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Disciplina  AUP 823 Seminário de Integração, 2004, 2º sem.
Profs.       Csaba Deák, Nuno Fonseca
Aluno       Rosangela Maria dos Santos
Criada 05.1.22
MORFOLOGIA URBANA E CONFORTO TÉRMICO
Rosangela Maria dos Santos


O clima urbano e as modificações introduzidas pela urbanização


Dentre as transformações ambientais, provocadas pelo processo de urbanização, destacamos aqui as alterações nas condições climáticas, com ênfase no aumento da temperatura do ar e modificação no regime de ventos.
 
A modificação substancial na paisagem natural, a grande concentração de áreas construídas, parques industriais, adensamento populacional, pavimentação asfáltica, associados à concentração de poluentes, criam nas cidades um clima com especificidades tais que nos permite falar em clima urbano.
 
O processo de urbanização modifica o comportamento dos elementos do clima (temperatura, umidade, vento e precipitações), alterando com isso as condições de conforto térmico nas cidades.
 
Em decorrência do acréscimo de carga térmica, a temperaturas nas cidades é maior que na área rural circundante, ocorrendo o que se convencionou chamar “ilha de calor”.  
 
Varias pesquisas demonstram que a ilha de calor urbana, dentre outros fatores, tem uma forte relação com a morfologia urbana, esta entendida como a combinação das formas construídas com o relevo e a paisagem natural (geomorfologia), ou com a forma resultante da ocupação urbana (Villas Boas, 1986).
 
O aumento de temperatura nas cidades provoca uma redução da umidade relativa do ar. Isto se explica pelo aumento da pressão de vapor saturado, visto que, para maiores temperaturas o ponto de saturação é mais alto, diminuindo assim a umidade relativa.
 
A velocidade de deslocamento das massas de ar sobre a cidade também é menor  do que sobre a área rural. Isto se dá em função do incremento da rugosidade do solo, que modifica o movimento e a velocidade dos ventos, dando-lhes características próprias. Formada pela superfície das massas edificadas, a rugosidade nas cidades altera significativamente a forma de deslocamento das massas de ar, mudando o seu movimento natural – laminar (em lâmina), para um movimento turbilhonar, que se caracteriza por uma serie de fluxos ascendentes e descendentes, rotacionais ou não rotacionais que, se corretamente utilizado, se introduz no interior da massa edificada, aumentando as perdas de calor por convecção das superfícies da massa edificada com a atmosfera (Figuras 1 e 2).
 
 
 













 
 
 
 
 
 
 Figura 1 – Efeito da rugosidade sobre o perfil de velocidade dos ventos
 
 
 



Figura 2 - Modelo de fluxo de calor sobre edifícios (Fonte: Wise et alli in: Villas Boas, 1983)
 
A radiação solar no meio urbano é menor que no meio rural. Segundo Oliveira (1988:24), “os componentes da massa edificada atuam como horizontes “fabricados” que modificam a duração da exposição do sol desses espaços microclimaticos pela justaposição dos edifícios, os quais mascaram o sol em determinados períodos do dia ou do ano, provocando sombreamento no solo, sobre si mesmo, ou em outros edifícios”. Isto afetará sobretudo a duração de brilho do sol, de 5 a 15% menos no meio urbano em comparação com o entorno rural.
 
As radiações ultravioleta têm uma redução de 30% no inverno e 5% no verão em relação ao entorno rural. Isto se dá em função da maior quantidade de nuvens e nevoeiros presentes na atmosfera urbana, dificultando a penetração desses raios de menor comprimento de onda.
 
A quantidade de radiação solar absorvida pela cidade é que vai determinar o seu efeito sobre o clima urbano. Esta depende da capacidade de absorção e retenção dos materiais das edificações e dos tipos de revestimento do solo e da duração da exposição do sol (Oliveira, 1988:33).
 
A radiação proveniente da ação antropogênica (atividades industriais, o trânsito, o próprio calor metabólico do homem, os sistemas de condicionamento mecânico, a queima de combustível etc.) é um dado importante a ser considerado na presença da radiação térmica do clima urbano. “A radiação térmica produzida por atividades antropogênicas ultrapassa o balanço médio de radiação” Oliveira (1988:32).
 
Nas cidades as altas temperaturas alcançadas pelas superfícies mais absorventes dão lugar ao movimento de ar ascendente, que junto ao aumento de poluentes, provoca um aumento de precipitações.
 
Essas precipitações, em contato com os poluentes aéreos, poderão gerar chuvas ácidas sobre a cidade, corroendo os materiais constitutivos da massa edificada, fazendo mal à vida ali existente, poluindo os cursos d’água a serem canalizados.
 
As chuvas violentas estão associadas aos efeitos provocados pela impermeabilização de superfície do solo urbano, junto aos efeitos provocados pela rede de drenagem e escoamento das águas pluviais.
 
Na busca de instrumentos que minimizem os efeitos da urbanização sobre os principais elementos do clima, e consequentemente, sobre a qualidade térmica dos espaços, várias pesquisas vêm sendo conduzidas no Brasil. Apesar de ainda escasso, nota-se um maior interesse pelo assunto nos últimos anos, com um número maior de pesquisas. 
 
Monteiro (1976), buscando avaliar o papel da urbanização na criação de um ambiente climático diferenciado daquele regional, elabora um modelo teórico para a investigação do clima urbano. Em seu modelo teórico, Monteiro desenvolve uma metodologia de análise em que  considera o clima urbano como um sistema (Sistema Clima Urbano - S.C.U.), composto de subsistemas, que se articulam segundo canais de percepção.
 
Villas Boas (1979), com base em pesquisa experimental em túnel de vento ambiental, desenvolveu  princípios de desenho para a obtenção de condições de conforto térmico e de qualidade do ar nos espaços exteriores urbanos, a partir de critérios de ventilação.
 
Lombardo (1988), utilizando-se de imagens de satélite, infravermelhas, levantamentos de campo e técnicas para análise do uso do solo, realizou estudos sobre a ilha de calor na grande São Paulo, constatando uma estreita correlação entre o uso do solo e a distribuição das temperaturas dentro das estruturas urbanas, configurando a ilha de calor com suas diferentes intensidades.
 
Oliveira (1988), com base em critérios gerais de conforto e salubridade para climas quente-úmido, quente-seco e frio, elaborou uma série de recomendações para o planejamento e o desenho urbano, a partir das características da forma urbana condicionantes do clima urbano, identificadas como sendo a rugosidade, porosidade, densidade de construção, tamanho-dimensão vertical e horizontal das edificações, ocupação do solo, orientação ao sol e aos ventos, permeabilidade do solo e propriedades termodinâmicas dos materiais constituintes, e que atuam associadas ás características do solo/paisagem (geomorfologia do solo).
 
Num estudo que objetiva o entendimento da origem das chuvas e seus impactos físico ambientais na cidade de Belo Horizonte, Ferreira (1996) evidencia o processo de aquecimento na atmosfera da cidade, com a elevação da temperatura média - até 1950 era inferior a 220 C e na década de 90 já supera os 230C - e o crescimento da concentração de poluentes.
 
Vidal (1991), em Natal, Nascimento (1995), em Belém, Assis (1990) e Santos (1999), em Belo Horizonte, analisaram a influência da morfologia urbana na distribuição espacial da temperatura no centro urbano.
 
Silva (1999), buscando uma metodologia que permita observar as condições de ventilação natural urbana, tanto externas, quanto internas às edificações, desenvolveu estudos em túnel de vento ambiental para avaliar as ações do vento em uma área urbana de João Pessoa, na Paraíba, região nordeste do Brasil, caracterizada pelo clima quente e úmido.
 
Assis (2000), desenvolveu um método de simulação física em modelo reduzido de áreas urbanas com boa capacidade de representar o fenômeno de troca térmica ligado à ocorrência da ilha de calor, que possa ser utilizado no planejamento e projetos urbanos. Usando uma área urbana da cidade de Belo Horizonte, MG, como estudo de caso, aplicou os conceitos de “envelope solar” e “envelope de iluminação” para o controle da densidade de ocupação do solo urbano e volumetria das edificações, com o intuito de preservar as condições de acessibilidade aos recursos de insolação e iluminação natural.

Morfologia urbana e  “ilhas de calor urbana”:

  Os estudos sobre a ilha de calor nas cidades e sua intensidade verificam que esta não apresenta uma forma muito simples. As consideráveis variações intraurbanas fazem com que os elementos do clima  tenham um comportamento bastante diferenciado no interior de suas estruturas, caracterizando a cidade como uma coleção de microclimas. Assim, os dados climáticos se apresentam de forma bastante variada dentro da própria malha urbana, de acordo com as diversas formas de uso e ocupação do solo, ou melhor, de acordo com os atributos da morfologia urbana. Estes atributos correspondem tanto a forma urbana como um todo, quanto a arranjos morfológicos, além das características termodinâmicas dos materiais constituintes dessas morfologias.
 
Uma importante distinção nas escalas de investigação do clima urbano tem sido dada por Oke (1976, in Lee, s/ data), que define para a zona das camadas inferiores da atmosfera, tipicamente abaixo dos 300m (em que o homem desenvolve as suas construções), a  “camada de cobertura urbana” (urban canopy layer) e a “camada limite urbana” (urban boundary layer). Essa distinção permite fazer uma diferenciação entre os processos que ocorrem na microescala, que se estende desde o solo até aproximadamente o nível médio das coberturas das edificações,  que corresponde à Camada de Cobertura Urbana, e aqueles na mesoescala, que corresponde à Camada Limite Urbana, geralmente acima da altura das edificações, sendo que as características da malha urbana são fundamentais na determinação destas.  (Figura 3)



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Figura 3- Camada Limite Urbana e Camada de Cobertura Urbana (Fonte: Lowry, 1988, in: Vidal,1991))


Oke (1981, in: Assis, 1990; Vidal, 1991; Monteiro, 1990; Lee, s/ data), destaca, dentro da Camada de Cobertura Urbana, o que vem sendo designado como “Fator de Visão do céu” (Sky View Factor), importante na entrada de energia (insolação) no sistema,  e que é definido pela fração do hemisfério ocupado pelo céu, correspondendo ao ângulo formado por duas retas procedentes do centro da rua em direção ao ponto mais alto das paredes dos edifícios adjacentes. As figuras 4 e 5 ilustram essa relação.

 
Segundo Oke (1981, in: Assis 1990), a intensidade da radiação de onda longa e a capacidade de armazenamento de calor nas superfícies são efetivamente as variáveis que determinam as diferenças no balanço de energia e nas taxas de resfriamento entre os meios urbano e rural. Dentro deste contexto, Assis (1990) conclui que, “a geometria da malha urbana, avaliada pelo “Fator de Visão do Céu” (Sky View Factor), e as propriedades térmicas das superfícies, vão aparecer como as propriedades mais relevantes”.
 



Figura 4 – Fator de Visão do Céu (Sky View Factor) Fonte: Lowry, 1988, in: Vidal, 1991

















Figura 5 – Fator de visão do céu – Praça Sete - Belo Horizonte - MG.  Utilizando uma maquina fotográfica com lente especial (olho de peixe), voltada verticalmente para o céu exatamente sobre o ponto de mensuração, é possível registrar num circulo a expressão visual do céu acima do ponto, definindo o índice de “obstrução do céu”, que vem sendo designado como “Sky View Factor”,  (Santos, 1999).


  
Características da forma urbana condicionantes do clima urbano
 
As características morfológicas (características do solo/paisagem) do sítio já o predispõe a um determinado desempenho térmico. Pequenas diferenças de conformação no terreno podem criar modificações notoriamente grandes no microclima. Ocupações de fundo de vale, encosta, planície etc. são condicionantes climáticas que acarretam diferentes alterações nas variáveis do clima.
 
Sobre as encostas inclinadas que conformam o vale se apresentam uma série de pequenas circulações de ar que mescladas com o ar quente vizinho causam condições de temperatura intermediária. Como conseqüência, as temperaturas do fundo do vale serão mais baixas, enquanto que os lados das encostas, na parte superior, permanecerão mais quentes (Olgyay, 1968).
 
As demais condicionantes que alteram as características do clima de uma dada região são as relações concernentes ao ambiente construído. Oliveira (1988), com base em critérios gerais de conforto e salubridade, analisou as alterações climáticas a partir das características da forma urbana, identificadas pela conformação espacial, rugosidade, porosidade, densidade de construção, o tamanho, o uso e ocupação do solo, a orientação, a permeabilidade do solo urbano, as propriedades termodinâmicas dos materiais  e as áreas verdes.
 
A Conformação Espacial é representada pelo espaçamento, disposição, altura, largura, e profundidade da massa edificada, acrescidos dos aspectos geomorfológicos (solo e paisagem natural).
 
A Orientação refere-se ao posicionamento apropriado da forma urbana frente aos caminhos aparentes do sol, aos ventos e a elementos naturais ou não, contudo significativos – o mar, uma encosta de montanha, um grande rochedo, um lago artificial etc. - seja para expor-se ou para abrigar-se, periódica ou permanentemente, aos e dos efeitos produzidos por esses elementos” (Oliveira,1988).

 

A rugosidade e a porosidade são características morfológicas que determinam o desempenho da estrutura urbana em relação a um maior ou menor aproveitamento dos ventos.
 
A rugosidade é relação que combina a porosidade com variação nas alturas das edificações. “Quanto mais próximos os elementos da massa edificada, maiores os obstáculos à penetração dos ventos. Quanto maiores os contrastes entre as alturas dos elementos da massa edificada, maior o turbilhonamento dos ventos; melhor ventilação se combinada com porosidade; maior a velocidade dos ventos em parte da massa edificada próxima dos volumes mais altos; e maiores as trocas térmicas com o ambiente atmosférico, ocasionando menores ganhos térmicos, consequentemente, menores temperaturas do ar”  (Oliveira,1988).
 
Enquanto o espaçamento e as alturas relativas da massa edificada é uma relação concernente à rugosidade, sendo caracterizado a partir do volume e geometria da massa urbana, a porosidade, que é representada pela maior ou menor permeabilidade de uma estrutura urbana à passagem dos ventos e expressa através da relação entre espaços abertos e espaços confinados, é  definida a partir da estrutura de parcelamento, índice de ocupação, existência de espaços vazios e  largura das vias.
 
A Densidade de Construção é representada pelo índice de ocupação. Às mais altas densidades correspondem as mais altas temperaturas. É o que verificou Lombardo (1985) em sua pesquisa em São Paulo, onde observou  que os mais altos valores de temperatura estão relacionados às mais altas densidades de população, onde se encontram mais de trezentos habitantes por hectare. É nas áreas do centro da cidade, em áreas industriais e bairros operários com alto coeficiente de ocupação dos lotes na grande São Paulo onde Lombardo verificou os maiores gradientes de temperatura.
 
Com relação à Ocupação do Solo, Lombardo (1985) constatou uma estreita correlação entre uso do solo e a distribuição das temperaturas dentro das estruturas urbanas. A localização de atividades, tais como, indústrias, comércio e serviços, normalmente significa a concentração de edificações e pessoas.

A Permeabilidade do Solo Urbano é representada pela relação entre as áreas construídas e pavimentadas com áreas livres de construção. Tanto a impermeabilização do solo, como a drenagem e escoamento das águas pluviais através de sistemas de esgotos, vias pavimentadas e telhados provocam a redução da umidade do ar e da evaporação, em virtude da baixa absorção das águas pluviais pelo solo e da pouca vegetação; a radiação térmica acumulada, não dispersa pela evaporação, aumenta o aquecimento dos espaços , massas edificadas e pessoas; as altas temperaturas alcançadas pelas áreas mais impermeabilizadas provocam baixa pressão atmosférica, gerando a concentração de massas úmidas (provenientes da região atmosférica do entorno urbano) e carreando precipitações sobre estas áreas, inundações e desabamentos nas áreas  mais impermeabilizadas, quando das chuvas mais intensas, com os conseqüentes prejuízos sociais  (Lombardo,1995:33).

As Propriedades termodinâmicas dos materiais se relacionam principalmente à capacidade de absorção e reflexão dos diversos materiais em relação à luz e ao calor e dependem diretamente de suas propriedades físicas, como densidade, textura e cor. As mais altas temperaturas no meio urbano ocorrem onde é maior a incidência do concreto, cimento e pavimentação asfáltica, o que coincide com as áreas mais densamente construídas.
 
As massas edificadas e as superfícies pavimentadas da estrutura urbana contribuem para o aumento das temperaturas no meio urbano, através das propriedades físicas dos materiais de superfície, as quais são expressas pelo albedo, absorção e emissividade, calor especifico, capacidade térmica e condutividade térmica. O albedo  representa a relação entre a radiação de ondas curtas refletida e a radiação incidente, constituindo-se numa propriedade importante, uma vez que determina a taxa relativa de calor na superfície quando exposta à insolação .
 
Os coeficientes de emissão e absorção dos materiais, para um dado comprimento de onda e uma dada temperatura são quase sempre os mesmos, o que eqüivale dizer que para um mesmo comprimento de onda, todo corpo com boa capacidade de absorção é bom radiador.
 
Observando o fluxo de calor próximo à superfície do solo para diferentes tipos de pavimentos (asfalto, concreto e solo nu), Asaeda et alli (1993) demonstraram a importância da pavimentação do solo na alteração da temperatura do ar. Baseando-se em modelo de camadas paralelas na atmosfera e indicando a maior radiação infravermelha absorvida entre os limites de 200m da camada atmosférica, a análise demonstra que os pavimentos em concreto estocam substancial calor durante o dia, conservando a temperatura na superfície alta durante toda a noite, contribuindo para o aquecimento da atmosfera, sendo essa contribuição efetivamente menor que a proporcionada pela superfície de asfalto e mais que a observada em uma superfície de solo nu.
Apesar de uma grande porção da radiação solar incidente no solo nu ser absorvida, sua superfície é menos aquecida que as de concreto, e bem menos que as superfícies de asfalto durante o período de aquecimento. Segundo os autores, isto pode ser explicado pelo fato que uma grande porção da radiação solar absorvida pelo solo nu é usada na evaporação da água estocada neste.  Durante o período de aquecimento o calor estocado na superfície do solo nu é próximo ao calor estocado na superfície de concreto. Entretanto a temperatura na superfície do solo nu decresce mais rapidamente que em uma superfície de concreto durante o período de resfriamento, principalmente nos primeiros momentos de redução da radiação solar, resfriando o ar ambiente. Isso pode ser explicado pela baixa condutividade térmica do solo nu, impedindo que suas camadas mais profundas sejam aquecidas. Além disso, a evaporação acontece não somente na superfície do solo, mas ainda no interior deste, que ao ser transferida das camadas mais profundas até a superfície, libera vapor d’água na atmosfera, realizando com esta troca de calor sensível e latente.
 
A importância das áreas verdes tem sido demonstrada em várias pesquisas. Em estudo que visa observar o efeito potencial da vegetação no ambiente térmico urbano, e utilizando modelo de simulação, Avissar (1994) demonstra que a vegetação pode afetar substancialmente o comportamento dos ventos, temperatura, umidade e o regime de precipitações nas áreas urbanas, podendo, quando utilizada no planejamento urbano, minimizar alguns dos efeitos antropogênicos gerados pelo desenvolvimento destas áreas.
 
Lombardo (1985), confirmando o que outras pesquisas já haviam verificado anteriormente, mostrou que “nas regiões com maior concentração de espaços livres, com vegetação e nas proximidades ou junto aos reservatórios d’água, as temperaturas sofrem declínios acentuados”.
 
Além do sombreamento das superfícies, auxiliando no controle da radiação solar, a vegetação contribui de forma significativa ao estabelecimento dos microclimas. “O próprio processo de fotossintese auxilia na umidificação do ar através do vapor d’água que libera” (Romero, 1988:97).
 
Izard & Guyot (1980) afirmam que um hectare de bosque (10.000 m2) pode produzir por evapotranspiração cerca de 5.000 toneladas de água por ano. O autor ressalta ainda que, no meio urbano, o consumo de calor latente para a evapotranspiração permite obter também um decréscimo significativo da temperatura ambiente.


Os ventos e a forma urbana


A busca pelo controle pelo controle do meio físico e a criação de condições favoráveis ao desenvolvimento dos objetivos e atividades humanas é tão antigo quanto o próprio homem (Olgyay, 1968). As preocupações ligadas aos efeitos do vento sobre os edifícios, por exemplo, há muito são levadas em conta, como pode ser visto em plantas de antigas cidades no antigo Egito. (Figura 6)
 
Leonardo Da Vinci  (1452-1519) chegou a representar, fig. 7, com alguma realidade física, o escoamento  em torno de obstáculo claramente associável a um edifício alto e isolado (Saraiva, 1994 in: Silva, 1999).
 
 

 
 
  Figura 6-   (a) Esboço do layout de casas em Kahun, Egito, por volta de 2000 a.C.;
                (b) Esboço de um plano de cidade espanhol para Buenos Aires nos tempos coloniais  
 
 

 
Figura 7 – Formação de vórtices em zonas de separação, segundo Leonardo da Vinci (Fonte: Silva,1999)
 
 
Nos anos 60 e 70 vários autores preocuparam-se em evidenciar a questão bioclimatica ligada à produção do habitat. Por esta época, um número significativo de experimentos em túnel de vento procurou estudar a circulação dos ventos em torno dos edifícios, e observou que o tamanho, forma e dimensões dos edifícios, tipo e caimento do telhado e platibanda interferem no comportamento destes. Estes estudos são encontrados em Evans, 1972;  Penwarden, 1973; Givoni, 1968 e 1969; Villas Boas, 1979, Robins et alli, 1977. Uma melhor descrição destes estudos é encontrada em Villas Boas, 1983.
 
 Limitando-se às edificações isoladas ou grupos de edifícios, estes estudos traduzem, basicamente, as inter-relações entre o vento e as construções (os efeitos dos ventos em torno dos edifícios). Nas cidades os obstáculos ao fluxo de vento são formas mais complexas (edifícios, arvores, arbustos, etc.) e o vento sopra em pulsações com variações constantes de direção. O modelo de deslocamento das massas de ar pelo efeito do vento no interior do tecido urbano é, pois, uma combinação de uma serie de fluxos ascendentes e descendentes, rotacionais e não rotacionais, de difícil explicação e reprodução.  O simples conhecimento deste modelo em determinada porção da cidade é insuficiente para sua generalização para o território urbano e, além do mais, o seu levantamento e descrição é extremamente oneroso.
 
A importância dos ventos e seus efeitos sobre as condições de conforto térmico e qualidade do ar se diferencia de acordo com as condições climáticas. Nas regiões de clima quente-úmido, além de importante para a qualidade do ar, os ventos são determinantes para os níveis de conforto térmico, acelerando as trocas térmicas por convecção e a perda de calor por evaporação, prevenindo o desconforto da pele úmida. A ventilação, principalmente a noturna, é a estratégia mais efetiva de resfriamento da massa construída. Se corretamente utilizada, se introduz no interior no interior da massa edificada, aumentando as perdas de calor por convecção da massa edificada com a atmosfera.
 
Nos climas ou frias e os quente-árido, com temperatura acima de 380 C, os ventos, embora necessários e importantes para a renovação e dispersão dos poluentes, são indesejáveis do ponto de vista do conforto térmico. Nesses casos, a maior preocupação está na concentração de poluentes e nas grandes pressões de vento, principalmente nos centros das grandes cidades, onde se encontram, nas proximidades de edifícios altos, velocidades de rajada que causam desconforto e até mesmo segurança para os transeuntes.
 
Villas Boas (1979), a partir de estudos com  modelos em túnel de vento ambiental, com o propósito de analisar  as condições de conforto térmico e diluição de poluentes nas proximidades e dentro de um conjunto de modelos, demonstrou que: “(1) os espaços limitados por estruturas porosas estão sujeitos a melhores condições de conforto térmico (para regiões quentes) e qualidade do ar do que quando estão limitados por estruturas opacas (não porosas), se as fontes de poluição, a nível baixo, estão localizadas dentro dos espaços, sendo que o inverso é verdadeiro quando os poluentes são liberados fora dos espaços; (2) as estruturas porosas são muito mais efetivas do que as estruturas opacas no sentido de favorecer a ventilação cruzada nas estruturas a sotavento, quando elas têm a mesma altura, e estão distantes umas das outras em até 6 vezes suas alturas e (3) um aumento na altura das estruturas que formam um espaço fechado pode aumentar a acumulação de poluentes ao nível do solo quando as fontes se situam dentro do espaço e os tetos têm a mesma altura, ao passo que a presença de volumes mais altos a sotavento pode desviar o fluxo de vento para baixo e melhorar as condições de conforto térmico e de qualidade do ar”  (Figura 8).




Figura 8 – Condições desejáveis para a obtenção de conforto térmico e qualidade do ar (Fonte: Villas Boas, 1978)
 
A colaboração e a integração de diferentes áreas do conhecimento, como a geografia física e climatologia urbana, assim como o desenvolvimento de ferramentas computacionais contribuiu para uma melhor compreensão do ambiente atmosférico urbano. Desenvolvidos em paises de média latitude, de clima temperado, ou em regiões de clima quente-seco, a maioria das pesquisas atuais buscam o conhecimento do padrão do fluxo de ar nos canyons urbanos. (Figura 9)
 

 
Figura 9 - Um canyon urbano é uma forma de disposição espacial das edificações quando estas estão enfileiradas ao longo de ambos os lados de uma rua. Trata-se de um conjunto de superfícies que determinam um volume de ar em seu interior, sendo limitado pelas paredes das edificações e pelo solo e aberto nas extremidades laterais e superior. Tais superfícies se repetem dentro da cidade e em alguns locais (em geral na área central) podem mesmo ser predominantes
 
Silva (1999), em pesquisa realizada na cidade de João Pessoa, observou, utilizando o tunel aerodinâmico como instrumento de avaliação, as modificações nos padrões de vento local, decorrentes da inserção de edificações. Partindo de uma ocupação atual do solo, o autor foi inserindo e escalonando as edificações, de acordo com o permitido pela lei de uso (figura 10). Conclui, de uma maneira geral, que as massas, resultantes do conjunto de edificações, “constituem-se numa variável determinante, não só do grau de armazenamento térmico resultante das horas de insolação recebidas pelas superfícies por elas criadas, da obstrução ou possibilidades de visão da nova paisagem, da distribuição das densidades, da qualidade e do equilíbrio estético do conjunto mas, principalmente dos padrões de escoamentos e de ventilação externa e interna dos edifícios.
 
Para a área estudada, Silva observou a fragilidade de seu planejamento em termos de vento e conclui que “a decisão por um padrão de ocupação do solo implica não somente a consideração de vários sistemas que nele interferem, mas inclui, nomeada e necessariamente, por cada caso determinar exigências e tratamentos diferenciados, o conhecimento dos padrões de escoamentos locais.

  (a)
(a)

 
  (b)

Figura 10 – Perspectiva e desenho das figuras de erosão realizado por Silva (1999) em túnel aerodinâmico. A figura (a) corresponde ao ensaio dois, que considerou a ocupação atual da área. A figura (b) corresponde ao ensaio dez, onde foram feitas alterações na área, considerando as exigências do código de obras local.
 
 
 Conclusão

 
Ainda que as edificações isoladas e agrupadas dentro dos assentamentos humanos datem de épocas mais primitivas, pode-se atribuir ao movimento moderno a contribuição ativa da fundamentação teórica desta visão, na qual, ao estimular o estabelecimento de uma justaposição entre volumes construídos e espaços livres lhe deu uma particular interpretação das formas ótimas de conseguir esse balanço, segundo o qual os edifícios deveriam ficar o mais distanciados entre si.
 
Nascida em climas temperados, a nova formulação teórica se estendeu aos climas quentes e úmidos sem uma avaliação mais profunda, nem tampouco estas idéias tem sido cuidadosamente comparadas com os esquemas compactos que viriam substituir, esquemas estes que, em seus planos urbanísticos e loteamentos ignoram quaisquer dos princípios que conduzem à uma boa orientação. Isto tem levado muitas vezes a uma impossibilidade na obtenção de certas qualidades dos edifícios, independente de uma correta orientação.
 
O desenho físico, da escala do edifício à metrópole, pode ter fortes repercussões nas condições climáticas locais, sendo, portanto, da maior importância para a minimização de tais repercussões, a configuração geométrica dos edifícios, as propriedades dos materiais de construção, as cores das superfícies exteriores, a extensão e a densidade da área construída; as condições de sombra nas ruas e estacionamentos e a distribuição das áreas verdes.
 
A orientação e disposição dos edifícios nas cidades estão subordinadas ao traçado urbano. Este traçado, resultado de múltiplas condicionantes, deverá considerar os aspectos climáticos, para que não comprometa a arquitetura da cidade ou mesmo a saúde e bem estar de seus ocupantes. Daí a grande importância do planejamento das cidades no estabelecimento de parâmetros adequados de verticalização e ocupação do solo, assim como distribuição adequada das áreas verdes e adequado uso dos materiais.
 


 

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VIDAL, Roseane Dias de Medeiros. Influência da Morfologia Urbana nas Alterações da Temperatura do Ar na Cidade do Natal. Brasília, Universidade de Brasília: Instituto de Arquitetura e Urbanismo (UnB/IAU), 1991. (Dissertação de Mestrado em Planejamento Urbano).


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_________________.  Considerações sobre urbanização e meio ambiente físico. Módulo de Ensino 2 . Curso de especialização sobre controle de ambiente em arquitetura, Brasília, CAPES-MEC, 1983.

 


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