.AUP 272
.Trabalhos de alunos

 

 
 
Como uma teleobjetiva fotográfica que permite rapidamente transitar entre visões aproximada e ampla, o presente trabalho partirá de um diagnóstico hiper-limitado e quase amostral de alguns problemas observados no planejamento urbano da cidade de São Paulo. A partir desses, em um estágio mais afastado observar-se-á seus mecanismos de atuação, e finalmente, num patamar amplo em que estes encontram-se agrupados por suas manifestações elementares, observar como a estrutura social brasileira segundo a ideologia vigente reflete e é reflexo dos problemas urbanos apresentados.
 
Diagnóstico
Delimitamos os exemplos citados à região sul do município de São Paulo. Ao consultar os Planos Regionais Estratégicos (PRE) feitos pelas Subprefeituras presentes nessas áreas é possível notar algumas incongruências.
 
Na divisa entre as Subprefeituras de Santo Amaro e Jabaquara, nota-se em cada lado da Avenida Mascote diferentes densidades de ocupação residencial. Essa situação exprime a falta de comunicação dentre as diversas instâncias administrativas da cidade.
 
Outra situação emblemática dessa descontinuidade entre os Planos Regionais Estratégicos é vista na divisa entre a Subprefeitura de Santo Amaro e Pinheiros: de um lado da avenida Santo Amaro é prevista uma operação urbana, enquanto do outro lado, nada aconteceria.
 
 
Há também casos de tecidos urbanos segmentados pela divisa entre duas instâncias.  Essa situação pode ser exemplificada na favela de Paraisópolis, que é dividida entre a Subprefeitura do Campo Limpo e do Butantã. Nesse local pode ser percebido um diferente tratamento previsto nos Planos Regionais. Para o Campo Limpo, a favela está inserida em uma ZEIS (Zona Especial de Interesse Social), enquanto que do outro lado da rua, o Butantã prevê que a área, de mesmo tecido urbano, seja uma zona de centralidade polar.
 
 
A Subprefeitura de Pinheiros prevê, em seu PRE, na região das avenidas Chucri Zaidan e Roque Petroni Júnior, uma área industrial, que não seria compatível com o real uso do solo na região (escritórios, shopping-centers, faculdades, lojas de decoração, etc.).
 
 
Quando se compara os PREs com o Plano Diretor Estratégico realizado pela prefeitura da cidade de São Paulo, percebe-se evidentes incongruências, como, na mesma área citada, a previsão de uma área industrial em recuperação localizada numa antiga zona industrial, já descaracterizada e valorizada.
 
 
 
Outro caso que pode ser citado é a incompatibilidade entre a lei e o que ocorre na realidade. No caso das regiões de proteção ambiental essa circunstância torna-se ainda mais grave. Um exemplo ocorre à beira da represa Guarapiranga, onde existem diversos loteamentos clandestinos irregulares, mas também condomínios reconhecidos pelas Subprefeitura da Capela do Socorro, que desrespeitam a legislação ambiental. São áreas pontuais em desacordo com o tecido urbano que as cerca.
 
 
 
No planejamento urbano da cidade os cronogramas são muitas vezes mal calculados, e o trabalho de realização, subestimado. Pode-se notar esse fato na implantação de “Corredores Verdes” pela prefeitura, cujos prazos previstos foram ultrapassados sem que nada ocorresse.
 
 
Mecanismo
O que observamos até aqui foram manifestações de uma cidade num visível estado de  funcionalidade deficiente. Os mecanismos de atuação do planejamento urbano demonstram aparente insuficiência e ineficiência. Poderia-se, em uma primeira análise, afirmar que este inexiste. Conseqüentemente, emerge a possibilidade de haver soluções que respondam a estes questionamentos, que quando aplicadas sanariam a cidade e, dentro dessa hipótese, teríamos uma máquina operante.
 
No entanto, ao situar esses acontecimentos dentro da perspectiva da acumulação entravada, como apresentada por Deák1, é possível apontar uma causa anterior àquelas imediatamente próximas aos problemas citados. O autor situa o Brasil num estágio intersticial entre a acumulação extensiva e intensiva, com uma sociedade de elite egressa do primeiro estágio impedindo, sob o risco de causar sua própria extinção, o ingresso no segundo, este favorável ao fortalecimento de uma burguesia detentora da produção. Num processo que teve início no final da década de 1970, e que percorre o Brasil ao longo do fim do último século e início do presente, organiza-se uma sociedade pautada numa ideologia que a impede de adentrar o estágio intensivo e restrita em sua capacidade de ter, em seu processo de acumulação, atributos essenciais de otimização e performance. Para haver esta organização às avessas é necessário planejamento, este com uma ação marcante para manter tudo como está, contradizendo assim a afirmação inicial que falta-se planejamento. Ele é existente, e age de maneira consciente e eficiente na reprodução desta ideologia.
 
O planejamento urbano paulistano, que é foco deste estudo, reafirmaria-se ao longo das duas últimas décadas de maneira a perpetuar este impedimento. Sua atuação deu-se de tal forma incapacitar os setores produtivos de deflagrar sua própria otimização. Se Deák observa este processo na expansão retraída da malha metroviária, que se afirma como obstáculo às necessidades da produtividade do trabalho, observa-se nos exemplos citados semelhantes métodos (e não “destinos”, dado a atuação consciente do método) empregados. Ter uma cidade desconexa em sua atividade e leitura, seja por parte de seu usuário ou do agente planejador, tem como conseqüência evitar qualquer forma de transformação social.
 
Proposta
Sob o risco de provocar a mesma estagnação que a ideologia combatida prega, não se deve considerar que qualquer medida a ser empregada está longe das ações do planejamento urbano. Considerando sua condição dialética, de simultaneidade entre causa e conseqüência, o planejamento urbano deve reafirmar-se de tal forma responder à ineficiência gerada, atuando a favor de sua capacidade de ‘desentravar’ os processos que restringem a otimização. Com isso apresentado, as propostas que seguem referem-se aos processos que geram as incongruências e deficiências descritas na etapa inicial. São sobretudo primeiras abordagens sobre o tema; hipóteses de resposta para aquilo que também é hipótese.
 
Para os cronogramas inatingíveis, apresentados pelas diversas instâncias do planejamento urbano municipal, deve-se ponderar onde está a restrição: encontra-se ela no plano temporal, da fixação de cronograma, tendo conseqüência a revisão desse, ou seria então fruto das limitações desejadas à execução do plano? Não somente uma revisão de data, encolhe-se ou elimina-se propostas para a cidade, sob o argumento que a cidade (e leia-se aqui sua administração) é incapaz de realizá-las. Mudanças de administração também poderiam ser apontadas como causas, porém a inexistência de um verdadeiro projeto para a cidade é algo anterior, quando poderia servir de base para qualquer administração se pautar. Na cidade que tem sua leitura incapacitada, desenvolvê-la pode possibilitar um plano coerente em sua plenitude e independente quanto a administração.
 
Processo semelhante encontram-se as incongruências entre o plano diretor estratégico (PDE) e os planos regionais estratégicos (PRE). O Plano Diretor apresenta uma visão de cidade que nem sempre condiz com as especificidades locais, ao mesmo tempo que os PREs muitas vezes ignoram as determinações do Plano Diretor do município. Tem-se um conjunto de ações que resultam dessa visão global deficitária. Tem-se hoje uma cidade em dezenas de subprefeituras, cada uma preocupada em elaborar um plano regional que de maneira fragmentada não se articula com o de subprefeituras limítrofes, muito menos com a instância municipal ou metropolitana.
 
Encontramos aqui o ponto-chave. No sentido contrário ao processo de descentralização da administração pública e do planejamento urbano, em aceleração desde a promulgação da Constituição de 1988, fortemente municipalista, elucida-se a necessidade do fortalecimento de instâncias superiores. Não somente das prefeituras em detrimento às subprefeituras, como também das regiões metropolitanas, das instâncias estaduais e federais. De fato, a criação das regiões metropolitanas em 1973 não tiveram praticamente nenhum efeito; para a administração pública este é hoje apenas um inerte termo.
 
Não se trata de ter um planejamento urbano centralizador e cego às realidades locais, mas sim um capaz de articular todas as regiões da cidade conforme um plano único e conseqüente. Com as metas asseguradas, seria nas subdivisões municipais o papel da delineação do diagnóstico e de possíveis planos de ação, porém a todo momento subordinada às metas e requisitos determinados na instância superior. É uma hierarquização que necessita da leitura feita pelas bases, porém capaz de atuar em toda sua abrangência.
 
Nem utópicos, nem de fácil e imediata aplicação, o cenário descrito simultaneamente depende e condiciona a formação de uma alternativa para o atual estado, o status quo, desta metrópole brasileira. O planejamento urbano deve estar pronto para atuar no momento que tal estado torna-se insustentável (sendo naturalmente melhor antes de atingir tal estágio); quando a política urbana em vigor, acompanhada de sua ideologia, se desestruturar e surgir a necessidade de recomposição da sociedade sob a ótica da acumulação intensiva.
 
 
 
Bibliografia
DEÁK, Csaba (1991) "Acumulação entravada no Brasil/ E a crise dos anos 80" Espaço & Debates 32:32-46, republicado in Deák, Csaba e Schiffer, Sueli (1999) O processo de urbanização no Brasil Edusp, São Paulo
DEÁK, Csaba (2001) "The Partido dos Trabalhadores in São Paulo" Soundings 18:41-52
MARICATO, Ermínia (2003) “Metrópole, legislação e desigualdade”. Estudos Avançados 17 (48), 2003
 
SEMPLA (2002) Plano Diretor 2002, São Paulo
1 "Acumulação entravada no Brasil/ E a crise dos anos 80", DEÁK (1991)
 
 
Problemas e incoerências no planejamento
urbano da cidade de São Paulo
 
 
 
 


AUP 272   Equipe 2

Claudia Bresciani
Flávia Toledo Ponzoni
Natália Carvalho Sampaio    
Pedro Kok                
Suellen Oliveira Maia        
 
 
 
 
Dezembro 2006