Acumulação
entravada no Brasil
Csaba Deák Notas
de aula
85 Mãos
polidas ou polutas?
FRANCISCO
FOOT HARDMAN FSP 16
3 20:11
Agora tudo ficou claro. Sergio Moro, o juiz-mor da Lava
Jato, queria só fazer jus ao título de grande agitador
das massas. Subversivo, para ninguém duvidar: o novo
campeão da "agitprop".
Na Operação Lava Jato, a perícia é instalar uma máquina
inquisitória interminável, a serviço dos mesmos poderes
que já comemoram a próxima derrubada do governo e a
destruição de seu oponente mais difícil. Aqui não se
ouve, prende-se. Aqui não se solta, extrai-se delação.
Aqui não se ajuíza, panfleta-se. Que o timing
concatenado de seu vazamento fabricará a "verdade" do
dia.
Eduardo Cunha, presidente da Câmara, inventou as
pautas-bombas para livrar a própria cara e permanecer
onde está. O juiz-mor faz da agitação processual sua
bomba de efeito moral, mesmo que às custas do
atropelamento de qualquer legalidade. Contra os agentes
do poder estatal que se protegem na sombra, a sombra de
um grampo transparente em sua obscuridade.
Quando representantes oficiais da Justiça assumem a
ideologia da transparência total, que qualquer aluno de
primeiro ano de linguística sabe ser falsa, é certo que
haverá tantos outros interesses escusos, tantos outros
partidarismos em trama.
Dos mitos redivivos da "Mani Pulite" (mãos polidas,
limpas) e de Watergate, mal se disfarça a obsessão em
fazer do inquérito um desfile de fases intermináveis em
sua nomeação/enumeração, que parecem ser pilar de uma
instância autônoma do poder policial-judiciário
condenada a se propagar sem meta final, requisito de
qualquer investigação de interesse público.
A Lava Jato é o "Processo" de Kafka feito para se
eternizar, meta que agentes de uma Justiça e uma polícia
autorreferentes cobiçam como sonho autocrático. E que é
afinal populista, porque ancorada na publicidade
extremada, na sensação dos segredos palacianos expostos,
na humilhação do ex-presidente Lula, que deve voltar às
origens de onde nunca deveria ter saído, para a sanha
dos que não o vencem nas urnas.
E Brasília? O
país deve assistir agora ao inusitado processo dirigido
por um Congresso de réus, encabeçado por duas figuras de
forte matiz delinquencial –os presidentes da Câmara e do
Senado.
Isso não importa? Para a bazófia oportunista do
grão-tucanato, certamente não. Mais vale um poder
central na mão, nesse atalho cômodo, no cálculo das
poucas dezenas de deputados venais que faltam para o
butim, do que ter que correr atrás, daqui a dois anos,
de mais de 50 milhões de votos.
Aécio Neves, o inconformado, o neto que faria Tancredo,
o legalista, corar, trocou o programa eleitoral que
nunca teve pela sala de espera do impeachment. Já o
vice-presidente, Michel Temer, agora incensado pelos
sonhos igualmente golpistas de José Serra, parece não
ter o que temer. A Fiesp o resguarda; Cunha, réu unânime
no STF (Supremo Tribunal Federal), idem. Orquestrados,
todos.
E a Justiça populista subversiva vai iludindo as massas
ignaras com o mito do justiceiro contra o dragão da
corrupção: um caçador de marajás de capa preta. Já vimos
esse filme antes.
Michel Temer poderá assim
vestir a faixa que lhe cabe, não a de chacal, por favor,
mas a de pacificador popularíssimo como um bolero
bolorento.
Se a política degenera, pré-condição da emergência do
fascismo de cada dia, de cada rua, isso já não é com os
técnicos da toga ou da pura propaganda. E as "Mani
Pulite", nessa lenda urbana do juiz-mor e de sua
operação sem fim, vão se mostrando, irremediavelmente,
mãos polutas, calcadas naquilo que nenhum conceito de
justiça contempla: manipulação.
O resto se chama tragédia brasileira. Quem responde por
ela assim, convertida numa Grécia impensada, sem ruína e
sem misericórdia?
FRANCISCO FOOT HARDMAN, 64, doutor em filosofia pela USP e professor
do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, é
atualmente responsável pela cátedra em história da
cultura brasileira na Universidade de Bolonha (Itália)
O país deve assistir agora ao
inusitado processo dirigido por um
Congresso de réus, encabeçado por duas
figuras de forte matiz delinquencial --
os presidentes da Câmara e do Senado.