Observações
Cf. Plano Collor apresentado no dia da
posse do presidente eleito
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TENDÊNCIAS/DEBATES
O país do faz de conta
MARCO ANTONIO VILLA
Todos falam que
é preciso mudar. É um discurso vazio. A maioria do
Congresso não deseja nenhuma mudança de fundo
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O BRASIL é o país do faz de conta.
No ano passado, foi
louvado o 20º aniversário da Constituição. Os
três Poderes foram elogiados, especialistas falaram da
importância do Ministério Público,
seminários e livros foram realizados e editados, como se
vivêssemos em pleno equilíbrio e funcionamento eficaz dos
Poderes.
De nada adiantou o oba-oba, pois, nas
últimas semanas,
assistimos a mais uma sucessão de embates entre os Poderes,
além de sérias divergências no interior de cada um
deles -isso só para ficar na esfera federal.
A realidade acabou, mais uma vez, se sobrepondo
aos Afonsos Celsos que
proliferam no Brasil, os ufanistas de plantão sempre prontos a
engrossar o coro de que vivemos em uma democracia com
instituições
democráticas plenamente consolidadas. Estranha democracia em
que, na
suprema corte, um ministro acusa seu presidente de desmoralizar o
Judiciário e, no dia seguinte, o acusado considera o fato
absolutamente
normal, como se fosse uma divergência de mesa-redonda de futebol.
Já o
acusador foi almoçar no Rio de Janeiro com uns amigos, como se
estivesse gozando férias. Corte em que, aliás, um dos
ministros
utiliza-se do cargo para obter privilégios a amigos e familiares
no
aeroporto internacional do Rio de Janeiro.
Semanas antes, o senador Jarbas Vasconcelos
acusara a cúpula do
PMDB de ser corrupta. A grave denúncia foi recebida com
naturalidade, como se se tratasse de uma divergência musical. Os
atingidos preferiram o silêncio, certos (e têm enorme
experiência nessa especialidade) de que o melhor era evitar o
debate, pois logo o assunto cairia no esquecimento, substituído,
como de hábito, por outra denúncia. E foi o que ocorreu.
Mas a balbúrdia legal continuou. O TSE
agiu como a antiga
Comissão de Verificação de Poderes, da
República Velha, famosa por anular eleição quando
o opositor era o vencedor: tempos do voto de cabresto, das atas falsas.
No Maranhão, o governador Jackson Lago foi
apeado do poder. Foi
um
golpe às claras, organizado por uma família que tiraniza
há mais de 40
anos aquele Estado, o mais pobre do país. O que aconteceu? O
país
silenciou. Ninguém protestou. Nem o partido do ex-governador
(ilusão
imaginar que o PDT perderia a "boquinha" do Ministério do
Trabalho). E
estamos com as instituições democráticas
consolidadas... O presidente
da República eleito em 2010 irá governar com um Congresso
muito
semelhante ao atual.
Como de hábito, haverá
renovação
próxima dos 40%. As práticas, porém,
deverão continuar as mesmas. A desmoralização da
atividade parlamentar chegou a tal ponto que o político comunica
por meio da imprensa quais os cargos que deseja para apoiar o governo:
a partilha da máquina pública é realizada
abertamente.
Alguns congressistas têm uma lista pronta,
são
especializados em certas áreas. O senador José Sarney,
por exemplo, tem um gosto especial pelo setor elétrico, um apego
à Eletrobrás, Eletronorte e congêneres -como se
tivesse cursado direito à força, pois sua
vocação seria a engenharia elétrica. Outros
preferem a Sudam, como o deputado Jader Barbalho, especialista em
ranários. A lista poderia ocupar toda esta página e
faltaria espaço.
Todos falam que é preciso mudar. Mas
é um discurso vazio,
sem nenhum
efeito prático. Na verdade, a ampla maioria do Congresso
Nacional não
deseja nenhuma mudança de fundo. Querem e vivem do saque
organizado do
Estado, que, no Brasil, recebeu a curiosa denominação de
presidencialismo de coalizão. Como se a aliança
estabelecida entre o
Executivo federal e a sua base no Congresso tivesse algum
princípio
político. A crise do Congresso tem no Palácio do Planalto
uma de suas
raízes.
Essa relação perversa ("é
dando que se recebe")
poderá mudar se o
presidente eleito apresentar ao Congresso um plano de governo,
estabelecendo aliança de sustentação com base em
uma agenda
programática.
Poderá modificar o rumo da história
apresentando
inicialmente, em rede nacional de rádio e TV, o seu plano de
governo e conclamando o apoio da nação e, evidentemente,
dos partidos com representação no Congresso.
O efeito pedagógico dessa medida
certamente influenciaria as
esferas estaduais e municipais, onde se repetem os mesmos problemas.
Seria o primeiro passo, rompendo o principal elo de
desmoralização do Legislativo.
Os três Poderes devem passar por uma
reforma urgente. Mas nada
indica que isso ocorrerá em curto prazo. A
desmoralização das instituições vai,
infelizmente, continuar.
MARCO ANTONIO VILLA, 53,
é professor do
Departamento de Ciências Sociais da UFScar (Universidade Federal
de São
Carlos) e autor, entre outros livros, de "Jango, um Perfil".
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