Publicações




cd 06.4.24

Transporte público, uma condição de desenvolvimento
Csaba Deák
 
Caros Amigos, edição eletrônica • Seção "República"
2006, maio.



































Transporte público, uma condição de desenvolvimento

Csaba Deák *

Cidades são construídas à imagem das sociedades que as produzem.

 
Capitalismo é movido pela tendência à mercadorização –produção de valores de uso enquanto valores de troca-- da maior parcela possível da produção social. No tentanto sempre há uma parte que não pode ser mercadorizada, mesmo que necessária para sustentar a produção de mercadorias. Essa parte é assumida pelo Estado na forma de produção direta de valores de uso, designados coletivamente por infraestrutura.

O nível de infraestrutura necessário depende do estágio de desenvolvimento: em seu estágio inicial, técnicas mais rudimentares podiam operar sobre uma infraestrutura também rudimentar, ao passo que o atual patamar tecnológico e a diversidade da estrutura de produção exigem da infraestrutura níveis de serviços mais elevados. Assim é também nas aglomerações urbanas, onde o transporte público é um dos elementos determinantes de infraestrutura.

O capitalismo da sociedade de elite brasileira difere das sociedades burguesas dos países ditos centrais, ou desenvolvidos. O princípio da acumulação aqui fica subordinado ao princípio de expatriação de excedente, resultando em um processo de acumulação entravada. O nível de reprodução da força de trabalho, que define as condições urbanas, é baixo; e as infraestruturas são precárias e fragmentadas, participando dos entraves ao pleno desenvolvimento das forças produtivas.

Transporte é infraestrutura precisamente por não poder ser transformado em mercadoria. A ‘mercantilização’ do transporte é tão-somente um pseudo-conceito do discurso neoliberal.

Mercadoria tem preço; serviço público tem tarifa. Tarifa não é para cobrir custos de produção; já assumidos pelo Estado. Tarifa regula a distribuição do serviço, vale dizer, quem tem acesso a ele. Alguns serviços são gratuitos; outros são tarifados, dependendo do estágio de desenvolvimento. Transporte público é geralmente tarifado, ainda que abaixo do custo de produção: o Estado cobre a diferença na forma de subsídios. Por sua vez a tarifa pode ser única ou proporcional à distância –que penaliza a periferia--; pode também ser diferenciada para os diversos grupos de usuários, como estudantes e idosos, ou ainda por frequência de uso na forma de passes semanais, mensais e até anuais – que favorece os usuários frequentes como trabalhadores e estudantes.

A universalização depende da eliminação da precariedade e insuficiência crônica da provisão de determinada infraestrutura. De que adianta abrir as catracas de uma linha de Metrô já saturada? No entanto, só com transporte podem os trabalhadores chegar aos locais de trabalho ou acessar os recursos de serviços essenciais, de cultura e de lazer que a cidade oferece. Assim, o movimento passe livre constitui uma pressão, ainda que indireta, pela eliminação da precariedade congênita da infrastrutura e em última análise, desafia o próprio princípio de organização da sociedade de elite, vale dizer, a manutenção do status quo.

 E nesse sentido, é um movimento progressista.

 

* Professor de planejamento urbano da FAUUSP.    http://www.usp.br/fau/deak




Topo
Publicações