lido na disciplina Economia do Edifício, me influenciou muito em tal escolha de foco, por levantar questões sobre a produção do espaço urbano.  À bibliografia se acrescentam os textos “O Mercado e o Estado na Organização Espacial da Produção Capitalista” de Csaba Deak e “A Localização como Mercadoria” de Flávio Villaça.

Reconheço meu conhecimento insuficiente diante de alguns conceitos presentes nos textos lidos, mas considero tal desconhecimento como um estímulo aos próximos estudos e não um entrave a este trabalho.

*

A bibliografia aponta para o peso da ideologia na produção do espaço urbano dentro do modo de produção capitalista; para a preponderância do valor de troca sobre o valor de uso das localizações; e para a localização como produto do trabalho humano.

Lefébvre, em seu escrito, identifica como indissociáveis e interdependentes os processos de industrialização e de urbanização, mesmo reconhecendo a cidade como anterior à industrialização. Para ele, a morfologia social e a morfologia física (que foram chamados de urbano e cidade, respectivamente) se constroem mutuamente e nisso há um germe revolucionário, transformador, embora existam condições - como a segregação espacial que ocorre nas cidades industriais, onde não mais existem oportunidades de encontro e quando existem (quando há um espaço físico propício para tal), não podem ser plenamente aproveitadas pelos habitantes da cidade, pois estes passaram a viver em função do trabalho, não mais se encontrando, apenas se deslocando da casa para o trabalho e do trabalho para a casa - que dificultem o desenvolvimento desses germes.

Tal segregação é fruto de uma ideologia, a qual busca separar fisicamente as classes sociais, não propiciar o encontro de forma que impõe seu modo de construir a cidade.

Contudo, Lefèbvre aponta a falta de uma filosofia da cidade em oposição à ideologia da cidade. Tal filosofia teria como ponto concreto de estudo a realidade urbana, isto é, Lefèbvre refuta as sistematizações alienantes e as abstrações filosóficas na qual até os urbanistas mais bem intencionados estão presos. Para ele, apenas o proletariado “pode por fim às separações (às alienações)”, tendo “um duplo aspecto: destruir a sociedade burguesa, construindo uma outra sociedade – abolir a especulação e a abstração filosóficas, a contemplação e a sistematização alienantes, a fim de realizar o projeto filosófico do ser humano” (Lefèbvre, p.33). Segundo Lefèbvre, “cabe ao filósofo falar, dizer o sentido da produção industrial, com a condição de não especular sobre ela, de não a tomar como tema prolongando a antiga maneira de filosofar, mas sim de a tomar como meio para realizar a filosofia, isto é, o projeto filosófico do homem no mundo: desejo e razão, espontaneidade e reflexão, vitalidade e formalização, dominação e apropriação, determinismos e liberdades” (p.138).

Déak, por sua vez analisa a ideologia sob o aspecto da economia. A intenção do seu texto é a de, com a crítica à teoria da renda, conduzir à rejeição de tal teoria e, assim, mostrar novas possibilidades de análise do processo de produção, incluindo a organização espacial.

Na teoria da renda, entende-se como renda, o pagamento recebido pelo proprietário de terra pela exploração de seu solo por outros, isto é, o proprietário recebe pela exploração dos “ ‘poderes produtivos’ “originais e indestrutíveis” do solo” (Déak). Tal teoria se fundamenta no pressuposto de equilíbrio, na total fluidez dos capitais. Contudo esse pressuposto impede a análise da transformação do uso do solo, a qual se baseia justamente no inverso do pressuposto do equilíbrio, na “rigidez dos capitais materializados em processos concretos (individuais) de produção” (Déak).

Dado, então, o argumento contra a teoria da renda, passa-se para a análise do pagamento pela localização.  A terra, dessa forma, é comandada por um preço, o qual é uma categoria (categoria como características de existência, segundo citação de Marx pelo autor) por direito próprio. “A especificidade do preço da terra, em relação ao preço das mercadorias em geral, reside na sua vinculação tanto com a produção quanto com o uso do espaço e, de fato, o preço da terra é governado pela necessidade de organização da produção por sobre o espaço” (Déak).

O preço da produção mais a técnica (escala) de produção determinam o pagamento pela localização e, conseqüentemente, a localização do processo individual de produção no espaço urbano. Localização e produção são simultâneas e a produção não acontece sem que haja uma localização. Assim, o trabalho humano, que continuamente produz e reproduz o espaço urbano de acordo com as exigências sempre em mutação da acumulação, produz as localizações contidas no espaço urbano. (Apenas como comparação, para depois voltar à argumentação de Déak, apresento a definição de localização segundo Villaça, para o qual “a localização é produto do trabalho humano realizado fora dela, realizado na construção da cidade com o objetivo de diminuir o tempo perdido em deslocamentos, de superar distâncias”).

A regulação da economia, a regulação espacial se dá pela combinação de forças do mercado e planejamento, que se concretizam respectivamente, no preço da localização e na intervenção do Estado.

A relação entre ação do Estado e o preço das localizações na diversificação do espaço é inversamente proporcional, ou seja, quanto maior a intervenção estatal, menor a influência do preço sobre as localizações que terão, assim, um preço menor, sendo o inverso verdadeiro – quanto menor a intervenção do Estado, maior a influência do preço de forma a aumentar o preço das localizações.

Um exemplo dado por Déak é o da Hungria, quando em 1968, foi introduzido o NME (Novo Mecanismo Econômico) que resumidamente foi, segundo Kemenes (1981, p. 583) a uma reforma econômica baseada na “introdução de orientação indireta através de reguladores econômicos (preço, crédito, política fiscal e salarial) em lugar de uma orientação direta das unidades econômicas de instruções” (Déak).

Além do fortalecimento da intervenção do Estado nacional, outra tendência recente do capitalismo contemporâneo é a transformação do alcance do Estado Nacional no capitalismo mundial. Quando Déak escreveu "O mercado e o Estado na organização espacial da produção capitalista" em 1985, apesar da existência de embriões, ainda não havia nenhuma comunidade entre países como a atual União Européia, com moeda própria e um parlamento comum, assim o autor propõe sua reflexão sobre a “organização espacial que, por sua vez estabelece o referencial para a análise do preço da terra” ainda dentro do contexto do “espaço econômico nacional, onde o livre fluxo de capital e trabalho é assegurado e onde prevalece uma relação-salário específica”.

Considerando o preço da terra como “um pagamento da localização em um ambiente produzido pelo homem” e não com uma “renda paga pelo uso de uma ‘dádiva da natureza’”, as questões do valor de uso e valor das localizações, da produção do espaço e do papel do espaço no processo de acumulação devem ser reavaliadas.

Tanto a teoria da renda quanto a teoria do valor falham, segundo Déak, por se voltarem para a análise de situações e não para a análise de processos.

Déak parte para a abordagem que enfoca as transformações no espaço pelo trabalho em conseqüência dos requisitos mutáveis do desenvolvimento das forças produtivas que acompanham o processo de acumulação. A produção do espaço é considerada estritamente como transformação do espaço, não havendo um produto novo senão apenas a transformação das relações que constituem o espaço. Mesmo que as estruturas produzidas sejam mantidas inalteradas fisicamente, elas se alteram no que diz respeito ao seu valor de uso, de acordo com o desenvolvimento do processo de produção.

Nenhuma localização possui um valor de uso intrínseco, nem abriga uma permanente produção. O valor de uso da localização é constantemente transformado e as atividades econômicas individuais precisam se adaptar a essas mudanças no espaço urbano, ou seja, precisam procurar o mercado, como se fossem consumidoras, em busca de localizações adequadas.

Ainda discorrendo contra a teoria da renda, Déak apresenta uma fórmula matemática, provando que o pagamento pela localização em nada interfere na acumulação capitalista, pois, segundo a teoria da renda, o preço da localização interfere negativamente na acumulação capitalista, havendo quem defenda a nacionalização da terra como forma de aumentar a eficiência da acumulação capitalista, surgindo propostas de abolir a propriedade privada da terra. Um argumento a favor dessa tese diz que “(...) o preço da terra (...) tem o efeito de retirar capital do investimento na produção agrícola. A propriedade privada da terra (...) constitui um obstáculo ao desenvolvimento das forças produtivas na agricultura”.

O autor, contudo, rejeita essa idéia de prejuízo da acumulação capitalista por causa do pagamento pela localização e, argumenta, analisando “as condições nas quais a acumulação se dá”.

VE = (W + VL + VT) + VS = V + VS

e = VS/V

onde:

VE – valor total do trabalho da sociedade

 V – valor da força de trabalho

VS – mais-valia

 W – trabalho despendido na reprodução da força de trabalho e nos meios diretos de produção consumidos na produção de mercadorias

VL – tempo de trabalho despendido na produção do espaço

VT – tempo de trabalho despendido em outras atividades do Estado

  e – taxa de acumulação

VS/W – taxa de lucro

Do ponto de vista da acumulação, só o que importa é o montante de trabalho abstrato (social) despendido na produção do espaço como proporção do trabalho necessário, ou seja, única coisa que poderia acelerar a acumulação nessa área seria a redução do tempo de trabalho necessário para produzir o espaço, reduzindo o tempo de trabalho total necessário, o que foi mostrado pela fórmula que nada tem a ver com o preço da terra.

Caso a terra não tivesse preço a quantia de dinheiro correspondente aos pagamentos pelas localizações não estaria em circulação e o ‘valor’ do dinheiro iria mudar de acordo.

Uma das formas de intervenção do Estado, o planejamento, não surge no sentido de elevar a taxa de acumulação, mas de acordo com a necessidade imposta pelos limites à mercadorização da economia.

A produção sustentada acontece a partir da transformação no espaço, de forma que o trabalho executado na produção do espaço é tão necessário quanto o trabalho gasto na reprodução da força de trabalho e dos meios de produção, e o mesmo sendo válido, para os trabalhos necessários para manter a infra-estrutura legal, política e administrativa da produção - o aparelho do Estado.

A especificidade da produção do espaço urbano em relação à produção de mercadorias está no fato de o espaço não poder ser produzido como mercadoria – “não pode ser produzido com valor de uso individualizado metamorfoseado em valor de troca” (Déak).

A seguinte citação de Déak, revela um ponto comum entre ele e Lefèbvre, sobre a não negação da produção para se chegar a uma transformação social e espacial: “A análise da organização espacial revela que o aumento da intervenção do Estado, ou da produção direta de valores de uso, só se reforça com o desenvolvimento da produção, pois quanto mais o espaço for diferenciado por força da produção de valores (incluindo a mais-valia postulada como ‘lucro’), maior a necessidade de homogeneização do espaço através da produção de valores”.

Lefèbvre por sua vez é mais radical, indicando os agentes da transformação (revolução) espacial e social por vir. Para ele, “Só o proletariado pode investir sua atividade social e política na realização da sociedade urbana. Só ele também pode renovar o sentido da atividade produtora e criadora ao destruir a ideologia do consumo. Ele tem portanto, a capacidade de produzir um novo humanismo, diferente do velho humanismo liberal que está terminando sua existência: o humanismo do homem urbano para o qual e pelo qual a cidade e sua própria vida quotidiana na cidade se tornam obra, apropriação, valor de uso (e não valor de troca) servindo-se de todos os meios da ciência, da arte, da técnica, do domínio sobre a natureza material” (p. 144).

A produção do espaço urbano, como visto no desenvolvimento do trabalho, é manipulada por ideologias e a ideologia vigente em nosso tempo é a do valor de troca da localização preponderante sobre o valor de uso. Mas, segundo, a defesa dos autores estudados, tal ideologia se findará e não mais será substituída por outra, senão por uma nova maneira de relacionamento social que refletirá sobre o espaço urbano.

 

Bibliografia

DEÁK, Csaba (1989c) "O mercado e o Estado na organização espacial da produção capitalista" Espaço & Debates, 28:18-31

LEFÈBVRE, Henri (1968) O Direito à Cidade Editora Moraes, São Paulo

VILLAÇA, Flávio (19-?) “Localização como Mercadoria”, apostila


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