PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Defender
a causa nacional em um país como o Brasil sempre foi tarefa ingrata,
que não dá futuro para ninguém. Da esquerda à
direita do espectro político, passando por todos os principais partidos,
o entreguismo, mais ou menos explícito, mais ou menos descarado,
sempre encontra inúmeros e poderosos defensores. Para esses, o Brasil
é uma mera figura de retórica, a ser acionada em época
de eleição ou Copa do Mundo.
É claro que poucos, muito poucos podem competir nesse terreno com
o atual presidente da República. Desde os seus tempos de sociólogo,
Fernando Henrique Cardoso sempre tratou com desenvoltura o tema da dependência.
Nos anos 60, consagrou-se como um dos formu-ladores da chamada Teoria da
Dependência.
Mas é como político e presidente da República que
FHC vem imprimindo a sua marca no campo da dependência externa. As
suas políticas de desnacionalização da economia são
de deixar ruborizados os políticos tradicionais, mais acostumados
a limitar ou pelo menos disfarçar a subordinação aospoderes
internacionais.
Acontece que na era da "globalização" a entrega do patrimônio
público e a venda das empresas nacionais ganharam um impulso realmente
extraordinário no Brasil. O entreguis-mo, que antes se esgueirava
pelas esquinas e nunca se assumia totalmente, agora se apresenta de peito
aberto, com coragem sempre renovada. Reivindica até mesmo a condição
de arauto da modernidade e do futuro.
Não há, afinal, muita surpresa nisso. "Tief ist der Brunnen
der Vergangenheit" ("profundo é o poço |
do
passado” ), dizia Thomas Mann. O passado colonial deixou pesada herança.
De qualquer maneira, é cômico ver o velho e surrado entreguismo
brasileiro apresentar-se, com a maior cara-de-pau, como o "dernier cri"
em matéria de modernidade.
O que está ocorrendo em matéria de desnacionalização
da economia nos últimos anos mereceria maior preocupação,
investigação e debate. Peço a paciência do leitor
para mencionar alguns números divulgados recentemente.
A revista "Exame" apresenta anualmente um levantamento das maiores empresas
do país. A edição deste ano, lançada agora
em julho com dados para o ano de 1997, trouxe novas evidências sobre
o avanço das firmas estrangeiras na economia do Brasil. Em 1993,
a relação das 500 maiores empresas privadas não financeiras
incluía 143 de capital estrangeiro. No ano passado, esse número
subiu para 170.
A participação das estrangeiras nas vendas totais das 500
maiores empresas privadas e das 50 maiores estatais aumentou de 28,5% em
1985 para 31% em 1990 e 36,3% em 1997. De 1996 para 1997, a presença
do capital estrangeiro cresceu de modo significativo em 12 dos 21 setores
analisados no levantamento da "Exame".
Firmas no exterior dominam amplamente setores corno a au-toindústria,
higiene e limpeza, computação e farmacêutica, nos quais
respondem por 80% ou mais das vendas das maiores empresas. Predominam também
nos setores de alimentos, plásticos e borracha, com cerca de 60%
das vendas, e detêm ainda participações na faixa de
40% a 50% nas indústrias mecânica e eletroeletrônica. |
Por
que é relevante essa preocupação com a nacionalidade
das empresas? Há várias razões, mas a principal delas
está no fato de que o aumento do peso do capital estrangeiro implica
a transferência para o exterior dos centros de decisão empresarial.
Decisões estratégicas das empresas que operam no Brasil serão
tomadas, cada vez mais, nos países de origem dos grupos estrangeiros,
quase sempre nações desenvolvidas. Atividades cruciais como
pesquisa, desenvolvimento tecnológico e formação de
recursos humanos de alto nível se farão com mais freqüência
fora do país, mesmo em áreas nas quais o Brasil vinha acumulando
experiência e realizações.
Em 1998, o processo de desnacionalização continuou e vem
atingindo fortemente muitos setores, inclusive o bancário. A venda
de 40% do capital votante do Real a um grande banco holandês alarmou
os banqueiros nacionais, suscitando inclusive reações inusitadas
da presidência da Febraban.
Em breve, teremos a desnacionalização do setor de telecomunicações,
com a venda a empresas estrangeiras de boa parte do Sistema Telebrás.
Já desnacio-nalizaram até a seleção brasileira
de futebol, que ficou à mercê das injunções
de patrocinadores estrangeiros.
Recentemente, o presidente da República declarou em entrevista à
televisão que, caso não fosse reeleito, escreveria um livro
sobre a sua experiência. Se é assim, já podemos sugerir
um título: "Dependência: da Teoria à Prática".
E-mail:
pnbjr@ibm.net
?Dados
desnacionalização 1991-9
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