.AUP 272
.Trabalhos de alunos

 

2° semestre de 2005 AUP 272 Organização urbana e planejamento
Csaba DeákMaria Lúcia Martins | Nuno Fonseca  Pedro Taddei João Whitaker

Monografia individual apresentada
à disciplina de AUP 272
                           Novembro 2005



























































































 

 























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Terreno de uma futura estação do Fura-fila, hoje abandonado.






 




O fura-fila sendo testado em outubro de 2000. Na foto inferior, o veículo trafega sobre tampão em cima do rio.




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Projeto Eixo-Tamanduatehy: mapa de intervenções, operações urbanas  e parcerias executadas até o ano 2000    



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O Rio Tamanduateí e o desenho urbano

Amer Nagib Moussa


Introdução

Dentro do sistema capitalista no qual são construídas nossas cidades hoje, o planejamento urbano pontual se revela como ineficaz e paliativo, na medida em que o Estado acaba por favorecer a acumulação do capital através da valorização do espaço como mercadoria.

A terra enquanto localização, longe de ser uma dádiva da natureza, é um produto do trabalho que continuamente (re)produz o espaço de acordo com os requisitos sempre mutantes da acumulação”. [1]

Apesar disso, essa monografia abstrai a questão sistêmica do modo totalitário de produção da cidade, se colocando como um exercício de estudo e crítica do processo histórico e de projetos de possíveis ocupações da várzea do Rio Tamanduateí - exercitando apenas o desenho urbano em caráter de intervenção.

“Entre todos os empreendimentos humanos e diante da consciência ecológica que domina e aproxima a humanidade, o desenho da cidade é o que expressa de modo efetivo e também simbólico, como nenhum outro, a capacidade do homem para formalizar e imprimir uma outra configuração da natureza enquanto lugar, onde representa a sua presença desejada no universo”.[2]

Hoje, o papel do Rio Tamanduateí na Zona Metropolitana de São Paulo encontra-se em segundo plano, sendo visto sempre como entrave ao desenvolvimento e barreira geográfica a ser superada. Seu curso foi canalizado e a orla, loteada e vendida. Porém, outras possibilidades de desenho urbano podem ser criadas, tendo em vista uma interpretação mais humana e utilitária do rio.

Atualmente, alguns projetos foram pensados para essa região visando reverter esse quadro de morte e confinamento do Rio Tamanduateí. Serão aqui analisados três deles: o Fura-Fila, projeto de transporte público elaborado pelo prefeito de São Paulo Celso Pitta, 1997-2000; o Projeto Eixo Tamanduatehy, da Prefeitura de Santo André, 1998; e o projeto para a orla fluvial da grande São Paulo contido na dissertação “Os rios e o desenho da cidade”, de Alexandre Delijaicov, 1998.    

 

O Princípio 

O Rio Tamanduateí, que em tupi significa “rio de muitas voltas”, nasce na Serra do Mar, mais precisamente na cidade de Mauá, e deságua no Rio Tietê, passando pelas cidades de Santo André, São Caetano e São Paulo. Foi amplamente utilizado pelos índios que aqui habitavam, já que fazia a conexão do litoral com o interior paulista, ligando a Serra do Mar ao Rio Tietê, o qual adentra o Estado de São Paulo. Os portugueses também fizeram uso inteligente dos leitos navegáveis. Como utilizaram as trilhas indígenas associadas aos caminhos fluviais, muitas vilas foram fundadas ao longo dos rios paulistas. 

Assim aconteceu com a Vila de Piratininga, que foi fundada em uma colina 20 metros acima da Várzea do Carmo. Este local foi escolhido por que permitia fácil acesso ao litoral, ao mesmo tempo em que possibilitava avistar qualquer inimigo que se aproximasse da Vila via Rio Tamanduateí.

Segundo Benedito de Toledo[3], o desenvolvimento da Vila de Piratininga nos três primeiros séculos logo após a sua fundação se deu praticamente dentro da colina histórica. Fora dela, moravam os pobres e a população de baixa renda. Tal fato se justifica pelas cheias periódicas do Rio Tamanduateí, que limitavam a ocupação e dificultavam o acesso a Zona Leste da cidade, como a região do Brás e da Moóca. Apesar disso, o Rio beneficiava a Vila com o trafego de mercadorias vindas do litoral, configurando a várzea como área de intenso comércio, ao mesmo tempo em que lavadeiras de toda a parte brigavam todos os dias por um espaço do leito onde pudessem lavar a roupa dos seus senhores.

A transposição do Rio já se fazia necessária, e, em 1810, foi construída a ponte do Carmo, ligando a Ladeira do Carmo ao Aterrado do Brás (Atual Av. Rangel Pestana), tendo grande importância por dar saída para o Rio de Janeiro. Já nessa época a cidade poluía o rio, despejando em seu leito o lixo produzido e o esgoto, sem tratamento.

Em 1867 foi construída a estrada de ferro Santos/Jundiaí, que teve como seu eixo condutor as margens do rio e que servia para despachar a produção de café do interior para o litoral. Em 1894 teve início a implantação parcial do Projeto Carlos Bresser de retificação do Rio Tamanduateí, o qual, junto com a estrada de ferro, atraiu muitas indústrias para a Região do ABC. As áreas aterradas do Tamanduateí, que poderiam ter sido dedicadas ao uso publico, foram conferidas aos industriais, que por muitas décadas se aproveitaram da água e do trem para desenvolver seus negócios particulares. A partir daí, o rio abandonou de vez a possibilidade de se tornar uma área de lazer da cidade, com possíveis parques lineares.

Com isso, a futura região metropolitana de São Paulo foi se configurando, em meados do século passado, um grande pólo industrial brasileiro, atraindo imigrantes de diversos lugares do mundo, criando algumas vilas operárias – nos bairros do Brás, Moóca, Pari e Belém, além de proporcionar grande inchaço nas cidades do ABC, como São Bernardo e São Caetano. A contradição da ocupação industrial trouxe muito desenvolvimento para os municípios da região, mas por outro lado acelerou brutalmente o processo de poluição, já que não havia um sistema eficaz de tratamento dos resíduos industrias, que eram despejados no rio.

A retificação do rio contribuiu também para o aumento da vazão das águas, já que acabou com os meandros naturais do leito, acelerando a correnteza, favorecendo as enchentes nos pontos de estrangulamento. Na época do primeiro projeto de canalização, de 1890, a vazão prevista era de 30m3/s; e, no segundo projeto, em 1930, a vazão dobrou para 60m3/s. O projeto final executado, em 1978, tinha que suportar uma vazão de 484m3/s. [4]

Este crescimento na vazão do Rio Tamanduateí também foi decorrente do ritmo de expansão da mancha urbana e, conseqüentemente, da área impermeabilizada na sua bacia. Simulações realizadas pelo CTH (Centro Tecnológico de Hidráulica), já nos anos 90, indicam que, se a expansão da mancha urbana continuar, com a bacia totalmente impermeabilizada, a vazão na foz poderá ultrapassar 800m³/s.

Hoje o rio já se encontra canalizado desde a foz do afluente Oratório até a sua foz no Rio Tietê, tendo a última obra sido concluída em 1998. O Rio Tamanduateí segue por todas as cidades em que corta sempre estrangulado por avenidas estéreis, configuradas na maioria das vezes por imensos galpões industriais abandonados.


A Trilha dos Tupiniquim foi por muito tempo utilizada por índios e portugueses para a subida da serra,  passando nas cercanias do Rio  Piratininga, futuro Rio Tamanduateí 

 

 

A Várzea do Carmo em fins do século XIX. O vale do Rio era acessível e aproveitável por todos os habitantes    

 

Projetos

    
O Fura Fila, lançado como um chamariz na campanha eleitoral do ex-prefeito de São Paulo, Celso Pitta, já trouxe muitos prejuízos para o município. Concebido como Veículo Leve sobre Pneus (VLP) em via segregada, com apenas oito quilômetros, ele foi uma invenção de marketing e, como modo de transporte, não estava vinculado a nenhuma estratégia para equacionar de forma mais geral o problema de mobilidade na cidade, quanto menos na metrópole. A demanda de passageiros da região no horário de pico é compatível com a suportada pelos ônibus, dispensando uma obra de infra-estrutura desse porte [5].

Os projetos das estações são do arquiteto Ruy Ohtake, outro marketeiro e oportunista da cena paulistana. A obra, inacabada, se arrasta há três administrações, deixando esqueletos de concreto armado em estado de deterioração espalhados pelo vale do Tamanduateí. Soma-se a isso o fato de inúmeras desapropriações terem sido feitas em lotes da Av. do Estado - para a construção das estações - e o que se tem hoje é um cenário surreal: uma grande avenida de galpões e terrenos abandonados, cravada por pilares de 8 metros de altura a cada 40

metros. O Rio Tamanduateí, já esmagado, foi precariamente “tampado” em alguns trechos para a passagem do VLP.

O Fura-Fila já consumiu cerca de R$ 600 milhões de recursos públicos, apenas para a construção da estrutura. Recentemente, surgiu uma proposta da administração Serra de utilizar as vias elevadas já construídas como parte de um corredor de ônibus até a Cidade Tiradentes, no total de 27 quilômetros, e de operá-lo através de veículos convencionais. A opção apresentada mostra a intenção do secretário de transportes de dar continuidade à implantação de vias exclusivas (Passa Rápido), um dos programas mais importantes da gestão de Marta Suplicy (2001-2004).

Ainda assim, o Fura-Fila é um projeto que já nasceu equivocado, na medida em que oprime ainda mais o Rio Tamanduateí, colaborando para o seu eterno confinamento, e que ignora a linha D da CPTM, a qual corre paralela ao rio e que tem muito mais potencialidade de transporte público de massa, pois corta outras cidades da RMSP, saindo da Luz e chegando até Rio Grande da Serra. È um projeto que não vem acompanhado de um desenho urbano transformador; é apenas uma afirmação da destruição do rio.     

Outro proposta contemporânea para a região é o Projeto Eixo Tamanduatehy (1998), elaborado pela Prefeitura de Santo André. A área de intervenção abrange 12,8 km2, situados entre a várzea do Rio Tamandauteí e a Ferrovia, em uma extensão de 10,5 km, dentro do município de Santo André.

A idéia principal do projeto é desenvolver um novo centro regional na cidade, que seja menos dependente da forte centralidade que a cidade de São Paulo exerce sobre o resto da metrópole. Além disso, pretende-se costurar as duas metades de Santo André, historicamente divididas pelo eixo. 

Para que isso ocorra, é prevista a construção de prédios de escritórios, hotéis, centro de convenções, espaço para feiras e exposições, restaurantes, cinemas, grandes equipamentos culturais e outros elementos hoje ausentes na região, além de uma requalificação do transporte metropolitano que cruza a área (CPTM), tornando-o mais popular entre todos os habitantes. Edifícios de habitação de interesse social também deverão ser incorporados à nova área.

Apesar das boas intenções, o projeto se demonstra ingênuo em diversas concepções. Segundo Nadia Somekh, Secretária de Desenvolvimento Econômico da Prefeitura Municipal de Santo André, “O projeto Eixo Tamanduatehy prevê a criação de espaços públicos, apostando na idéia de que a democratização desses espaços constitui um processo de redistribuição de renda e de inclusão social. Esta poderá ocorrer não apenas por meio da ampliação do convívio social democrático nas novas áreas a serem criadas, mas também através da criação de programas de geração de trabalho e renda, nos moldes construídos pelo processo de articulação regional”.[6]

Tal premissa deixa transparecer um desconhecimento das relações de trabalho humanas em que se pautam nosso sistema. Além do mais, o projeto incentiva a iniciativa privada em atuações como shoppings centers e grandes supermercados, reproduzindo a forma de exploração do capital via concessões do Estado, em áreas que deveriam ser de utilidade pública por definição (a várzea do rio).

O Rio Tamanduateí, em meio a tudo isso, permanece confinado e sem utilidade, o que mostra uma falta de preocupação e ousadia do projeto em relação ao desenho urbano, que certamente não reflete os anseios contidos nos longos textos explicativos que a prefeitura divulga.[7]

A própria secretária admite ser incerto o futuro do projeto em seu desenvolvimento sustentável, já que este depende de políticas públicas de amplas esferas (desde municipais até nacionais) e que é

preciso um comprometimento dos futuros governos no papel do Estado enquanto interventor e

sustentador, para que não cause gentrificação na área. Sabemos que este processo, além de oneroso para as contas públicas, raras vezes obtém sucesso.

O Projeto Eixo Tamanduatehy já expõe desde o inicio a incapacidade do planejamento urbano de resolver os problemas sociais oriundos da desigualdade das classes. O que ele cria, no máximo, são melhores condições espaciais para que se o capital possa desenvolver seus negócios.

 




Tratamos até aqui de esferas de atuação políticas municipais. O que se pode concluir é que, se não houver um projeto totalitário abrangente para a bacia do Tamanduateí, e, por que não, para a Bacia do Tietê, os rios paulistas permanecerão sem sentido na RMSP.

Sob esse ponto de vista, a dissertação de mestrado de Alexandre Delijaicov, “Os rios e o desenho urbano da cidade” apresenta um projeto amplo e ousado para a bacia do Alto Tietê na RMSP. É uma proposta que não tem a pretensão de resolver a problemática do modo de construção das cidades capitalistas contemporâneas, apenas faz um redesenho dos leitos fluviais da metrópole, atribuindo um sentido central e utilitário para nossas águas.

O projeto fundamenta-se nos conceitos de cidade-porto fluvial e cidade-parque fluvial; assim, três idéias orientam o desenho proposto: portos, parques e habitação. Esse novo desenho deslocaria o ponto de observação e a referencia urbana - o símbolo e a imagem do desenho da metrópole passariam a ser o rio e a arquitetura da orla fluvial urbana, já que os rios passariam a ser navegáveis.

Os rios transportariam pessoas, mas sem a pretensão de concorrer com transportes de massa, como o metrô. Seria apenas para aliviar os horários de pico e para promover passeios turísticos, revelando um outro olhar sobre a cidade. Também seriam transportadas embarcações com lixo, tal como feito em Paris. 

Para a implantação de uma rede hidroviária na Grande São Paulo prevê-se a construção de um canal de ligação entre as represas Billings e Taiaçupeba, de 22km. O restante do anel seria formado pelos rios Tietê e Pinheiros. Os afluentes, como o Tamanduateí, também estariam incluídos no projeto, que configuraria 50km de águas navegáveis só na metrópole.

Obviamente, obras de infra-estrutura como eclusas e barragens seriam necessárias para tornar alguns trechos navegáveis; Delijaicov mostra tecnicamente que tais construções são possíveis, baseando-se sempre em canais urbanos europeus, como os de Veneza e Amsterdã.    

Dentro desse projeto, o Tamanduateí teria papel essencial na ligação do Tietê com o litoral (um canal artificial ligaria-o à Represa Billings, dando acesso a Santos), recuperando o seu caráter inicial na fundação da cidade de São Paulo. Nele estariam três portos: o de Santo André, o da Moóca e o porto-lago do centro histórico, atual parque D. Pedro II.

Delijaicov faz um desenho generoso, derrubando as grandes avenidas rodoviaristas que se espalharam pela cidade a partir do Plano de Avenidas de Prestes Maia, de 1930. Todos os portos e parques são pensados de maneira a incorporar ciclistas e pedestres, e também edifícios habitacionais de até 4 andares.

O porto-lago do centro histórico é uma inundação do Tamanduateí em uma área da cidade que hoje está praticamente ignorada. Resgatar o potencial de leitura urbana que a várzea do Carmo oferece é primordial para que os paulistanos realmente compreendam a formação de sua cidade. Mais do que isso, o porto-lago nos recoloca em outro espaço-lugar, impondo à natureza os



desejos do homem em transformar a
cidade em algo humano, saudável e sustentável.

Projeto de desenho urbano de  Delijaicov para o Rio Tamanduateí e sua foz no Tietê    

 


Bibliografia

DEÁK, Csaba. A Acumulação entravada. São Paulo. Anpur, 1990.

___. O Mercado e o Estado na organização espacial da produção capitalista. Trad. Micaela Krumholz. Artigo republicado em 1999.

___ . O eixo Tamanduateí na estrutura metropolitana. www.usp.br/fau.

DELIJAICOV, Alexandre Carlos Penha. Os rios e o desenho urbano da cidade. Dissertação, FAUUSP. São Paulo, 1998.

KAHTOUNI, Saide. Cidade das águas. Ed. RiMa, São Carlos, 2004.

MIRANDA, Rosana Helena. Moóca: lugar de fazer casa. Tese, FAUUSP. São Paulo, 2002.

TOLEDO, Benedito Lima de. São Paulo: três cidades em um século. São Paulo, CosacNaify, 2004.

 

www.santoandre.sp.gov.br

www.daee.sp.gov.br

www.estacoesferroviarias.com.br

www.cptm.sp.gov.br

www.metro.sp.gov.br

www.rededasaguas.org.br

www.vitruvius.com.br

www.sampa.art.br



[1] DEÁK, Csaba. O Mercado e o Estado na organização espacial da produção capitalista.

Trad. Micaela Krumholz.

[2] MENDES DA ROCHA, Paulo Archias. Reurbanização da Baía de Vitória, Vitória.

[3] TOLEDO, Benedito Lima de. São Paulo: três cidades em um século, 2004.

[4] fonte: www.daee.sp.gov.br

[5] fonte: MIRANDA, Rosana Helena. Moóca: lugar de fazer casa. São Paulo, 2002.

[6] fonte: www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq059

[7] www.santoandre.sp.gov.br


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