São Paulo, quinta-feira, 24 de
abril de 2008 
PAULO NOGUEIRA
BATISTA JR.
Juros e inflação
Os juros mais altos aumentam o custo da dívida
pública, concentram renda
e agravam a exagerada valorização do real
PEÇO AO leitor licença para voltar ao tema dos juros e
publicar hoje um artigo um pouco mais técnico. Há uma
razão para mudar o
registro. É que os defensores dos juros altos costumam se
refugiar no argumento
de que é deles o monopólio do saber técnico. Os
críticos da política monetária
seriam economistas desencaminhados ou pessoas politicamente motivadas
-"populistas", em suma, que não conhecem a importância do
combate à
inflação e o papel dos juros.
Vamos reconhecer, primeiramente, a parte de verdade que
existe nesse argumento. Qualquer banco central que se preze deve se
preocupar
com a inflação, especialmente em países com
passado monetário tenebroso, como o
Brasil. E a taxa básica de juro é o principal instrumento
de que dispõe o banco
central para controlar a inflação. Com um regime de
câmbio flutuante, o aumento
dos juros reduz a inflação basicamente por dois canais:
a) via desaceleração da
demanda interna; e b) via apreciação cambial. Há
uma terceira via de
influência, mais incerta ou especulativa, que é o efeito
sobre expectativas.
Ao desacelerar a demanda interna, o aumento dos juros
reduz a pressão sobre os preços dos "non-tradeables",
isto é, dos
bens e serviços que são determinados domesticamente pela
interação entre oferta
e demanda. Ao provocar apreciação cambial, juros mais
altos diminuem os preços
dos "tradeables", isto é, dos bens e serviços importados
ou
exportáveis, cujos preços em reais refletem
essencialmente os preços
internacionais e a taxa de câmbio.
Além disso, se o banco central dispõe de
boas
credenciais antiinflacionárias, o aumento do juros levaria os
agentes econômicos
a adaptar rapidamente a sua política de preços a uma
menor inflação esperada. A
rápida reversão das expectativas tornaria o
remédio praticamente indolor -os
preços e a taxa de inflação se ajustariam à
taxa de juro com pouco efeito sobre
as quantidades, isto é, sobre o produto real e o emprego. Isso
num mundo ideal.
A experiência sugere que a política monetária
indolor é uma quimera acadêmica.
Em outras palavras, juros mais elevados costumam cobrar o
seu preço em termos
de crescimento da economia e desemprego. Normalmente, o efeito
antiinflacionário se faz sentir quando ocorre a
redução da demanda interna,
deprimindo as vendas e a produção. Ou seja: as
quantidades se ajustam antes dos
preços. Enquanto isso, o efeito antiinflacionário da
apreciação cambial
induzida pelos juros mais altos se traduz em perda de competitividade
dos
setores que exportam e dos que competem com importações
no mercado interno. O
produto e o emprego acabam prejudicados pela contração da
demanda, pela perda
de dinamismo das exportações e pela
substituição de produção doméstica
por
importações.
A subida dos juros atinge não só o consumo
mas também o
investimento privado, componente da demanda que cria capacidade
produtiva e,
portanto, oferta no futuro. Ao diminuir a oferta, a política
monetária apertada
solapa a sustentabilidade da expansão econômica e o
produto potencial, isto é,
reduz a taxa de crescimento compatível com controle da
inflação e uma posição
sustentável de balanço de pagamentos. Infelizmente, os
problemas não param por
aí. Os juros mais altos elevam o custo da dívida interna
e desajustam as contas
governamentais.
Concentram a renda, pois beneficiam a minoria de
privilegiados (brasileiros e estrangeiros) que são credores
diretos e indiretos
do governo. E, como se isso tudo não bastasse, contribuem para
agravar a
valorização do real, ameaçando recriar o problema
da vulnerabilidade externa no
médio prazo.
Paulo
Nogueira Batista Jr. , 53,
escreve às
quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um
grupo de
nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti,
Panamá, República
Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).
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