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In
Espaço
& Debates 25:7-8
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Apresentação
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Reorganização capitalista e reordenação espacial Csaba Deák 1989 |
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Emir Sader, Constituinte, democracia e poder (*) |
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Uma questão prévia
a uma interpretação dos intensos movimentos de reestruturação
territorial nas últimas duas décadas a nível internacional,
por um lado, e ao nível nacional, por outro, refere-se à
natureza do processo fundamental que caracterizaria as transformações
do próprio capitalismo, no mesmo período. Será
ele a crise de acumulação
decorrente do problema da superprodução e realização
da mais-valia originado na exaustão do ciclo expansivo da reconstrução
pós-guerra e cuja eclosão somente tem sido adiado até
hoje com a expansão do crédito numa escala nunca vista, em
que somente os Estados Unidos acumularam uma dívida de US$
9 trilhões (mais de dois anos de PNB) entre dívida pública,
privada e externa, cujo pagamento sem juros, destinando-se 5% do PNB por
ano, levaria quarenta anos, sendo portanto impagável? Ou seria o
fundamental, numa visão mais restrita mas também mais específica,
a crise fiscal do Estado, prenunciando a necessidade da reorganização
da sociedade em vista da falência do Estado de Bem-Estar? Ou ainda,
tratar-se-ia essencialmente de uma renovação, em escala gigantesca,
das técnicas de produção, de uma verdadeira revolução
tecnológica, já preconizando também a formação,
afinal, do mercado mundial? Essas três linhas de interpretação,
que sem dúvida admitem um sem-número de variantes e até
mesmo algumas combinações, definem a amplitude do leque de
posições que competem nos meios acadêmicos e políticos.
A primeira deriva da crítica da Economia Política, a segunda,
de uma filiação estruturalista, enquanto que a terceira
do âmbito da tradição neo-clássica, que Marx
chamava de economia vulgar. As três estão presentes, de uma
maneira mais ou menos explícita e consistente, nas contribuições
a esse número do Espaço & Debates.
As contribuições estrangeiras são de cunho mais teórico, com a exceção de Doreen Massey que combina sua colocação teórica com uma análise concreta da Inglaterra contemporânea, e de Bressand que não pertence ao círculo acadêmico, senão de administradores. Já nas contribuições brasileiras predomina, pelo contrário, a análise concreta, com a exceção de Klára K.Mori que faz preceder sua análise histórica de uma colocação conceitual. Se as contribuições alienígenas colocam a questão de uma decisão quanto à interpretação do capitalismo contemporâneo e de sua crise atual, a natureza distintiva das contribuições brasileiras coloca uma segunda questão: Como se rebate a primeira questão no caso do Brasil, enquanto país de origem colonial, por um lado, e em sua especificidade histórica, por outro? Em outros termos, qual a natureza, por analogia às colocações iniciais acima, das transformações em curso no país: tratar-se-á da necessidade de transformação das técnicas produtivas, ou da extensão e natureza da intervenção estatal, ou ainda, da própria sociedade? Nos países ditos centrais a resposta a essas questões passa por uma opção entre a ideologia liberal e a crítica dessa última, opção essa precisamente ao centro das colocações 'teóricas' e da produção intelectual naqueles mesmos países. No Brasil, no entanto, onde o princípio fundamental do capitalismo: acumulação, torna-se acumulação entravada, subordinada que está ao princípio da expatriação de excedente, onde em vez de burguesia há elite, e onde igualdade formal jurídica não disfarça o superprivilegiamento, para usar uma expressão de Florestan Fernandes, de uma minúscula parcela da não-nação, ideologia liberal torna-se falácia liberal, como assinala Emir Sader, entre outros. Nessas condições, não somente a aderência servil, mas o mero apoio sobre a produção 'teórica' alienígena torna-se rapidamente excessivo, inócuo e produz não teoria senão a mímica da teoria. Este fato pode estar na origem da precariedade das posições teóricas da produção acadêmica entre nós. No Brasil como na América Latina, elaborar uma interpretação da ideologia liberal face às características próprias das respectivas sociedades coloca-se como tarefa anterior a qualquer tomada de posição frente ao conservantismo e a crítica, e como pré-condição para uma produção teórica própriamente dita. O desafio é esse.
* Editorial do Espaço & Debates 25, pp.7-8 |