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cd 06.4.24

Obras paradas em São Paulo

Csaba Deák
 
Entrevista a Luiza Caires, 2004.12.1
Para uma matéria da revista Babel (ECA-USP) sobre obras paradas.




















































1) Nome completo, especialização, com o que trabalha atualmente.

Csaba Deák, arquiteto, professor livre-docente da FAUUSP. Leciona urbanismo e planejamento na graduação e na pós-graduação.

 2) Além de não fornecer o serviço para que foi pensada para a população, qual o impacto de uma obra parada no contexto da cidade?

Uma obra parada evidentemente constitui um transtorno na cidade, dando a impressão – correta—de desleixo, abandono e desperdício dos recursos já investidos nela. Tem o mesmo significado para a sociedade como um todo: como foi noticiado essses dias, apenas 20% das estradas brasileiras estão em condições normais de operação. Assim, os 80%, um investimento de enorme vulto, opera abaixo da capacidade pela falta de investimento na mera manutenção, originando perdas de eficiência e, portanto, de novo, desperdício de recursos. Mas essa é uma característica geral da sociedade brasileira: manter suas infraestruturas sistematicamente em níveis e qualidade precárias. Esse é um dos meios –além de inúmeros outros, tais como, falta de crédito, juro alto, entreguismo levando à desnacionalização—de fragilização deliberada da estrutura produtiva, impedindo o desenvolvimento e reproduzindo o status quo da sociedade de elite.

 (Deák, 1991) “Acumulação entravada no Brasil”

 3) Sobre o caso específico do fura-fila:

O sr. já ouviu falar do professor Nicolau Fares Gualda? É um professor da Poli que afirma que o Fura-fila tem um grave defeito de engenharia que nunca permitirá que ele seja concluído? O sr. já ouviu falar em falhas de engenharia no projeto do Fura-fila?

Ouvi sim, ele é, penso, chefe do Departamento de Transportes da Poli. Não sei de ‘falhas de engenharia’ do Fura-fila; mas o fura-fila é um verdadeiro crime urbanístico (um outro é a linha Campo Limpo-Lgo Treze do Metrô, que liga o nada a coisa nenhuma e volta – vazio). O vale do Tamanduateí já constitui uma das piores barreiras na estrutura urbana de SP, formada pelo rio, canalizado, com suas marginais, o canal sobreelevado no trecho próximo ao centro, sua ocupação rarefeita constituída por armazéns e edificações industriais abandonados, e que isola a Zona Leste, uma região-dormitório, da zona Sudoeste com eixo na Paulista e alta concentração de empregos. O trecho que vai do Centro até a Anhaia Mello tem uns 8km de comprimento e apenas três travessias, uma extremamente precária. Com a construção do fura-fila, uma estrutura elevada, a transposição dessa barreira fica ainda mais problemática. O fura-fila é um meio de transporte de baixa capacidade cujo benefício não chega perto do transtorno causado. O Tamanduateí precisa de estruturas que o transpõem, ao iinvés de correr ao longo dele.

 (Deák, 1997) “EIA do VLP”

 
 4) As obras da linha 4 do metrô já começaram, mas também atrasadas, por problemas jurídicos e de licitação. Como o sr avalia o impacto desta demora no transporte urbano de SP? O sr. acha que falta transporte de massa na região metropolitana?

A Linha 4, que eu chamaria de Pinheiros, deveria ter sido a terceira linha após a Norte-sul e a leste-oeste (esse que nunca chegou ao oeste). Em vez, foi construída a Linha Paulista, e na hora de começar finalmente a Pinheiros, a construçao do Metrô parou de vez (1989) –e não foi por ‘por problemas jurídicos e de licitação’-- por quase dez anos (!). E quando recomeçou, foi para construir o “rabecó”, o trecho já mencionado no Campo Limpo perdida na periferia, isolado do resto da rede e inteiramente inútil.

 A Linha Pinheiros –Linha 4– é de importância primordial para transformar a cruz formada pelas duas primeiras linhas em uma rede, ainda que embrionária, além de ser essencial para a revitalização do Centro. É ela que daria acesso rápido a toda a Zona Sudoeste com sua população de alta renda (cf Mapa) ao Centro, que assim voltaria a ser o lugar mais acessível da cidade. Não é pintando fachada e colocando polícia que o Centro será revitalizado.

 (Deák, 1990) “Elementos de uma política de transportes para SP”

 
5) E quanto ao caso específico de prédios privados que começam a ser construídos e ficam parados durante anos, chegando até a serem invadidos por moradores de rua? Porque isso acontece? Quais problemas decorrem disso para a cidade?

Nesse caso o prejuízo é bem menor --incomparavelmente menor--, tratando-se de casos isolados e de pouca monta. Trata-se muitas vezes de obras irregulares que não obedecem às prescrições de uso do solo e por isso embargadas; outras vezes resultam da falência do empreendedor.


6) Falta fiscalização da população e da imprensa sobre as obras da cidade, e, no geral, sobre o uso do dinheiro público? O que o sr. acha que poderia ser feito para mudar isso?

Só mudando a sociedade – o que é tarefa para forças e antagonismos sociais, não para indíviduos... Mas tais forças resultam de ações concretas individuais e cabe a cada um trabalhar nesse sentido, cada qual em sua área. O bom jornalismo certamente pode(ria) contribuir muito.



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