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Espaço & Debates 28:18-31, 1989
O MERCADO E O ESTADO NA ORGANIZAÇÃO ESPACIAL DA PRODUÇÃO CAPITALISTA (*)

Csaba Deák (**)

Tradução de Micaela Krumholz
Revisão do autor

Versão provisória em html, 00.10.21

 

O debate sobre a teoria da renda, preço da terra urbana --  e consequentemente, o preço das mercadorias --, a questão habitacional, a especificidade da regulação capitalista em contraposição ao planejamento socialista ou a atual crise do capitalismo tem o seguinte em comum: todas as questões assim levantadas estão relacionadas com a organização espacial da produção. Por esta razão todas essas questões podem ser abordadas convenientemente, para não dizer necessariamente, a partir de um arcabouço teórico que inclua a organização espacial da (re)produção capitalista desde o princípio, em vez de constituir uma inserção posterior como a 'teoria da renda' no campo da Economia Política ou da 'teoria locacional' na economia vulgar.(1) Propomo-nos aqui a substanciar essa proposição e esboçar algumas teses de tal arcabouço, que admite ainda uma segunda característica básica: a de situar o antagonismo mais profundo e a própria força matriz do capitalismo no que se pode chamar de dialética da forma-mercadoria.

Na falta de se poder expor detalhes de uma teoria nos limites de um artigo (2), utilizaremos algumas das questões acima referidas simplesmente como exemplos para ilustrar a abordagem em alguns casos específicos. Espera-se, contudo, que a sucessão de exemplos haja uma progressão, senão um movimento ininterrupto, dos níveis de abordagem de concreto para abstrato, e que resultem num esboço coerente de uma teoria em uso.
 
 
 

1 Renda ou preco da terra?

A noção de que o preço da terra urbana se relaciona de alguma forma com a 'distribuição espacial' da atividade humana constitui uma noção das mais intuitivas em decorrência da própria experiência cotidiana. Contudo, para a Economia Política e também para Marx, o preço da terra é a 'forma capitalizada' da renda da terra e, conseqüentemente, a análise urbana tem sido obstruída até hoje pela ortodoxia em relação à teoria de renda. Durante a década de 1970 o interesse nessa 'teoria' estava no auge dos últimos tempos. Contudo, as várias de aplicação da teoria de renda à análise urbana falharam e uma linha crítica, potencialmente mais promissora e acompanhada de acalorado debate, esgotou-se sem chegar a uma conclusão (3).

O argumento pela rejeição da teoria da renda pode ser resumida da seguinte forma.(3a) No estágio inicial do capitalismo, a categoria de renda feudal foi transposta para a análise do capitalismo por parte da Economia Política (Smith, Steuart) junto com o fantasma da classe feudal dos senhores, a classe dos 'proprietários de terra'. Membros desta classe mantêm um suposto monopólio de alguns dons da Natureza - notadamente da terra -, a renda sendo o pagamento que eles podem extrair dos capitalistas pelo uso dos "poderes produtivos" da terra. A renda da terra, tendo sido promovida ao status de categoria com base em tal concepção, foi então analisada sob o pressuposto do equilíbrio (veja a teoria de Ricardo sobre a renda diferencial, da qual o próprio Marx não iria conseguir se livrar). Na medida em que isto implica na perfeita fluidez e capitais (permitindo o movimento de um equilíbrio para outro sem custo), a teoria da renda não pode nem abordar a questão da transformação do uso da terra, onde o fato crucial reside na rigidez dos capitais materializados em processos individuais concretos de produção (4).

Para se ter uma idéia de todo o peso de suas limitações, recorde- se que o marginalismo consiste precisamente na generalização da teoria da renda para a economia como um todo (5). Na época de Ricardo tal desenvolvimento consistia tão somente em uma possibilidade, mas não passou desapercebido para muitos e em decorrência, "Ricardo conquistou a Inglaterra de uma maneira tão completamente como a Inquisição conquistou a Espanha" (Keynes, 1936, p.32.). Para a burguesia, que tinha acabado de dar um importante passo no sentido do poder político através da extensão do sufrágio com a aprovação do 'Reform Bill (1832)' e que se encontrava em posição de impor qualquer política que fosse de seu interesse a rejeição das 'Corn Laws' e a vitória do 'Livre Comércio' iriam ocorrer logo a seguir era da maior importância que o capitalismo fosse vista como uma ordem natural e ser 'analisado' a partir do pressuposto do equilíbrio (e harmonia, comunidade de interesses etc, as principais bases de ideologia liberal), um quadro no qual a teoria da renda seria a peça central. Para outros, o mesmo reconhecimento conduz à necessidade de eliminação da teoria da renda da análise dos processos que regulam a produção capitalista, de maneira espacial ou de outra maneira.

O abandono da teoria da renda deixa um v cuo em ambos lados e é capaz de ser preenchido com novas categorias. No que tange à 'terra', é preciso ressaltar, de ínicio, que o capitalismo, a terra não é paga pelo fato de ser e muito menos como ' recurso natural', mas como uma propriedade que permite o uso de uma porção da Terra. Dado que a terra é uma propriedade privada, ela pode ser comprada e vendida e deste modo comanda um preço.

Tal preço não pode ser visto como a forma 'capitalizada' da renda em decorrência da substituição desta categoria no capitalismo; ao contrario deve ser atribuída diretamente como preço.

Contudo, não há relação social específica atrás do preço da terra além da propriedade privada uma pré-condição da própria relação de capital. A especificidade do preço da terra, em oposição ao preço da mercadoria, reside na sua relação tanto com a produção como com o uso do espaço e, de fato, ela é governada pela necessidade da organização da produção sobre o espaço.
 
 
 
 
 
 

2 - Espaço e localização

O espaço não é uma nova dimensão da reprodução na sociedade mesmo conquanto a organização espacial tenha-se tornado uma preocupação somente no estágio da acumulação predominantemente intensiva do capitalismo.

Engels escreveu que matéria sem movimento é tão inconcebível como movimento sem matéria; constitui somente um corolário dizer- se que a produção material sem espaço é tão inconcebível como matéria sem movimento. Toda sociedade necessita de um território para viver; através da divisão do trabalho este território é estruturado em espaço (5). Os conceitos de localização e espaço derivam da prática social da produção e reprodução dentro de uma divisão de trabalho, característica de um modo de produção.

Designamos por 'espaço' no capitalismo o território de um mercado unificado no qual a forma mercadoria se generalizou. Este espaço encerra localizações, ou seja, a localização sendo o lugar de um processo individual de produção (ou reprodução). A especificidade de um espaço concreto é definida pelas relações entre suas localizações (6). As próprias relações se materializam em estruturas físicas: trilhas, estradas, fios, cabos, tubos, satélites e assim por diante. Igualmente, as localizações se materializam em extensões finitas e delimitadas do território, cuja expressão elementar é a forma jurídica da propriedade, um pedaço de terra ou um andar construído (7). Tais elementos precisam todos ser construidos através do trabalho humano. O espaço urbano e as localizações ali contidas são produtos históricos. A terra como localização, longe de ser um presente da natureza, é um produto do trabalho que continuamente reproduz o espaço de acordo com os requisitos mutantes da acumulação.

A categoria renda da terra dá lugar à categoria de pagamento pela localização. Este último pode tomar a forma, como historicamente ocorreu, de renda ou a forma de preço, de acordo com o tamanho do período, e mais precisamente de acordo com o nível do controle exercido sobre a localização como condição de produção. Já mostrei em outro lugar (8) que o preço é a forma compatível com a forma mercadoria plenamente desenvolvida, o aluguel se constituindo numa forma subsidiária em casos (tanto no estágio inicial como nos mais adiantados do desenvolvimento de determinadas indústrias) onde a forma mercadoria ainda não se desenvolveu completamente ou aonde ela Já ultrapassou sua maturidade. é preciso notar aqui que a condição duradoura da produção pode ser arrendada, tendo como resultado a transformação do correspondente capital fixo em circulante, o arrendamento da terra constituindo- se somente em um caso particular desse aspecto.

Além disso, a própria localização pode assumir v rias formas, das quais a 'terra' é sem dúvida a mais comum, porem de nenhum modo a única. Um aspecto peculiar do espaço contemporâneo consiste precisamente na variedade crescente de formas através das quais as localizações podem materializar-se: além da terra, pode-se ter localizações(loci de processos individuais de produção) no ar, no mar, no solo marinho ou em satélites artificiais. Constituindo-se em condições de produção (ou reprodução), e sendo consideradas, conquanto não produzidos, como mercadorias, eles serão pagos seja através de forma de renda seja pela de preço. Em todos os casos, nos confrontamos com uma das muitas forma de materialização de uma mesma categoria, a saber, de categoria de pagemento pela localização.
 
 
 

3 O pagamento pela localização: um meio de organização espacial da produção
 

Desta maneira chegamos à conceituação do preço da terra como sendo um meio da organização (espacial) da produção, da mesma maneira como o preço da própria mercadoria. Esta última ídeia é capaz de expressar, na definição de Rowthorn: "O preço natural (isto é, o preço da produção -CD) de uma mercadoria é simplesmente o preço que deve ser pago, em condições competitivas, para garantir a produção de tal mercadoria numa dada escala" (9). Precisamos somente acrescentar que "garantir a produção" deve seguramente incluir uma localização que por sua vez deve ser pago, de maneira a que o pagamento da localização esteja incluido no preço da produção de uma mercadoria juntamente com seus meios de produção, matérias primas e trabalhos. Consequentemente, o preço da produção determina, juntamente com a técnica (escala) de produção, o nível de pagamento da localização, a localização deste precesso individual de produção no espaço urbano. Note-se que esta última determinação não conduz nem segue a determinação de um determinado processo de produção 'como tal', ou seja, em tudo exceto a localização. Realmente, ambas determinações são simultâneas e, de fato um processo concreto de produção é inconcebível sem uma localização (10).

Na medida em que a produção é regulada pelo mercado, o preço da localização desempenha seu papel na distribuição espacial dos processos individuais de produção e reprodução. Contudo, a regulação não é desempenhada somente pelo mercado. Se a noção da 'natureza an rquica' da produção capitalista nunca significou a total ausência de intervenção do Estado no trabalho da 'mão invisível' (11), no estágio da acumulação predominantemente intensiva o mesmo deve ser abandonado completamente. Em 1891, Engels Já tinha se dado conta que o capitalismo não podia mais ser considerado como não possuindo nenhum aspecto de planejamento. "Esta idéia se tornou obsoleta; dada a existência de trustes, a falta de planejamento desaparece" (12). Com o desenvolvimento do capitalismo, a intervenção do Estado tem desempenhado um papel cresente na produção, para não falar no seu papel na reprodução das condições 'não-econômicas' de produção (13), muitas das quais pertenciam precisamente aos dominios tanto da produção como do controle do uso do espaço.

O que é verdadeiro para a organização da produção em geral também é v lido para a organização espacial em particular. Na medida em que o fluxo de capital entre empresas e indústrias é regulado em grau maior ou menor (de acordo com o estágio da acumulação) através de impostos, subsídios, intervenção direta, a regulação afetando a concentração e a centralização do capital controles em todas as fronteiras (nacionais). etc., da mesma maneira a localização espacial é delimitada através de zoneamentos legais, impostos sobre a propriedade, empresas públicas etc, de modo a que o preço da localização determina a organização meramente nos limites de 'liberdade' remanescente do mercado. O preço da terra a forma dominante de pagamento pela localização então se torna um dos meios da organização espacial da produção juntamente com outros meios tais como as ações legais de incentivo e coercitivas do Estado. Da mesma maneira em que a regulação ecomonica é atingida através do equilíbrio entre os mesmos precessos que se materializam, respectivamente, o preço da localização e na intervenção do estado. A combinação real do uso de v rios meios de regulação é historicamente determinado pelo estágio do desenvolvimento das forças produtivas ou mais precisamente, do ant gonismo entre a produção de valores de uso como valores de troca (isto é, de mercadorias) e a produção direta de valores de uso. A seguir será discutido que um dos aspectos da crise atual diz respeito ao aumento do papel do Estado na regulação do capitalismo até um ponto em que ele põe um perigo a própria primazia da forma mercadoria, o que cria uma perspectiva na qual o pagamento da localização (ou o preço da terra na aglomeração urbana em particular) pode ser abordada.
 
 
 

4 Organização espacial em estágios específicos do desenvolvimento
 

Obviamente, para uma dada diversificação do espaço (isto é, para a mesma intensidade de regulação necessária), quanto maior o âmbito da organização do espaço atingida através da intervenção estatal, menos resta para ser organizada pelos preços e estes poderão ser mais baixos e, reciprocamente, quanto memor a intervenção direta na regulação do espaço, maior a responsabilidade dos preços de localização os quais, então, terão que revelar maiores diferenciais e, portanto, abranger um raio maior.

Em outras palavras, eles serão mais elevados. Um exemplo eloquente desse processo pode ser ilustrado pela introdução do 'Novo Mecanismo Economico' na Hungria (14). Em Budapest, o preço da terra tinha se mantido estável e baixo, quase nominal, por cerca de duas décadas desde a II Guerra Mundial.

A localização de atividades (empresas estatais, mas também unidades residenciais) era regulada por um planejamento altamente centralizado, virtualmente por decreto. Alguns anos após a introdução do Novo Mecanismo Econômico em 1968, o preço da terra na capital subiu dez vêzes, cuja causas, no caso de Budapest, não pode ser atribuído ao rápido crescimento, nem demográfico nem da produção, virtualmente ausentes (e que assim, não impunham necessidade crescente de regulação espacial). Uma clara explicação do aumento é fornecida, contudo, pela simples descrição da natureza da madunça ocasionada pelo Novo Mecanismo Econômico:

A essência de reforma econômica húngara de 1968 pode ser resumida como a introdução da orientação indireta através de reguladores econômicos (preço, crédito fiscal e política salarial) em lugar de uma orientação direta às unidades econômicas através de instruções.
Kemenes (1981).p.583

Entre as tendências mais recentes do capitalismo contemporâneo, além do aumento do papel da intervenção do Estado, o que implicitamente significa intervenção do Estado-Nação, outra transformação de longo alcance e presentemente em curso refere-se precisamente ao papel do Estado-Nação dentro do 'mundo capitalista'. Embora a acumulação de capital não foi nenhum lugar um processo relativamente tão autónomo com nos seus primórdios na Inglaterra, pois a introdução da produção capitalista em novos centros de acumulação como na Alemanha, França ou Japão foi muito mais estimulado pela processo exercida pela da Inglaterra e depois pelos Estados Unidos (15), os processos mais fundamentais do capitalismo como a imposição da relação de sal rio e a unificação do mercado se restringiram até hoje essencialmente ao quadro institucional do Estado-Nação. Hoje, contudo, e qualquer que seja e desfecho da presente crise, é improv vel que a reprodução e a reestruturação do capital possa continuar num isolamento relativo em termos nacionais no qual não obstante as várias tentativas de regulação supra-nacional a partir do ínicio deste século, ele permaneceu até hoje. Se é que as condições para a acumulação capitalista possam ser restabelecidas, isto deverá se dar com base em planejamento e controle transnacionais consideràvelmente ampliados, o que por sua vez requer um quadro também supranacional de infraestrutura institucional. É possível que a então a organização do espaço deva ser analisada com base em novas premissas em que um nível internacional ser  imposto e sobreposto aos níveis regionais ou locais de organização espacial, mas tais transformações ainda são por demais embrionárias, e não podem ser analisadas por antecipação, a não ser a nível de especulação.

No ínterim o espaço economico nacional, onde o livre fluxo de capital e trabalho é assegurado e onde prevalece uma relação-salário específica, continus sendo o objeto principal da organização espacial, o que, por sua vez, estabelece o quadro referencial para a análise do preço de terra.
 
 
 

5 Valor de uso, volor do espaço e localização
 

A abordagem segundo a qual o preço da terra não é uma renda paga pelo uso de um 'presente da natureza', mas um pagamento pela localização de um ambiente criado pelo homem, permite um reexame das questões do valor de uso e valor das localizações, da produção do espaço, e finalmente, do papel deste último no processo de acumulação. Comecemos pela implicação da 'questão do trabalho' do espaço, tanto no que se refere ao valor do mesmo, como pelo seu pagamento, a localização.

O significado do fato de que o espaço é um produto do trabalho não se limite à questão de que o espaço urbano perde seu conteúdo 'natural', dado que certamente ele é composto por algo (matéria) encontrado na natureza, mas muito mais no sentido de que qualquer que tenha sido as transformações pelas quais a natureza tenha passado em qualquer época, a natureza e o produto de trabalho passado podem ser novamente transformados, de maneira a que não restem quaisquer elementos permanentes. é por isso que as tentativas no sentido de descobrir o elemento natural no espaço são infrutíferas, como, por exemplo através de teoria da renda, ou ainda tentar determinar a quantidade de natureza e a quantidade de trabalho 'contidos' no espaço em qualquer época historica específica, no sentido de medir seu valor, como por exemplo através da teoria do valor.

Tanto a teoria de renda como a teoria do valor são de fato abordagens que tentam determinar o que é ao invés de o que está se tornando (devindo), ambas, portanto, preocupadas com situações em vez de processos e, em última instância, ambas implicando no conceito de equilíbrio, como se um processo de equilíbrio (de processos produtivos, de distribuição espacial de atividades, etc.) pudesse imediatamente aflorar baseado na estrutura vigente e somente ser substítuido no instante seguinte. Nossa abordagem enfoca mais as transformações ocorridas no espaço em decorrencia do trabalho exigido em função da variação das exigências para o desenvolvimento das forças produtivas, que necessariamente acompanham o processo de acumulação. De fato, "a produção do espaço" é a transformação do espaço no sentido concreto de que o produto final da intervenção no espaço não é alguma nova estrutura, mas a própria transformação de determinada estrutura. As estruturas físicas que surgem no processo podem permanecer e algumas de fato permanecem, imutáveis durante algum tempo, ainda que aguardando serem transformadas assim que necessidade para tal se fizer sentir. Mesmo enquanto permanecem inalteradas em sua forma física, tais partes da estrutura, contudo, vão se alterando enquanto valores de uso durante o processo de desenvolvimento do processo de produção (basta lembrar a obsolescência de porções das aglomerações urbanas -- ou o papel mudado de cada uma das Sete Maravilhas do Mundo…).

Analogamente, conquanto uma localização não é consumida na produção, ao nível individual, as localizações se tornam obsoletas através do tempo, tanto devido à decadência física como pelo fato de que as inovações tecnológicas que acompanham o desenvolvimento da produção implicam em mudanças nos requisitos da produção e reprodução, às quais o espaço e mesmo a localização indivídual precisam constantemente ser adaptadas através de trabalho adicional. Consequentemente uma localização individual não é (como a forma preço de pagamento poderia sugerir) uma condição 'permanente' da produção, nem tampouco possui um valor de uso intrínseco: o valor de uso de uma localização é transformada incessantemente e as atividades econômicas individuais precisam, por sua vez, se adaptar às mudanças do espaço urbano (que é o próprio processo de transformação do uso da terra). Elas precisam reaparecer constantemente no mercado como 'consumidores' barganhando por localizações adequadas. Na verdade, a intervenção no espaço -- a produção do espaço -- consiste na transformação mais do que, seja na conservação de estrututras existentes, seja no alcançar de alguma particular estrutura ou 'situação', que somente poderia ser concebida como um ideal. O que o desenvolvimento do processo de produção requer, pelo contrário, é a incessante transformação do espaço.
 
 

O valor do trabalho dispendido na produção do espaço dissipa as objeções -- como aquelas levantadas nas Economia Política clássica no âmbito da teoria de renda -- ao fato de o pagamento pela terra entrar no preço da produção de mercadorias. O tempo de trabalho gasto na produção do espaço é socialmente validado indiretamente e ao nível agregado através do consumo das mercadorias produzidas por sobre o espaço como um todo. A correspondente transformação do espaço dá origem a novos níveis de pagamento pelas localizações contidas nesse espaço e que serão ocupadas por novos processos individuais (na mercadoria, na quantidade e na técnica) de produção. Tais pagamentos são incorporados no preço da produção das mercadorias de maneira que o trabalho dispendido na transformação do espaço seja finalmente validado desta forma, mediante o consumo de mercadorias. 'Valor de uma localização', contudo, não tem significado, dado que nenhuma porção do espaço encerra um conteúdo específico de trabalho abstrato: todo trabalho desempenhado em qualquer porção de espaço redefine (transforma) o espaço urbano como um todo (16). Consequentemente -- e da mesma maneira que no caso de mercadorias -- o preço de uma localização não se origina em (e muito menos é regulado por) um suposto valor dessa localização, mas simplesmente no requisito de organização da produção sob as condições vigentes de competição entre capitais.
 
 
 
 

6 O pagamento pela localização e acumulação
 
 

De acordo com teoria de renda clássica, o preço de localização (sob a forma de preço da terra) tem sido considerada como uma barreira à acumulação capitalista, dando origem a teses amplamente difundidas sobree a nacionalização da terra como remédio. Embora tenha sido bastante apontado de que a propriedade privada da terra é essencial para o processo de dissociação do trabalhador de seus meios de produção, isto é, para a existencia do trabalho assalariado, e, em consequencia do próprio capitalismo, propostas no sentido de abolir a propriedade privada da terra atingiram o nível de debate político da Grâ Bretanha (Massey & Catalano, 1978.p.16ss) ao Brasil (Singer, 1978), Japão (Uno, 1964,pp.102,108). Uma forma arquétipa do argumento utilizado pode ser assim expresso:

... o preço de compra da terra (renda do solo capitalizada sob a ficção (sic) legal do valor da terra) tem o efeito de retirar o capital do investimento na produção agrícola. A propriedade privada da terra (grande ou pequena) serve como obst culo ao desenvolvimento das forças produtivas na agricultura. (17).
 
 

Antes de avaliar esta visão, detalhemos um pouco mais as condições de acumulação. O trabalho que não produz nem a estrutura espacial, nem a infraestrutura político-administrativa pode ser explicitado na clássica fórmua da valorização:
 
 

VE = V + VS
 
 

na qual a relação de sal rio divide o trabalho abstrato total (19) ou valor do trabalho total da sociedade VE, no valor da força do trabalho V e a mais-valia VS somente da produção de mercadoria.
 
 

Já foi visto que na produção do espaço não pode ser "governada pela lei do valor imposta num mercado" (ou mais simplesmente, governado pelo mercado) e por isso precisa ser levada ao plano social. Um quantum do poder produtivo da sociedade (trabalho abstrato) é dedicado anualmente à produção da somatória total de mudanças nas infra e superestruturas físicas (20), necess rio para adaptar o espaço urbano aos requisitos da produção e reprodução. O tempo do trabalho dispendido na produção do espaço durante um certo período representa o valor do último.
 
 

Este valor não é nenhum modo uma dedução de uma mais-valia, que, de outra maneira seria mais elevada; pelo contr rio, é uma das condições b sicas para a produção de mais-valia. Sem a transformação do espaço não é possível manter a produção, de modo que o trabalho dispendido na produção do espaço é tão necess rio quanto o trabalho dispendido na reprodução dos meios de produção, e o mesmo é v lido para todos os demais trabalhos necess rios para manter o aparato de estado, isto é, para reproduzir a infraestrutura legal, política e administrativa da produção.
 
 

No sentido de explicitar estas porções do trabalho social, podemos dividir o trabalho necess rio total V em suas partes constituintes e escrever:
 
 

V = W + VL + VT
 
 

onde W é o trabalho dispendido na reprodução da força-de-trabalho ("bens salariais") e nos meios diretos de produção ("bens de capital e materiais") utilizados na produção de bens, enquanto VL e VT são os tempos de trabalho dispendidos na produção do espaço e em toads as outras atividades do Estado, respectivamente. A fórmula da valorização torna-se então
 
 

VE = (W+VL+VT) + VS
 
 

a taxa de acumulação sendo:

e = VS/V= VS/(W+VL+VT).
 
 
 
 

Agora podemos voltar à questão do pagamento da localização com sendo um empecilho à acumulação e finalmente para uma nacionalização da terra.
 
 

Fica claro pelo exposto acima que nem o pagamento pela localização se constitui num empecilho, nem sua "abolição" iria ajudar a exponsão do capital: do ponto-de-vista- da acumulação, o mais importante é montante de trabalho abstrato (social) dispendido na produção do espaço como uma proporção do trabalho necess rio (21). Isto quer dizer que a única coisa que poderia acelerar a acumulação nesse sentido seria a redução do tempo de trabalho necess rio para produzir o espaço VL, portanto reduzindo o tempo de trabalho total necess rio V e Já vimos anteriormente que isto não tem nada a ver com o preço de terra.
 
 

Se a terra não tivesse preço (e a regulação espacial seria desempenhada pelo planejamento central, um caso tão improv vel como uma completa anarquia da produção), tudo o que aconteceria seria que a quantia correspondente da dinheiro seria retirada da circulação e a expressão monet ria do trabalho abstrato (isto é, "valor" do dinheiro) iriam mudar de acordo (22). Contudo, a quantidade de trabalho dispendido, as técnicas de produção e finalmente a taxa de acumulação VS/V permaneceria igual. A única coisa que seria alterada seria a denominação sob a qual o fluxo de caspital seria efetuado (excluindo, no último caso, a denominação "preço da terra") ou no caso de meras variações no nível (tais como os provenientes de regulação legais como zoneamento do uso do solo que não eliminam o preço da terra mas interferem na sua magnitude) no preço da terra, as proporções dos fluxos sob as mesmas denominações que fazem com que o capital se dirija para a produção, mas sem afetar VS/V ou mesmo a taxa de lucro, VS/W.
 
 

é preciso notar que, por acaso, o argumento atrás de idéia de planejamento "racional" é a mesma que subtenta que a "renda" impede a acumulação: o planejamento através do zoneamento do uso do solo, empresas públicas, etc., tornaria a produção "mais eficiente". Podemos concluir, contudo, que o planejamento uma forma de intervenção do Estado não surge no sentido de incrementar a eficiencia (diga-se, a taxa de acumulação) que de outra maneira seria mais baixa , mas muito mais decorrente de pura necessidade imposta pelos limites da mercadorização da economia. Em outras palavras, a intervenção do Estado não torna a produção de bens mais eficiente mas a viabiliza pelo fato de assegurar as condições de sua própria existencia.
 
 
 
 

7 O processo urbano
 
 
 
 

... mas agora o mercado triunfou sobre a comunicadade.

Christopher Hill, "Reformation to Industrial Revolution"
 
 

As questões levantadas até agora relativas a organização espacial revelaram que a produção do espaço urbano deve sua especificidade no que tenge à produção de mercadoria ao fato de que a ele não pode ser reproduzido como uso de valor individualizado metomorfoseado em valor de troca, isto é, ele não pode ser produzido como mercadoria.
 
 

Este fato nos chama a atenção para os limites da generalização da forma mercadoria. A generalização da forma mercadoria contítui uma das tendências mais arraigadas do capitalismo, dado que tem suas raízes na própria relação de sal rio. Esta tendência gera sua própria contra-tendência, de modo a que a produção dos valores de uso como valores de troca precisam ser complementados pela própria produção de valores de uso.
 
 

A dialética da forma mercadoria definida desta maneira não se restringe à organização do espaço mas domina a produção e reprodução sociais como um todo, até o ponto da reificação das relações sociais (23). Isto permite consequentemente, a ampliação de nossa abordagem de maneira a abarcar o que poderia ser chamado de processo urbano, considerado como nada além de capitalismo contemporaneo (24).

A primazia da forma mercadoria e o processo de reificação das relações sociais requer que a regulação da produção capitalista seja atingida em primeira instância pelo mercado e em segunda instância pela intervenção do Estado, a combinação específica sendo determinada pelas condições de mercadorização da produção de acordo com o estágio de desenvolvimento das forças e relações.

A Economia Política foi capaz de isolar, e de se restringir à análise do setor mercadoria de "economia" (25) em detrimente de gradualmente ir excluindo o computo tanto do Estado como da organização espacial "pari passu" com o próprio desenvolvimento de ambos. O estado da produção em suas localizações e dentro do espaço urbano, contudo, (e dizer: o estado do capitalismo contemporaneo seria dizer o mesmo) torna inclusive declaradamente impossível mesmo tentar tal separação. Não pode haver "um setor mercadoria" na produção do espaço e inversamente, categorias "puramente economicas" tais como produção, consumo e troca derivadas somente de produção de bens dissolvidas nas atividades urbanas ou nos usos de terra. Enquanto a localização ainda pode ser pressuposta como uma mercadoria a ser comercializado em um (conquanto restrito) mercado, a produção do espaço escapa ao processo de mercadorização e cai totalmente no domínio do social a ser desempenhado no nível coletivo. (26).
 
 

A totalidade das condições materiais de vida emergem novamente no processo urbano. Com a condição de que desta vez não excluiamos do processo urbano, sua essência na produção de mercadorias e o restrinjamos a "movimentos sociais" (27) (isto é, a força sociais de produção não ancoradas nas relações de produção), o processo urbano adquire uma especificidade conforme a crise decorrente de ameaça evidente de reificação das relações sociais e a primazia de forma mercadoria. Os limites da mercadorização não advêm somente da (necessiade de ) organização espacial, mas o estudo da organização espacial destaca tais limites pelo fato de realçar o crescente papel necessariamente da produção coletiva e a regulação na produção social. Isto não deveria ser obscurecido por tentativsa feitas no sentido de preservar as relações (capitalistas) de produção, afirmando e reafirmando a forma mercadoria e a regulação do mercado, nem através do disfarce do Estado atrás do "interesse geral", ou ainda escondendo a flagrante violação de relação sociais reificadas através da intervenção do Estado travestida de "racionalidade". Incidentalmente, tais tentativas explicam a retórica (liberal) de planejamento que acompanha a intervenção estatal, que ostensivamente se submente ao princípo da regulação do mercado, enquanto, no intuito de preservá-lo, ele é forçada a circunscrevê-lo cada vez mais (29).

Contundo, por mais liberal que seja, a retórica não pode reverter a (contra)tendência de estreitamento dos limites à produção de mercadorias. "Crises de acumulação" podem ser superadas através da desvalorização geral do capital e da reorganização da produção e da reprodução (em um processo longe de ser isento de intervenção estatal)  (30). Mas a dialética da forma mercadoria não é simplesmente um movimento pendular no qual períodos de retração da forma mercadoria podem ser seguidos pelo seu restabelecimento meramente através de sua rearfirmação como forma dominante tanto na produção como nas relações sociais. A análise de organização espacial sugere que o aumento da intervenção do Estado, ou a ampliação da produção direta de valores do uso, só se reforça com o desenvolvimento da produção, pois, quanto mais o espaço for diferenciado pela força da produção de valores (incluindo a mais valia postulada como 'lucro'), maior a necessidade de homogeneização do espaço através da produção de valores de uso. A implicação ou a última consequência da retração da forma-mercadoria não é uma limitação à expansão da produtividade do trabalho e portanto, à reprodução ampliada, senão antes, a cessação da primazia da forma-mercadoria na produção, e a superação da reificação das relações sociais como o princípio dominante na organização social. Enquanto isso, o antagonismo entre a forma mercadoria e a intervenção do Estado continua sendo a força matriz atrás da acumulação intensiva -- ou, em outras palavras, do processo urbano capitalista.
 
 
 

NOTAS

(*) Tradução de "The market and the State in the spatial organization of capitalist production" BISS Working Paper 12 -Bartlett School of Architecture and Planning, University CollegeLondon, London, 1988

(**) Agradeço a Mike Edwards e Jörn Janssen por valiosos comentários a uma versão anterior do texto.

(1) Economia vulgar: como definida por Marx, ou seja, aquela que "chafurda no arcabouço aparente [das relações de produção], ruminando incessantemente material há muito revelado pela economia política científica, e procurando aí explicações plausíveis dos fenômenos mais rudimentares, para o uso caseiro da burguesia" (n.34, Cap.I de Capital I). Vale acrescentar que seria um equívoco grosseiro atribuir as platitudes da economia vulgar à simples ignorância de seus produtores e promulgadores. Por sua substituição da essência pelas aparências, a economia vulgar, ensinada nas escolas e difundida pelos meios de comunicação, é poderoso instrumento de produção da apologética do capitalismo e da própria ideologia burguesa.

(1)Um relato mais aprofundado pode ser encontrado em Deák (1985).

(2) No primeiro grupo veja, por exemplo, Lojkine (1971), Alquier (1971), Lipietz (1974), Edel (1975) e Broadbent (1975). Para crítica e debate veja Ball (1977), Murray (1977,8), Fine (1979), Ball (1980) e Fine (1980b). Na revisão deste artigo em 1988 pareceu-me que um comentário adicional seria pertinente. A parte anterior (original) desta nota refere-se à situação nos meados de 1982 quando eu me encontrava finalizando minha própria interpretação crítica e histórica da teoria da renda, que se tornou a Parte I da minha dissertação de doutoramento, concluída três mais tarde (Deák, 1985), cujas demais partes se preocupam com a análise da transformação do processo individual de produção (incluindo uma abordagem do capital fixo e da substituição das técnicas de produção) em geral e a transformação do uso de terra (incluindo o anterior mais o pagamento pelo uso da localização) em particular. Até onde eu vejo, contudo, a situação não se alterou muito desde então. Minha atenção se voltou para Ball et alii (ed.1985), por exemplo. No entretanto, por mais contribuição efetiva que a mesma traga à abordagem de algumas 'questões urbanas', essa coletânea é tudo, menos uma ruptura decidida com a teoria da renda. Este não é o lugar para substanciar esta opinião, e assim posso apenas ilustrá-la lembrando tão somente o título do livro, a saber, Land rent(!), Housing and Urban Planning (Renda da terra, habitação e planejamento urbano). Concluindo esta nota quero reiterar que meu objetivo aqui não é meramente advogar uma 'visão crítica' em relação à teoria da renda, senão, adicionalmente, mostrar que a crítica da teoria de renda conduz à rejeição dessa última de uma vez potr todas; e ainda, indicar os caminhaos abertos por essa rejeição para a análise do processo de produção em geral, incluindo a sua organização espacial, em particular (N. do A, 1988).

(3) Igualmente, a Economia Política, não considera a transformação do processo individual de produção. Mesmo em Marx, e não obstante a sugestão correta do conceito de desvalorização, não existe em toda obra a abordagem do capital fixo/circulante. Foi Engels que o inseriu no vol. III do capital: " A única distinção essencial do capital que impressiona o capitalista se refere ao capital fixo ou circulante" (Marx, 1959ed:75); contundo, permanece uma citação isolada, seguida apenas de um exemplo numérico.

(3a) O mesmo foi exposto em mais detalhes em Deák (1987) "Uma interpretação histórica da teoria de renda" Revista de Desenvolvimento Urbano e Regional 2(1):41-57, e republicado em Sinopses 18:26-39 (1992)

(4) Fine (1980a), pp.145ss.

(5) No comunismo primitivo, onde a produção não é individualizada, não é necess rio que o território esteja estruturado em espaço. E claro que seus membros e os objetos da comunidade não deixam de se monimentar dentro do território, o qual, por sua vez, é usado em sua forma natural e não é transformado através do trabalho; as localizações não se formam individualizadas. é isso que permite a tais comunidade de se deslocar de um território para outro facilmente como efeito de um impulso externo, como, por exemplo, uma agressão por parte de uma outra comunidade ou sociedade, ou meras variações sazonais da natureza. Um pequeno número de tais formas de sociedade sobrevivem até nossos tempos, como, por exemplo, alguns grupos índigenas da região amazonica que ainda mantêm um território suficientememte grande para permitir sua forma "nativa" de vida.

(6) O plano Cartesiano é uma representação matem tica do espaço de um mercado unificado, onde os pontos são definidos em relação a "um único sistema de referência". A especificidade de tal espaço é definido metricamente, isto é, pela maneira pela qual são medidas as distâncias entre pontos.

(7) Note-se que a forma mais simples de localização: um pedaço de terra, Já constítui um produto social materializado, a partir simplesmente de um título legal escrito cuja concreção foi duramente sentida por qualquer pequeno proprietário inglês do século XVII, depois da abolição dos direitos feudais e da instituição dos direitos burgueseus (propriedade privada) sobre a terra. (veja Hill, 1967, p.147.)

(8) Deák (1985), especialmente capítulo 6.

(9) Rowthorn (1980), pp.183-4.

(10) Por acaso, tal reconhecimento abrevia a antiga disputa no que se refere a se "alugueis" (isto é, o pagamento pela localização são determinados pelo preço ou determinam o preço. Também implica que não pode haver uma "teoria locacional" ou em decorrência, uma teoria da organização espacial como tal, da mesma maneira como não pode haver um análise do processo de produção "em si", isto é, excluindo o aspecto locacional.

(11) à primeira vista, é surpreendente quão generalizadamente este capitalismo inicial tem sido chamado de "Comercio Livre" ou capitalismo "concorrencial". Tais têrmos, além de serem relativamente irrelevantes do ponto-de-vista de acumulação, facilmente conduzem ao engano de se considerar que durante cerca de dois séculos nesse estágio a Inglaterra seguiu uma política protecionista no sentido de permitir o desenvolvimento de suas próprias indústrias, livre da concorrencia dos paises industrialmente mais desenvolvidos da Europa do norte, durante um século e meio (Hill, 1967, p.181), e o "Livre Comércio" durante somente 20 anos (considerando duas ou três décadas de transição depois das guerras napoleonicas)). Este estágio que também poderia ser chamado de "capitalismo em um país dado que o mesmo se restringia em larga medida à Inglaterra, termina com a expansão do capitalismo pelo mundo no século XIX e d  origem ao imperialismo, estágio também comunmente erroneamente chamado de "monopólio" com uma variante posterior chamada de capitalismo "monopolista de Estado". (O monopolio não é somente específico cada estágio particular do capitalismo; ele não é específico nem ao próprio capitalismo). Por essa razão, além dos razoavelmente obvios têrmos "inicial" e "imperialismo", utilizamos nesse artigo também (estágio de) acumulação "predominantemente extesiva" e " predominantemente intensiva", como em Aglietta, 1976, onde estas expressões aparecem acompanhando conceito de regimes de acumulação. O conceito de Aglietta de regime de acumulação não deixa de ser problematico e não é necess rio que o aceitamos, contudo as expressões "predominantemante extensivo" e "predominantemente intensivo" se adequam para apontar um aspecto crucial de cada estágio, respectivamente: no primeiro, onde a expansão de produção de bens se basou principalmente na extensão das relações capitalistas de produção (i. é, trabalho assalariado) em detrimento das relações pré-capitalistas, enquanto no último, uma vez esgotadas as possibilidades do primeiro, onde a expansão só pode ocorrer através da intensificação da produção via progresso técnico (aumento da produtividade do trabalho).

(12) Como citado em Lenin (1969 ed), p. 138.

(13) Estas foram relegados por Marx ao limbo das "condições gerais da produção" assegurada pela eliminação do trabalho "improdutivo" (a melhor passagem se encontra provavelmente no "Grundnisse, pp 521, esp. 533).

Tal visão resulta da redução da produção capitalista à produção de bens, cujas últimas consequencias foram exploradas por Uno (1964) e que serão discutidas mais adiante. Pela mesma razão como não há lugar para o Estado no "Capital" de Marx...

(14) Esse exemplo foi tirad de um país socialista, mas os meios de regulação no socialismo são muito semelhantes aos encontrados no capitalismo, a diferença ( de outa maneira fundamental) sendo somente que a primazia na dialética da forma mercadoria, a saber, da produção dos valores de uso como mercadoria sobre a produção dos valores de uso como tal, fica invertida. Não tenho conhecimento de nenhum exemplo tão dram tico no capitalismo. No Brasil e em São Paulo em particular, houve um aumento significativo de atividade de planejamento e da intervenção estatal no início da década de 1970 e, de fato, houve uma queda nos preços relativos de  reas centrais e ao redor do centro na  rea metropolitana. Contudo, tal movimento não foi de longe tão intenso como no caso citado de Budapest e seu impacto foi amortecido ainda mais pela tendência generalizada de pagamento cada vez mais elevados pela localização como resultado do r pido crescimento (de 7% a.a.) e a diferenciação subsequente do espaço.

(15)HÁ uma ídeia enganosa no legado de Marx no que se refere a esse ponto a saber: a noção de que a Inglaterra é um "país modelo" no desenvolvimento do capitalismo no sentido de que na medida em que o capitalismo ia se espalhando pelo mundo, outros paises iriam seguir o padrão inglês. Embora esta visão tenha sido desafiada no que concerne "o periférico" em oposição à aqueles no "centro" da acumulação capitalista, o mesmo é amplamente associado no que se refere a paises hoje no centro. Em contraposição a esta visão, a periodização do capitalismo em estágio inicial e madura, acompanhada, respectivamente, da acumulação predominantemante extensiva e intensiva, permite considerar a Inglaterra com país único ao ínves de modelo, um país no qual o estágio inicial foi restrito e cujo desenvolvimento não seria seguido em nenhum lugar. Quando o capitalismo se espalhou pelo mundo em numerosos centros de acumulação, ela ia se encontrava num estágio maduro. A Alemanha, a França o Japão e os Estados Unids seguiram caminhos de desenvolvimento específicos, distintos sobretudo daquele inaugurado pela Inglaterra. No que nos concerne aqui especialmente, a forma renda nunca se desenvolveu naqueles paises como forma historica(dominante) de pagamento de locaçao.

(16) Isto também ocorre com as mercadorias, as quais " encerram" somente quantidades específicas de trabalho concreto, onde mesmo a quantidade de trabalho abstrato necass rio para a produção de uma determinada mercadoria é desprovido de sentido, dado que o trabalho necess rio somente pode ser definido no nível social em qualquer estágio vigente de desenvolvimento da prdução.

O não reconhecimento deste aspecto deu origem ao assim chamado problema de transformação, a transformação de valores em preços (veja, por exemplo, Kay 1979, Aglietta 1976 e uma interpretação do último em Driver (1981).

Nesse sendito, é preciso notar que Driver afirma que Aglietta resolveu o problema da transformação: seria melhor dizer que, de acordo com a visão de Aglietta, a fato não se constitui em "problema", dado que valores e preços não pertencem ao mesmo campo. De toda as maneiras, é mais difícil ver que não há sentido no "valor de uma mercadoria" porque a mercadoria parece que pode ser produzida individualmente; o mesmo se evidencia no caso de localização no espaço, as quais não podem ser conhecidos isoladamente.

(17) Hindess (1972), p.16 citado por Massey & Catalano (1978), p.52.

(18) Para uma definição de infraestrutura, em contraposição à superestrutura, veja nota (20) a seguir.

(19) Seguimos a visão de Aglietta segundo a qual com relação ao trabalho abstrato, ou trabalho necess rio, os valores semente podem ser definidos no nível o social (Aglietta, 19776, especialmente pp38-47). Apesar desta visão, contudo, o próprio Aglietta acaba por restringir o valor à forma mercadoria na qual o trabalho socialmente necess rio é diretamente validado, e a produção direta de valores de uso (não mercadorias) entram na sua análise como uma divisão de lucros, que por sua vez podem ser remetidos ao campo do valor "simplesmente como resultado ex-post sem maior significado" (op. cit, p.62)

(20)Infraestruturas: que sustentam juridicamente unidade de localização, ou (quando definidas na superfície da Terra e dentro de uma aglomeração urbana), lotes. Superestruturas: construções dentro do lote, que podem (mas não sempre) dar origem a mais localizações individuais tais como apartamentos e escritórios. A distinção mais importante entre infraestrutura e superestrutura diz respeito a que a primeira cai no domínio o do "publíco de modo a que tanto sua produção como uso são necessariamente desempenhados coletivamente enquanto a última (superestrutura) pode ser produzida, ser servida e usada por indivíduos, isto é, dentro do domínio da propriedade privada da produção de bens. Aqui estamos preocupados principalmente com a infraestrutura, mas é útil notar que a distinção entre a infra e a superestutura, e a delimitação precisa de uma localização dependem em ambos casos da maneira que pode se adaptar à prática social com o tempo pela qual a propriedade privada é definida no território.

(21) Ficou claro agora de que a história não sustentou o medo de Ricardo de que o capitalismo se deparava com uma tendência de estagnação de longo têrmo por causa da tendência da elevação dos aluguéis. A diminuição do pagamento pela localização em relação ao capital avançado total é especialmente pronunciado na manufatura (a própria produção indústrial), que mais adiante se tornaria o setor de produção dominante. A divisão de renda no capital avançou em todas indústrias (renda nacional menos lucros e juros) caiu de mais de 40% por volta de 1689 para 31% em 1801, 22% em 1865 em 1900 e para 5% em 1950 (fonte dos dados brutos: Deanna & Cole, 1967, p. 301). Mas mesmo na agricultura a "elevação secular" dos aluguéis tinha sido acompanhado por uma queda na participação dos aluguéis na valor do produto agrícola (Murray, 1978, pp.23,30-1).

(22) A posição em favor de uma "abolição" dos alugúeis implica no fato de confundir o capital com a quantidade de dinheiro. Pelo mesmo indicio pode-se-ia dizer que oos sal rios são uma "dedução" dos lucros (como na formulaçâp neo-ricardiana onde o sal rio é uma vari vel distributiva), como se a última precedesse o trabalho e o sal rio correspondente, e como se estas não fossem as próprias condições de sua existencia.

(23) Nesse sentido pode-se pensar que no socialismo ("existente") um antogonismo similar está ocorrendo entre a produção de valores de uso e a produção de valores de troca, com a óbvia diferença de que, enquanto o capitalismo a primazia é da forma mercadoria sobre a produção direta dos valores de uso, no socialismo, a polaridade está invertida, com a primazia do último sobre o primeiro, do planejamento sobre o mercado, e sobretudo das relações sociais sobre sua própria reificação. Tal analogia não deveria ser levada muito adiante sem maior aprofundamento, pois a dialética do planejamento pode não ser, e provavelmente não o é, simplesmente o "oposto" da dialética da forma mercadoria. Mesmo o ponto alcançado até aqui deveria aclarar, contudo, que a dialética de combinação de regulação entre capitalismo (ou do socialismo) não é questão de equilíbrio, ou um marcado e Estado, e, portanto uma ampliação do "Welfare State", por exemplo: não é uma tendência no sentidso do socialismo, nem, por exemplo, a China esta se "tornado capitalista" por sua "abertura ao marcado" depois de 1984.

(24) A superação da dicotomia cidade/campo, na qual o campo era o lugar onde o excedente (sob a forma de renda) era produzido, enquanto a cidade era o lugar onde o mesmo era trocado, no capitalismo Já deveria se encontrar rezoavelmente bem estabelecida. Este legado feudal de um conceito ressurge algumas vezes mesmo sob a forma de uma dicotomia "rural/urbano", que, por sua vez, facilmente seria tratado por, Ball (1979), por exemplo. O espaço urbano e o espaço capitalista, o processo urbano e o capitalismo, são, na verdade expressões equivalentes. A especificidade têrmo "urbano" pode ser no m ximo uma conotação utilizada para chamar atenção para alguns conflitos especialmente intensificados, mas em outro sentido nada especifição, conflitos na grande aglomeração urbana produzidos pela diferenciação do espaço no estágio da acumulação intensiva. Para estud -los, como mais um movimento no sentido da fragmentação das ciências sociais urbanismo, e par lidar com eles, uma disciplina especial, o planejamento urbano.

(25) As últimas consequencias da redução do capitalismo a uma "economia de mercadoria", tal com se encontram implícitas nos pressupostos de Marx são ilustrads por Uno (1964), e também por Sekine (1977), que chega à conclusão de que uma "sociedade puramente capitalista" jamais se desenvolver  pois "somente pode se aproximar da realidade" (em decorrencia dos limites de mercadorização da economia). Isto é identificar o capitalismo com a produção de mercadoria é difini-lo de maneira a que as sociedades reais se lhe escapem. Nesse sentido, sustentar que o "estado burguês " é uma instituição diferente do capital consiste tão somente num passo lógico ulterior (Sekine, 1977, p.154)

(26) Mesmo a moradia, uma simples "superestrutura", tem resistido obstinadamente contra sua transformação em mercadoria contra todas as tentativas no sentido de estender a produção de mercadoria a este componente do sal rio, que, em paises "periféricos" (ou ex-colonias) pode atingir mais do que 40% do sal rio (veja, por exemplo, Mautner, 1986, onde as condições concretas e as tentativas no sentido mercadorização moradia são esboçadas.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

(27) Como reação à abordagem economicista, muitos estudantes de urbanismo tentaram resgatar a "totalidade de vida" em suas ana'lises. Contudo,o que seria comumente designado por algo como " o peso esmagador dos muitos aspectos do processo urbano", mas que, na realidade, não é nada mais que do que a falta de capacidade ou de vontade de se elevar a um nível de crítica a acima de ideológia dominante, conduziu frequentemente à seleção de alguns aspectos particulares ou aspectos e sua promoção a 'objeto de estudo' autônomo com direito próprio -- uma forma arquétipa de tal procedimento sendo a influente (dos meados dos anos 70 até os meados dos anos oitenta) abordagem que focaliza 'movimentos sociais urbanos' (Castells, 1972 etc.). A dificuldade reside na recuperação do que falta para a 'totalidade da vida' sem perder a conexão (como faz Castells), com seus fundamentos originais, que no capitalismo continuam deitados na produção de mercadoria. Muito pouco tem sido produzido e esse respeito; pode-se citar no entanto Mike Edwards em "Notes..." (Edwards, 1980).

(28) As políticas seguidas no final dos anos setenta e nos primordios dos anos oitenta por parte dos governos nacionais dos paises imperialistas se referem precisamente a uma tentativa crescentemente desesperadora no sentido de recondução ao processo de mercadorização de suas economias. (O estado capitalismo tem que tentar isso, dado que assegurar, as condições da produção de mercadoria consiste na sua verdadeira "razão de ser mesmo quando erra estalmente quando a negação da forma mercadoria não pode restaurar a última: a privatização é a mesma coisa mercadorização. Tais políticas tem sido resumidas como "Realnismo" e "Thacherismo" e um bom resumo das mesmas (isto é, dos casos dos Estados Unidos e do Reino Unido) podem ser vistos em Tomaskovic Devey & Miller (1982) e em Goughá(1982), respectivamente. Estas obras permitem as seguintes obeservações: em primeiro lugar, Tomaskovisk Devey & Miller usam o termo "recapitalização e não mercadorização.

Dado que estes autores querem claramente significar remercadorização ("recapitalização do capitalismo") et seq.,p.24, isto mostra quão forte é a ídeia de identificar o capitallismo com a forma mercadoria, no lugar do predomínio da forma mercadoria. A distinção, contudo, é importante pois, de outra mameira, crises de acumulação não podem ser distinguidas de crises de "mercadorização" (veja também a observação anterior sobre a hiperabstração de tipo Uno). Em segundo lugar, ambos relatos seguem a visão amplamente sustentada segundo o qual tanto o governo dos Estados Unidos como do Reino Unidos estavam de fato fazendo o que eles diziam estar fazendo, a saber, "diminuindo o geverno" - sobretudo em decorrência de suas política de redução de sal rios sociais e de "privatização". No par de anos que se passaram entre os escritos dequeles autores e este artigo (esta nota, em Deák, 1985,p.227 e ss). tornou-se provavelmente mais visível, contudo, que ver "um passo a mais (sic) no sentido da centralização do estado e intervenção estatal, obscurecido por uma retorica de descentralização" como uma alternativa ao "Thacherismo" (Gough, op. cit, p.62) é tolice precisamente com relação a retorica da descentralização. A primeira obra é de fato mais uma descrição acurada do que é o "Reagonismo/Thatcherismo" do que uma alternativa ao mesmo. Pois se tais governos de fato reduziram os sal rios sociais e privatizaram numerosas empresas estatais (algumas sob condições bastante desvantajosas em relação ao mercado, eles também aumentaram bastante sua própria intervenção em muitos campos diferentes, desde o envia de policiais contra trabalhadores em greve a aumento as despesas do Estado para socorrer grandes banco em falencia, tentar do mesmo (embora tenham falhado nesse aspecto) intervir no mercado monetário, o derradeiro regulador as finanças mundiais, e criando cada vez mais instrumentos de controle do Estado em níveis supra nacionais. Se a extensão de tais intervenções é nova, o que também é novo é a dificuldade encontrada pelo Estado em alcançar a legitimidade a ponto de levantar a questão de "governabilidade das democracias"   medida de Crozier et alii (1975), devido precisamente à clivagem entre o que está sendo feito e o que deveriam estar fazendo ou ainda ao que devemos pensar que está fazendo.

(29) Cuja essência é, como nas palavras de Edwards (1985, p.208), que "ativos públicos antigo e massas falidas privadas estão sendo desvalorizadas às custas coletivas até o ponto no qual elas podem ser compradas de maneira tão barata que investidores privados podem geri-las" (CD,1988).