Observações
Eppur si
muove?
"Cumprir a lei se
tornou quase uma coisa inimaginável"
Paulo Brossard
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O
inimaginável acontece
CLÓVIS ROSSI
À primeira vista,
parece perfeita a análise do procurador federal Jorge
Luís de Camargo,
publicada ontem pelo "Painel do Leitor" desta Folha,
obviamente sobre o caso Daniel Dantas. Diz o procurador que se trata de
"exemplo perfeito de plena democracia e funcionamento das
instituições e
dos Poderes do país, pois o banqueiro foi preso e solto duas
vezes por ordens
judiciais dadas por juízes independentes, que agiram conforme
suas convicções e
amparados, cada um com sua interpretação, na
Constituição federal." Se
você olhar para trás, ótimo. Há uns 30 anos,
pouco mais ou menos, prendia-se
gente clandestinamente (e não se soltava). Não se usavam
algemas apenas, mas
"pau-de-arara" e outros instrumentos medievais. Não havia
espetáculo,
como agora, mas tampouco havia lei. Melhoramos em algo, pois. O
problema vem na
frase seguinte, nas "convicções" e
"interpretações" de cada
autoridade judicial, amparadas na mesma Constituição. Que
deva haver margem
para interpretação, parece indiscutível. Mas
começa a ser tremendamente
inquietante que a margem seja tão elástica a ponto de
abrir um confronto não
apenas entre integrantes do Judiciário, mas entre parte destes e
parte do
Executivo. Bem feitas as contas, há, nessa margem, um grau de
arbítrio,
"pau-de-arara" à parte, que guarda remoto parentesco com os
velhos
tempos. Se tudo não passa de convicções e
interpretações, em vez da letra clara
e límpida da lei, ficam os cidadãos à mercê
de tribunais que, como diz o
notável jurista que é Paulo Brossard, "não
são formados nem de santos nem
de sábios". Se não são, melhor seriam
códigos que limitassem ao máximo a
margem de interpretação. Do jeito que está,
torna-se aterradora outra frase de
Brossard na entrevista ontem publicada pela Folha: "Cumprir a lei se
tornou quase uma coisa inimaginável"
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