.Na
Ásia
.Nos
EEUU
.O
Grupo Carlyle
Crise asiática
e Enron têm origem comum
PAUL KRUGMAN
Na
Ásia
Quatro anos atrás,
enquanto a Ásia enfrentava sua crise econômica, muitos observadores
imputavam a culpa ao "capitalismo de compadres" praticado por lá.
Os ricos empresários da Ásia não se incomodavam em
contar aos investidores a verdade sobre seus ativos, passivos ou lucros.
A aura de invencibilidade que surgia de suas conexões políticas
era o bastante. Só quando surgiu uma crise financeira as pessoas
passaram a observar com atenção os negócios que eles
dirigiam, e o colapso não tardou.
Nos
EEUU
Será que isso
soa familiar?
À primeira
vista, a tempestade política com respeito à Enron é
intrigante. Afinal, o governo Bush não salvou a empresa da falência.
Por que George W. Bush fez a absurda alegação de que o executivo-chefe
da Enron, Kenneth Lay, se opôs a ele em sua primeira eleição
para o governo do Texas e que os dois vieram a se conhecer melhor apenas
depois da disputa? E por que a imprensa está agindo como se houvesse
um grande escândalo por estourar?
Porque o governo
teme, e a imprensa suspeita, que as mais recentes revelações
sobre a Enron terminarão por lançar luz sobre o capitalismo
de compadres ao estilo norte-americano.
Não que esse
estilo de capitalismo seja novidade no país. O governo Clinton nos
levou à beira de uma guerra comercial em benefício da Bananas
Chiquita, que contribuiu pesadamente para a sua campanha eleitoral. Mas
o governo Bush, com seu sentimento de que tem direito ao poder, parece
despreocupado até mesmo diante dos mais gritantes conflitos de interesse,
como o plano de Marc Racicot, o novo presidente do Comitê Nacional
do Partido Republicano, de continuar empregado como profissional de lobby
e ganhando milhões de dólares ao ano. (Ele agora diz que
não participará de projetos de lobby em pessoa, mas continuará
a receber o salário.)
As questões
reais quanto à relação entre a Enron e o governo envolvem
acontecimentos anteriores à crise que fez com que a empresa de energia
quebrasse. Foi então que Lay supostamente teria dito ao presidente
da Comissão Federal de Regulamentação da Energia que
ele precisaria cooperar mais se quisesse manter o cargo (ele não
o fez e foi demitido.). E foi então que a Enron ajudou Dick Cheney
a desenvolver um plano de energia que certamente parece ter sido escrito
pelas e para as empresas que assessoraram o grupo de trabalho liderado
pelo vice-presidente. Cheney, desafiando claramente a lei, se recusou a
divulgar qualquer informação sobre as deliberações
de seu grupo de trabalho. O que ele tem a esconder?
E, embora a Enron
tenha implodido, outras empresas de energia continuam próximas ao
governo. Dias antes das mais recentes revelações sobre a
Enron, o governo sinalizou sua intenção de tornar mais brandas
as regras sobre a geração de poluentes por usinas de energia;
no final da semana passada, anunciou sua decisão de levar adiante
um controverso plano para armazenar lixo radiativo em Nevada. Cada uma
dessas decisões vale bilhões de dólares para empresas
fortemente ligadas ao presidente Bush.
A CBSMarketWatch.com
afirma, em sua reportagem sobre o plano quanto ao lixo atômico, que
"um grupo de importantes doadores de verbas políticas oriundos do
setor de energia acaba de tirar a sorte grande".
Veja a fonte da citação.
Nos últimos meses, enquanto os repórteres políticos
se mantêm ocupados agitando as bandeiras nacionais, os repórteres
de negócios tomaram a liderança em contar o que realmente
está acontecendo. E eles parecem enojados com o que vêem.
O
Grupo Carlyle
Foi o editor-executivo
da CBSMarketWatch.com, e não algum comentarista político
resmungão, que advertiu que "um pequeno grupo de líderes
empresariais exerce enorme influência sobre Bush e sua equipe para
conseguir que as regras sejam entortadas em benefício de suas empresas".
E a revista de negócios "Red Herring" publicou a maior denúncia
já surgida sobre o sigiloso Carlyle Group, uma empresa de investimentos
cuja história se parece com o enredo de uma série de TV de
baixa qualidade. A especialidade da Carlyle é comprar empresas do
setor de defesa que estejam enfrentando dificuldades e revendê-las
quando suas fortunas miraculosamente melhoram depois que elas conquistam
novos contratos com o governo. Entre os funcionários da empresa
está o ex-presidente George H. W. Bush. Entre os investidores, até
o final de outubro, estava a família Bin Laden, da Arábia
Saudita.
Outro governo teria
encarado o papel de Bush pai na Carlyle como contestável. O presente
aparentemente não tem objeções.
E o secretário
da Defesa, Donald Rumsfeld, recentemente deu ao seu velho colega no time
de luta greco-romana da faculdade, Frank Carlucci, o presidente da Carlyle,
um ótimo presente: Rumsfeld decidiu levar adiante os planos do muito
criticado sistema de artilharia Crusader, que até mesmo o Pentágono
queria cancelar. O resultado: outra reviravolta nas fortunas de uma empresa
controlada pela Carlyle.
É triste dizer
que nada disso é claramente ilegal, só fede. É por
isso que o governo Bush tentará manter a cobertura do caso Enron
concentrada no desastre que atingiu uma empresa. Mas lembre-se de que a
história real é muito maior.
Paul
Krugman, economista, é professor na Universidade Princeton (EUA).
Este artigo foi publicado originalmente no "New York Times".
Tradução
de Paulo Migliacci |