Folha de S Paulo, 2002.2.24:A23
Veto dos
EUA bloqueia Justiça universal
O projeto [do estabelecimento de um tribunal penal
internacioonal (TPI) permanente] já existe no Estatuto de Roma,
de 1998. Para ser implementado, ele necessita da ratificação
de 60 paísews. E, por enquanto, já tem a de 52, o que poderia
indicar que uma corte de competência (jurisdição) universal
passaria a existir em breve não fosse a ausência de
alguns dos países mais poderosos do mundo entre os países
que já o ratificaram.
Gigantes geopolíticos -como EUA, China
e Rússia- e países periféricos de peso -como o Brasil
e a Austrália- ainda não o fizeram por diversas e, muitas
vezes, distintas razões. Contudo uma só oposição,
talvez a mais ferrenha, realmente impede que, na prática, o tribunal
permanente seja eficaz: a de Washington, devido à influência
internacional da última superpotência do planeta.
A aversão americana à Justiça
internacional é tanto prática quanto ideológica, de
acordo com especialistas ouvidos pela Folha. "A atitude de
Washington baseia-se em três razões: primeiro, o crime de
agressão não foi definido no Estatuto de Roma, o que abre
caminho para que funcionários do governo dos EUA que tomam decisões
relacionadas ao uso da força no exterior possam ser acusados no
TPI", apontou Christopher C. Joyner, professor de direito internacional
na Universidade de Georgetown (Washington).
"Segundo, poderiam ser feitas acusações
contra membros de forças de manutenção da paz americanas
que atuam no exterior. Terceiro, cidadãos americanos poderiam ser
julgados por uma corte internacional que poderia ter em seus quadros juízes
antiamericanos", acrescentou.
(...)
Razão ideológica [sic]
Pierre Hassner, diretor da Fundação Nacional de Ciência
Política (Paris), apontou como principal razão da oposição
americana ao TPI a ideologia de seu governo, contudo salientou que mesmo
Bill Clinton, notoriamente mais multilateralista que George W. Bush, não
fizera os esforços necessários para que a ratificação
fosse aprovada pelo Congresso. "A atual administração
é ideologicamente contrária à Justiça internacional:
os americanos se reservam o direito de decidir quem é o bem e quem
é o mal."
"Ademais, com a doutrina atual de "eixo do mal" [no qual Washington
inseriu a Coréia do Norte, o Irã e o Iraque], não
há espaço para a comunidade internacional. Hoje Bush e seus
assessores decidem se devem ou não eliminar Saddam Hussein sem consultar
ninguém. Só resta esperar que, após os superimperialistas,
venham pessoas como [o ex-presidente Jimmy] Carter, que valorizava os direitos
humanos, ou Clinton", analisou Hassner.
(...)
Segundo o renomado historiador britânco Eric Hobsbawm, (..) "os
EUA crêem que o poder seja uma justificativa suficientemente boa
para tudo".
ONU retira competência
universal belga
Em 14 de fevereiro, a Corte Internacional
de Justiça (CIJ), órgão judiciário da ONU,
decidiu que a Bélgica não tinha o direito de julgar um ex-ministro
da República Democrática do Congo (ex-Zaire) e, na prática,
pôs fim à veleidade belga de encarnar a Justiça de
competência universal.
Baseada em leis aprovadas em 1993 e em 1999, a Justiça
belga tinha, até então, o direito de julgar crimes cometidos
em qualquer lugar do planeta, independentemente da nacionalidade de seus
autores ou da das vítimas. Já tinha até condenado
quatro pessoas envolvidas no genocídio de Ruanda.
(...)
Caos
"Apóio a criação de um tribunal
penal internacional, mas sou contrário a casos como o da Bélgica.Se
cada país quiser julgar cidadãos de outro Estado, os sérvios
poderão tentar julgar Bill Clinton, por exemplo, e a situação
ficará caótica", (analisou
Christopher C. Joyner, da Universidade de Georgetown, EUA).
Folha SP, 2.5.12:A20
'Petróleo
motiva guerra afegã', diz Vidal
Gore Vidal é um americano com uma causa
a defender. Quase expatriado, ele acaba de lançar ao mercado mais
um desses tomos (de bomba literária que que tem costume de atirar
contra Tio Sam -- que ele vê como sendo cada vez mais perverso),
"Perpetual war for perpetual peace: how we came to be so hated".
(...)
Ele conclui com um longo rol das ações
militares empreendidas pelos Estados Unidos desde a 2ª Guerra Mundial,
desde Granada até o Panamá, passando por Haiti, Kosovo e
Somália.*
"Nessas algumas centenas de guerras contra o comunismo, o terrorismo, as
drogas, ou, em alguns casos, contra nada especial, entre Pearl Harbor e
terça feira, 11 de setembro de 2001, nossa tendência foi sempre
de desferir o primeiro golpe", diz Vidal. Mas nós somos os mocinhos,
certo? Certo."
A história toda no Afganistão não
diz
respeito a Bin Laden e suas posições religiosas, mas a um
grande golpe por parte dos Estados Unidos para apoderar-se de todo o petróleo
e gás natural da"Ásia Central. E foi isso que nos propusemos
a fazer.
(...)
Alguns anos atrás, quando Arafat
viria aos EUA para discursar na ONU, o Senado aprovou uma resolução
determinando que ele não seria autorizado a entrar no país.
Bem, embora fisicamente esteja situado dentro dos EUA, a ONU oficialmente
não está dentro do país. É uma entidade distinta.
Mas proibiram a entrada de Arafat -- e por dois terços dos votos.Não
é preciso ser um grande especialista em questões parlamentares
para saber que dois terços dos votos é justo o que é
preciso para derrubar um veto presidencial. Então Arafat não
veio. É isso que Bush enfrenta.E, por
mais que possam querer dar uma dura em Sharon, seus correligionários
não podem fazer isso no Congresso.
* O articulista
esqueceu as maiores: Koréia e Vietnã [C.D.]