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1 BATTAGLIA, Luísa. Cadastros e registros fundiários: a institucionalização do descontrole sobre o espaço no Brasil. Tese de doutoramento FAU USP, São Paulo, 1995, e DEÁK, Csaba . "Acumulação entravada no Brasil e a crise dos anos 80" Espaço & Debates nº 32, São Paulo, 1991.
2 CANDIDO, Antonio.
O discurso e a
cidade. São: 1998, pg.45
folha de são paulo 08.08.04
4
“Estes entendimentos (entre City e
Light) registrado no “Report of
Directors” de maio de 1914 (quando se
iniciaram os contatos entre as duas
empresas), conferiram proridade aos
bairros da City no atendimento por esse
serviço
urbano (bondes) essencial à
criação de
acessibilidade. Consta da documentação da
Light a recusa ao atendimento de
áreas
fabris ou residenciais da população operárias(...),
Souza, 1988, pg83 andrade (1998)
5 No
site do clube, na parte que fala de
seu histórico, há uma breve
referência à
esse problema: “...mas problemas como o
do nome, alargamento da Marginal e o da
área ser estritamente residencial
não
foram obstáculos.” Em
www.clubeap.com.br
, acessado em 20.08.05 6
Folha de São Paulo em 04 de Fevereiro
de 2001 ![]() Fotos tiradas da rua Guerra Junqueira onde vemos as áreas pertencentes ao muncípio completamente cercadas. 7 “...sobre área pública não incide IPTU, que é algo que eu não concordo. Mas é um parecer que já é antigo, e justamente porque as área públicas são imunes. Como a área é do município, ele não poderia tributar a si mesmo, e o município continua a ser proprietário do imóvel, mesmo que ele esteja ocupado. Esse é o entendimento que levou a não incidir IPTU mesmo nesses casos...”. A fala do procurador em entrevista a autora sobre a cobrança de IPTU sobre área pública reflete um aparente contrasenso: na área cedida em permissão de uso ao clube alto dos pinheiros não poderia incidir tal imposto. No entanto, o processo faz mensão ao ano em que a dívida relativa a essa cobrança começou a ser computada. Fica a dúvida: a cobrança do IPTU é legítima? ou é uma forma de legitimar o uso do terreno público por particular?
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Apropriação
privada de bem público O caso do Clube Alto de Pinheiros* Ana Carolina Gimenez O trabalho centra-se em
uma das formas
de apropriação da
propriedade pública
municipal: A permissão de Uso. Através
do estudo de caso, qual seja, a permissão de uso de área pública próxima
às vias marginais para o
Clube Alto dos Pinheiros, pretende-se
identificar alguns problemas existentes
no controle do patrimônio público municipal de São Paulo. A referida área
foi objeto de denúncias
de irregularidades na Cpi das áreas
públicas no ano de 2000. Posteriormente, o
Ministério Público entrou em disputa
judicial com o Município e o Clube.
Embora tal litígio tenha sido resolvido parcialmente
a favor do Ministério Público em 2001, que propôs
ação civil Este caso, como outros,
nos remetem a um
problema maior: parte-se da tese1
que
tais irregularidades decorrem de uma forma
de reprodução da sociedade onde determinadas forças sociais são predominantes
no Estado.
Essas forças são
cristalizadas de forma
a criar um mecanismo de reprodução não
autônomo no qual o caos no tratamento de questões
institucionais é intencional e
articulado . Neste Estado, a propriedade
pública carece de regulamentação e controle
compatível com o modelo que se pretende seguir, qual
seja, o Estado capitalista. Para nos ajudar a
compreender o
funcionamento deste Estado, fizemos dois
recortes que se apóiam na narrativa e na
crítica literária. São dois textos que ajudam a
entender o que se entende por
particularmente
“brasileiro”. O primeiro deles, o ensaio
de Antônio Cândido intitulado “dialética da malandragem” faz uma descrição
das relações
sociais na formação do
Brasil urbano
através da leitura do romance “Memórias
de um sargento de milícias” de Manoel Antônio
de Almeida: “Ficou o ar de
jogo dessa organização
bruxuleante fissurada pela anomia que se
traduz na dança dos personagens entre
lícito e ilícito, sem que possamos afinal dizer o que é um e o que é outro, porque todos
acabam
circulando de um para outro com uma
naturalidade que lembra o modo de
formação das famílias, dos prestígios, das
fortunas, das reputações, no
Brasil urbano da primeira
metade do século XIX”2 A
descrição de Antonio Cândido serve como
parâmetro para a
investigação das razões
que levam a formação de uma
sociedade e
de seu espaço que se constitui pela dialética da ordem e da desordem. Neste sentido, o
personagem literário é uma
metáfora da
sociedade, pois ambos estão organizados
pelo princípio de que a regra é a
contravenção, a
irregularidade, a desordem. Tais
contravenções e desordens fazem
parte de um sistema que Roberto Schwarz
classificou como impropriedade do pensamento
nacional ou “As idéias fora do lugar”3 . O
autor referia-se a
Constituição Federal de 1824 que
em um país ainda escravocrata,
incluía
em seu ordenamento a Declaração dos
Direitos do Homem. Esse aparente contra-senso, explica Schwarz, acontece pela coexistência de idéias liberais “importadas” e um sistema arcaico de produção. A elite em certa medida envergonhava- se de manter a escravidão, escondia sua existência numa roupagem liberal, mas não podia abrir mão da forma de trabalho que garantia a reprodução daquela sociedade. Enquanto na Europa as mudanças nas maneiras refletiram transformações na ordem social, no Brasil elas perdiam a “justeza”, desajuste causado pela máquina do colonialismo. Do lado das relações sociais, o autor identifica no texto de Machado de Assis alguns elementos marcantes das práticas sociais. Cita a universalidade do favor como elemento de mediação social. Em termos práticos significa que as mediações não ocorrem através de relações burguesas, mas através de relações onde o trato de questões públicas era individual. Assim, as idéias da burguesia no Brasil eram, e ainda são, abaladas na base de sua intenção universal, pois gravitam não no mundo de relações burguesas, pelo contrário, gravitam no mundo do arbítrio e do favor. Tais práticas e
ocorrências negam,
burlam e até mesmo alteram o
“Estado de
direito” e são tão freqüentes que há uma inversão de lugares: institucionaliza-se
a
contravenção. Dito isto,
passamos a uma
segunda parte do texto. Nela procuramos
entender qual o lugar da contravenção na produção
do espaço atualmente e se ainda faz
sentido afirmar que as práticas
sociais
refletem a institucionalização da
desordem. Assim sendo, a pesquisa
procurou
elementos que comprovassem tal tese.
Foram levantadas algumas manchetes de jornal,
algumas delas aparecem em seguida.
Algumas imagens
são do período em que se
apurava as “invasões”
milionárias em
terras públicas no Lago Paranoá em
Brasília. Outras são da época em que a CPI das
áreas públicas investigava
as denúncias de
apropriação de áreas municipais
e
irregularidades nas concessões. Curiosamente, as
denúncias feitas pelos jornais Estado de
São Paulo e Folha de São
Paulo neste
período constituíram um elemento
fundamental para que o Município, através de seus órgãos competentes, pudesse
tomar ciência
de tais irregularidades durante a CPI
das áreas públicas. De fato, foi
essa
situação que pudemos verificar no Departamento Patrimonial do Município,
órgão responsável
pela gestão das áreas
públicas
municipais: não há um mapeamento das cessões
de forma a facilitar sua identificação. O sistema de identificação de tais áreas
depende da boa
vontade de seus funcionários em
consultar as pastas onde se encontram os registros
de 40 mil áreas públicas cedidas.
Como essa consulta é circunstancial
e o
número de técnicos e fiscais do Departamento
patrimonial é irrisório, qualquer novo evento em áreas municipais só é
registrado se houver
denúncia de terceiros. A
situação do Clube Alto dos Pinheiros é
muito semelhante à de outras
áreas
públicas cedidas pelo município. A
fiscalização das
condições impostas pelo termo de permissão
de uso se realizou em meio às
denúncias
de irregularidades. O terreno cedido
ficou vinte e cinco anos sem nenhum tipo de
fiscalização ou controle. Mas antes de
apresentar os elementos particulares
deste estudo de caso que nos ajudaram a
identificar traços recorrentes da estrutura
político-institucional brasileira,
gostaríamos de contextualizar a
formação da propriedade em
questão. O bairro onde se
encontra o clube Alto
dos Pinheiros foi incorporado pela Cia
City of São Paulo Improvement and Freehold
Company Limited. Em 1911, o ano de sua formação, a empresa adquire dos políticos Cincinato
Braga e Horacio Sabino, 12 milhões
de
metros quadrados de terras na capital
paulistana. Esse estoque, adquirido por sugestão do
arquiteto Francês Bouvard, correspondia à
37% da mancha urbana de São Paulo.
Bouvard tinha sido apresentado por um
dos fundadores da Cia City, o banqueiro Edouard Fontane
de Laveleye, a Antonio Prado. Sua
sugestão provavelmente foi
influenciada
pelo fato de ter elaborado, a pedido do
prefeito, planos de melhorias para a cidade de São
Paulo o que possibilitou o contato do
arquiteto com a realidade do nascente
mercado de terras paulistano. Posteriormente,
a Cia City fará acordos com a Cia Light, responsável
pela iluminação e transportes
públicos em São Paulo. Tais
acordos
possibilitaram a convergência da ação
de
ambas empresas, com benefícios mútuos. Essa
convergência nem sempre beneficiou a
cidade de modo geral4. Embora a
urbanização do
bairro Alto dos
Pinheiros tenha se iniciado
contemporaneamente ao loteamento do Pacaembu em
1912, as obras seriam interrompidas por
acordos com a Cia Light que em 1927
inicia as obras de retificação do rio
Pinheiros. Após o encerramento das obras de
retificação, que gera enorme
valorização aos terrenos da
City, o Alto de Pinheiros se
configurará
como um bairro de elite e enquanto tal,
será equipado com alguns equipamentos destinados
a essa clientela, entre eles o próprio Clube Alto dos
Pinheiros. Mas como Leonardo
Pataca, o clube nasce
de uma “malandragem”. O grupo inicial de
fundadores era integrado por alguns
políticos como Antonio Franco Montoro e Roberto Malzoni.
Por opção de um de seus fundadores,
foi escolhida a quadra 51 da Cia City
como o lugar mais adequado para
instalação do clube. Embora se tratasse de uma zona estritamente residencial, os sócios
fundadores
não encontraram obstáculos
para se
instalar no bairro5. Em 1969 o clube se
dirigiu à prefeitura
de São Paulo com intenção de
usar área
pública contígua ao lote adquirido em 1959.
Conta o presidente do Clube Carlos Augusto Monteiro da
Silva (ex-deputado pelo PSD) que por ter
interesse na área, dirigiu-se ao
prefeito e foi atendido: “Eu era deputado estadual,
sei como as coisas são. Era amigo do
Faria Lima e falei com ele” 6. A propriedade em
questão foi cedida em
permissão de uso. Isso porque o
terreno
trata-se de uma praça que pertence, conforme
Artigo 66 do código civil, a classe dos bens de uso comum do povo com origem em
aprovação de
loteamento. Pelo direito brasileiro
somente o prefeito, com autorização da
câmara, pode ceder essa classe de bens. Usa-se
preferencialmente a permissão de
uso nestes casos de cessão, que
é definida
pelo direito público brasileiro como
“ato negocial, unilateral, precário através da qual a administração faculta ao
particular a
utilização individual de
determinado bem
público”. Esse tipo de cessão não é onerosa
e estabelece somente que os encargos e tributos incidentes
sobre o terreno, tais como o IPTU,
sejam pagas pelo
permissionário. Neste sentido, o caso
do clube Alto dos
Pinheiros é exemplar: a prefeitura
“descobriu” através da imprensa que passados 35
anos sem tomar conhecimentodo que acontecia no
terreno cedido, período em
que o
terreno foi vistoriado apenas duas vezes
e de modo superficial, o mesmo havia acumulado
uma dívida relativa ao IPTU incidente7 sobre o terreno, dívida esta que o clube
não tinha
condições de pagar. Como
justificar esse
desinteresse da prefeitura por um
terreno tão valioso? Qual a pertinência de manter uma modalidade de cessão não onerosa a
um clube
voltado a atividades restritas aos seus
sócios? A conclusão que
chegamos é de que as
práticas administrativas, num setor
fundamental como o de recolhimento de
taxas para o aparelhamento e funcionamento do Estado, dificultam
ou simplesmente impedem a execução
de preceitos jurídicos abstratos.
As
decisões deste Estado orientam- se pelos interesses particulares
dos agentes de
governo que tratam como suas as
propriedades do Estado. O caso do clube
Alto dos Pinheiros demonstra que os valores dos
agentes do governo estavam diretamente
vinculados aos interesses do clube,
permeando as decisões do Estado; transparece
a fragilidade deste como um ente abstrato capaz
de fiscalizar e se aparelhar financeiramente
para o exercício do controle da
propriedade, o que em última instância comprova
a tese de que esse descontrole é intencional. A
razão do descontrole é a garantia da
reprodução da sociedade de
elite. A pesquisa busca assim
contribuir para a
investigação de formas de
organização e
produção do espaço de São Paulo. Na
esfera da política pública, essa
investigação é fundamental para
a orientação de condutas que tenham
participação ativa no
processo de
transformação do espaço da cidade
encontrando assim sua pertinência numa escola de arquitetura.
* Esta
monografia é baseada na pesquisa PIBIC Gimenez (2005)
orientada por Klára K Mori BIBLIOGRAFIA ANDRADE, Carlos
Roberto Monteiro de.
Barry Parker : um arquiteto inglês
na
cidade de São Paulo São Paulo, Tese (Doutorado)
apresentada a FAUUSP, São Paulo,1998 BACELLI, Ronei.
Presença da companhia
city em São Paulo e a
implantação do
primeiro bairro jardim, 1915-1940. Dissertação
(Mestrado) apresentada a
FFLCH, São Paulo, 1982. BALDEZ, Miguel
Lanzellotti. A luta pela
terra urbana. In: Reforma urbana e
Gestão democrática, Rio de Janeiro:Revan, 2003
BATTAGLIA,
Luísa. Cadastros e registros
fundiários: a institucionalização
do
descontrole sobre o espaço no Brasil. Tese
(Doutorado) apresentada à FAUUSP, São Paulo,1995. CÂMARA
MUNICIPAL DE SÃO PAULO. Relatório
da Comissão Parlamentar de
Inquérito
para apurar denúncias de irregularidades
na cessão de áreas públicas a entidades privadas. São Paulo: Diário Oficial do
Município, ano 46
nº188. 05 out. de 2001. CANDIDO,
Antônio. Dialética da
malandragem. In: O discurso e a cidade,
São Paulo: Duas cidades, 1998 CONSTITUIÇÃO
FEDERAL, CÓDIGO CIVIL E
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
Organizado por
Yussef Said Cahali. 2ª ed. atual. e
ampl. São Paulo: RT, 2000 (RT- Mini-códigos) DEÁK,Csaba
. Acumulação entravada no
Brasil e a crise dos anos 80 - in
Espaço
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Sylvia de Carvalho. Homens
livres na ordem escravocrata. São
Paulo:
[Instituto de Estudos Brasileiros, Universidade
de São Paulo], 1969, pp.9-20 e pp.110-130 GIMENEZ, Ana
Carolina Ayres. Apropriação
privada de bem público.
Relatório final
para o programa institucional de bolsas
de iniciação científica PIBIC-CNPq, período
2004- 2005. Orientação:
Klara Kaiser Mori MORI, Klara
Kaiser. Notas sobre a
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& Debates nº 25, São Paulo, 1988. ________________.
Urbanização e
fronteiras. Tese de doutoramento apresentada
a FAU USP, São Paulo, 1997. ________________.
A ideologia na
constituição do espaço brasileiro.
In: O
processo de urbanização no Brasil, São Paulo
: FUPAM/EDUSP, c1999 de PIETRO, Maria
Silvia Zanella. Poder
de Polícia em matéria urbanística.
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Temas de Direito Urbanístico, Ministério Público
/ Imprensa oficial, 1999. SCHWARZ,
Roberto.As idéias fora do
Lugar. São Paulo: Estudos Cebrap 3,
1973 SEABRA, Odette
Carvalho de Lima.
Meandros dos rios nos meandros do poder
: Tiete e Pinheiros - valorização dos rios
e das várzeas na cidade de São Paulo . Tese de
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São Paulo, 1987. SECRETARIA DOS
NEGÓCIOS JURÍDICOS.
Relatório de áreas
municipais cedidas a
terceiros.. Diário oficial do município: São
Paulo, Ano 48 nº 174. 16 set 2003. SOUZA, Maria
Cláudia Pereira de. O
capital imobiliário e a produção
do
espaço urbano. Dissertação de mestrado apresentada
à Escola de
Administração de Empresas de São Paulo
da Fundação Getúlio Vargas, São Paulo,
1988. |