Folha de S Paulo,
02.4.1:A13
Élio
Gaspari
Entrevista:
Ovídio de Melo
(76 anos, embaixador aposentado)
O senhor era representante do Brasil em Luanda
em 1975, no início da guerra civil angolana, e participou da formulação
de uma política que antagonizou os Estados Unidos. Como o senhor
vê as diferenças de hoje entrrre Brasília e Washington?
Houve uma deterioração de nossa
soberania. Seu pior momento foi a assinatura, pelo atual governo, do Tratado
de Não-Proliferação de Armas Nucleares. Ao lado disso,
aumentou nossa dependência. Quando Jango foi deposto, o Brasil devia
US$ 3 bilhões. Ao final da ditadura, eram US$ 132 bilhões.
Hoje são US$ 600 bilhões, mesmo depois de termos vendido
boa parte do patrimônio nacional. Essa deterioração
se agrava quando quando sabemos que em 2005 estará criada a Alca.
O que é a Alca? Ninguém sabe. (...) No governo Clinton já
era difícil prever a conduta americana. Hoje, estamos sujeitos aos
desejos hegemônicos de George Bush, que é um presidente voluntarioso
e trapalhão.
Mas hegemônicos eles são.
E eu lhe pergunto: que hegemonia? Nem eles sabem.
Aspiram a uma posição de onipresença e onipotência
que nem Roma --muito menos a Inglaterra-- chegou a cobiçar.
... Eles passam lições, como se fossem os donos do conhecimento.
A Argentina é um bom modelo das agitações que os americanos
estão semeando. Durante dez anos, o governo argentino teve uma "relação
carnal" com Washington. Chegou a mandar tropas para a Guerra do Golfo.
Terminou com o país no caminho da anarquia.
(...)
E o Itamaraty nisso?
A nossa diplomacia está encolhendo. De
certa maneira, isso é uma tendência mundial. Nos países
desnorteados diante da crise, a diplomacia vai parao brejo com mais facilidade.
... O Itamaraty vai se tornando um órgão necessário
para pouco mais que funções de cerimonial. O grande perigo
é acharmos que essa posição é confortável.
Nossa chancelaria raramente se pronuncia de forma relevante a respeito
de um problema internacional.