......2002.01.16
.Mercado, Estado e ideologia

.......O Grupo Carlyle
Dito
Folha de S Paulo, 02.01.16: B 8
.Na Ásia
.Nos EEUU
.O Grupo Carlyle

Crise asiática e Enron têm origem comum
PAUL KRUGMAN

Na Ásia

Quatro anos atrás, enquanto a Ásia enfrentava sua crise econômica, muitos observadores imputavam a culpa ao "capitalismo de compadres" praticado por lá. Os ricos empresários da Ásia não se incomodavam em contar aos investidores a verdade sobre seus ativos, passivos ou lucros. A aura de invencibilidade que surgia de suas conexões políticas era o bastante. Só quando surgiu uma crise financeira as pessoas passaram a observar com atenção os negócios que eles dirigiam, e o colapso não tardou.

Nos EEUU

Será que isso soa familiar?

À primeira vista, a tempestade política com respeito à Enron é intrigante. Afinal, o governo Bush não salvou a empresa da falência. Por que George W. Bush fez a absurda alegação de que o executivo-chefe da Enron, Kenneth Lay, se opôs a ele em sua primeira eleição para o governo do Texas e que os dois vieram a se conhecer melhor apenas depois da disputa? E por que a imprensa está agindo como se houvesse um grande escândalo por estourar?

Porque o governo teme, e a imprensa suspeita, que as mais recentes revelações sobre a Enron terminarão por lançar luz sobre o capitalismo de compadres ao estilo norte-americano.

Não que esse estilo de capitalismo seja novidade no país. O governo Clinton nos levou à beira de uma guerra comercial em benefício da Bananas Chiquita, que contribuiu pesadamente para a sua campanha eleitoral. Mas o governo Bush, com seu sentimento de que tem direito ao poder, parece despreocupado até mesmo diante dos mais gritantes conflitos de interesse, como o plano de Marc Racicot, o novo presidente do Comitê Nacional do Partido Republicano, de continuar empregado como profissional de lobby e ganhando milhões de dólares ao ano. (Ele agora diz que não participará de projetos de lobby em pessoa, mas continuará a receber o salário.)

As questões reais quanto à relação entre a Enron e o governo envolvem acontecimentos anteriores à crise que fez com que a empresa de energia quebrasse. Foi então que Lay supostamente teria dito ao presidente da Comissão Federal de Regulamentação da Energia que ele precisaria cooperar mais se quisesse manter o cargo (ele não o fez e foi demitido.). E foi então que a Enron ajudou Dick Cheney a desenvolver um plano de energia que certamente parece ter sido escrito pelas e para as empresas que assessoraram o grupo de trabalho liderado pelo vice-presidente. Cheney, desafiando claramente a lei, se recusou a divulgar qualquer informação sobre as deliberações de seu grupo de trabalho. O que ele tem a esconder?

E, embora a Enron tenha implodido, outras empresas de energia continuam próximas ao governo. Dias antes das mais recentes revelações sobre a Enron, o governo sinalizou sua intenção de tornar mais brandas as regras sobre a geração de poluentes por usinas de energia; no final da semana passada, anunciou sua decisão de levar adiante um controverso plano para armazenar lixo radiativo em Nevada. Cada uma dessas decisões vale bilhões de dólares para empresas fortemente ligadas ao presidente Bush.

A CBSMarketWatch.com afirma, em sua reportagem sobre o plano quanto ao lixo atômico, que "um grupo de importantes doadores de verbas políticas oriundos do setor de energia acaba de tirar a sorte grande".

Veja a fonte da citação. Nos últimos meses, enquanto os repórteres políticos se mantêm ocupados agitando as bandeiras nacionais, os repórteres de negócios tomaram a liderança em contar o que realmente está acontecendo. E eles parecem enojados com o que vêem.

O Grupo Carlyle

Foi o editor-executivo da CBSMarketWatch.com, e não algum comentarista político resmungão, que advertiu que "um pequeno grupo de líderes empresariais exerce enorme influência sobre Bush e sua equipe para conseguir que as regras sejam entortadas em benefício de suas empresas". E a revista de negócios "Red Herring" publicou a maior denúncia já surgida sobre o sigiloso Carlyle Group, uma empresa de investimentos cuja história se parece com o enredo de uma série de TV de baixa qualidade. A especialidade da Carlyle é comprar empresas do setor de defesa que estejam enfrentando dificuldades e revendê-las quando suas fortunas miraculosamente melhoram depois que elas conquistam novos contratos com o governo. Entre os funcionários da empresa está o ex-presidente George H. W. Bush. Entre os investidores, até o final de outubro, estava a família Bin Laden, da Arábia Saudita.

Outro governo teria encarado o papel de Bush pai na Carlyle como contestável. O presente aparentemente não tem objeções.

E o secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, recentemente deu ao seu velho colega no time de luta greco-romana da faculdade, Frank Carlucci, o presidente da Carlyle, um ótimo presente: Rumsfeld decidiu levar adiante os planos do muito criticado sistema de artilharia Crusader, que até mesmo o Pentágono queria cancelar. O resultado: outra reviravolta nas fortunas de uma empresa controlada pela Carlyle.

É triste dizer que nada disso é claramente ilegal, só fede. É por isso que o governo Bush tentará manter a cobertura do caso Enron concentrada no desastre que atingiu uma empresa. Mas lembre-se de que a história real é muito maior.


Paul Krugman, economista, é professor na Universidade Princeton (EUA). Este artigo foi publicado originalmente no "New York Times".

Tradução de Paulo Migliacci
 Ler mais Ä Krugman "Como as empresas de energia tiraram  dinheiro da Califórnia "FolhaSP 2.2.27:B2
Folha de S Paulo, 02.02.27: B 2

           Como as empresas de energia tiraram dinheiro da Califórnia
          PAUL KRUGMAN

            Até recentemente, parecia improvável que a Califórnia
            conseguisse um dia receber alguma coisa de volta das empresas
            de energia que, na opinião de funcionários do governo, roubaram
            bilhões de dólares do Estado. Veio em seguida o escândalo da
            Enron. Será que as revelações sobre as maquinações políticas da
            empresa e novas alegações de que a Enron manipulou o mercado
            de eletricidade na Califórnia vão mudar a situação?

            Funcionários do governo californiano acreditam que sim. Abriram
            processo na Comissão Federal de Regulamentação da Energia
            (FERC) e solicitaram uma renegociação dos contratos assinados
            durante a crise de energia no Estado. Eles têm a esperança de que
            os funcionários da FERC, especialmente o presidente da
            comissão, Pat Wood (indicado para o posto por Ken Lay, da
            Enron), sintam a necessidade de demonstrar sua independência.
           (...)

          O fato-chave sobre a crise da Califórnia é que ela atingiu seu pico
            não no verão, quando os aparelhos de ar-condicionado
            consomem o máximo de energia, mas nos meses frios. A oferta
            deveria ter sido suficiente. Em lugar disso, houve escassez -por
            alguma razão, um terço da capacidade de geração do Estado
            ficou inativa.

            As empresas alegaram que os geradores estavam em manutenção
            por conta da demanda do verão anterior. Mas a paralisação
            misteriosa se sustentou durante seis meses e permaneceu, a
            despeito dos preços estratosféricos atingidos pela eletricidade.
            Certamente, houve tempo e havia incentivo para acelerar os
            reparos.

            Uma explicação mais provável (amplamente aceita por
            economistas especializados em energia) é que as empresas do
            ramo concluíram que poderiam ganhar mais fechando algumas
            usinas geradoras. E criaram uma escassez que jogou os preços às
            alturas.

            Se a opinião convencional estivesse certa, a crise teria ficado mais
            grave no verão passado. Mas a eletricidade subitamente se tornou
            abundante. Os preços despencaram. Frank Wolak, o professor
            da Universidade Stanford que comanda o comitê de fiscalização
            do mercado de eletricidade da Califórnia, explicou o motivo.
            Em junho, graças à conservação de energia, a maior parte das
            necessidades do Estado estava sendo atendida por contratos de
            longo prazo. O mercado "spot" (à vista), tão fácil de manipular, se
            tornara pequeno. Desapareceu o incentivo para que as empresas
            de energia deixassem as geradoras fora de operação para elevar
            os preços no "spot". Subitamente, a capacidade de geração
            ociosa voltou a funcionar e a crise acabou.

           Agora, a verdade é que o programa de desregulamentação da
            Califórnia provavelmente foi mal conduzido, mas seu defeito foi
            confiar demais nos mercados -não de menos. Como diz Wolak, o
            sistema da Califórnia diferia de outras desregulamentações em
            larga medida por oferecer poucas salvaguardas contra a
            manipulação do mercado. E o Estado pagou um enorme preço
            por sua credulidade.

Não dito
 

 
Questão
O Estado faz o que diz que faz? .Leitura: "O mercado e o Estado na produção capitalista"

 
Contraponto
Folha S Paulo 2 3 8:B3
Para mascarar, basta um pouco de ideologia (manter as aparências):

Bush pede que país volte ao "capitalismo básico"

O presidente dos EUA, George W. Bush, pediu ontem que o país volte ao "capitalismo básico", que ele definiu como um sistema econômico que se sustenta na verdade e na total transparência. O pedido foi feito em resposta aos problemas causados pela quebra da Enron (que foi a maior financiadora de sua campanha).

Segundo ele, é essencial que os investidores sejam capazes de acreditar que os líderes corporativos e as pessoas em Wall Street jogam com as mesmas regras que as pessoas comuns.


Topo
DND..DND Indice