Folha S.Paulo, sexta-feira, 27
de junho de 2008
País
ignora o que ocorre em 14% da Amazônia, diz Incra
Um levantamento do Incra revela que o
órgão
ignora o que se passa em 710,2 mil km² da Amazônia Legal,
que compreende 59% do
território do país. A área, composta de terras
federais não-contínuas,
representa 14% da região e 65% da parte sob responsabilidade do
instituto. A
maior quantidade de terras de situação fundiária
desconhecida fica no Pará
(288,6 mil km²). (p.4)
14% da
Amazônia é "terra de ninguém", diz
estudo oficial
Incra não sabe
quem tem
posse de área que equivale aos Estados de SP, RS e PR
Levantamento feito pelo instituto do
governo revela que maior quantidade de terrenos desconhecidos
está no Pará, com
288,6 mil km2
EDUARDO
SCOLESE
DA
SUCURSAL DE BRASÍLIA
Um levantamento recém-concluído pelo
Incra (Instituto
Nacional de Colonização e
Reforma Agrária) revela que o órgão desconhece uma
área da Amazônia Legal que,
somada, equivale a duas vezes o território da Alemanha ou
às áreas dos Estados
de São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná juntas.
O Incra não sabe
se esses 710,2 mil quilômetros quadrados estão nas
mãos de posseiros ou de
grileiros. Nem o que está sendo produzido, plantado ou devastado
nessas terras
públicas da União. O volume desconhecido, que representa
14% da Amazônia Legal
e 65% da parte sob responsabilidade exclusiva do Incra na
região, está
espalhado pelos Estados do Norte e Mato Grosso. Também na
Amazônia Legal, o
Maranhão não possui terras nessa situação,
segundo o levantamento do órgão
obtido pela Folha.
A maior quantidade
de terrenos desconhecidos do ponto de vista de situação
fundiária está no Pará,
com 288,6 mil quilômetros quadrados, área equivalente ao
Rio Grande do Sul e
que representa 23% da área total do Estado. No Pará,
chama a atenção o fato de
as "manchas" desconhecidas estarem sobrepostas às rodovias
BR-163
(Cuiabá-Santarém) e Transamazônica e ao leste do
Estado, onde há o forte avanço
da pecuária e da mineração.
No ranking, o Pará
é seguido por Amazonas (141,8 mil quilômetros quadrados) e
Rondônia (89,3 mil
quilômetros quadrados). Em relação ao tamanho do
Estado, o maior percentual de
terrenos desconhecidos está em Rondônia (37%), Roraima
(29%) e Amapá (25%).
Para mudar esse
quadro e fugir da visão parcial de satélites, o Incra
terá de fazer a
regularização fundiária, ou seja, promover o
georreferenciamento das glebas
públicas federais, que é um mapa preciso com as
coordenadas da propriedade,
fazer a varredura in loco de cada uma delas, regularizar os documentos,
afastar
os grileiros e dar uma destinação a essas áreas,
como transformá-las em reserva
ambiental e assentamento ou simplesmente incluí-las no eixo de
desenvolvimento
da economia local.
Dos 710,2 mil
quilômetros quadrados de áreas desconhecidas, o governo
pretende concluir o
trabalho em pelo menos 200 mil quilômetros quadrados delas
até o final deste
ano.
"O nosso
objetivo é estabelecer um plano para os próximos cinco,
seis anos. O momento
exige que a gente faça mais e mais rápido", disse o
presidente do Incra,
Rolf Hackbart. "Mas [esse prazo] não [pode ser cumprido] com o
Incra como
está hoje. É preciso mais servidores e mais equipamentos,
além de parcerias com
os militares e com os institutos de terra dos Estados. Não
queremos mais
grilagem, e sim terra legal na Amazônia Legal."
O documento do
Incra será entregue na semana que vem pelo ministro Guilherme
Cassel
(Desenvolvimento Agrário) ao colega Mangabeira Unger (Assuntos
Estratégicos),
em reunião do PAS (Programa Amazônia Sustentável).
A idéia de
Cassel,
do qual o Incra é subordinado, é apontar a divisão
de responsabilidades na
Amazônia Legal. Segundo o documento, cabe ao Incra uma
extensão não-contínua de
1,1 milhão de quilômetros quadrados da Amazônia
Legal , sendo cerca de 35%
disso áreas de assentamentos. O restante dos 5 milhões de
quilômetros quadrados
(59% do território nacional) cabe ao governo do Amazonas,
à Funai (Fundação
Nacional do Índio), ao Ministério do Meio Ambiente e
às Forças Armadas, entre
outros.
*
Exército
tenta regularizar 3.000
posses na Amazônia
Varredura de 30
mil km2 será no Pará, em região
conhecida pelo alto índice de violência
Operação começa dia 6,
em parceria com
o Incra, e deve custar R$ 9 mi; objetivo é regularizar
áreas próximas às obras
do PAC, na BR-163
MARTA SALOMON
DA
SUCURSAL DE BRASÍLIA
Em mais uma tentativa de regularização fundiária
da Amazônia, o governo
promoverá a "varredura" de uma área de 30 mil
quilômetros quadrados,
equivalente a 20 vezes a cidade de São Paulo, apurou a Folha.
Tropas do
Exército serão deslocadas para o Pará a partir do
dia 6. Três dias depois,
começa o trabalho de campo na região da BR-163, conhecida
pelo alto índice de
violência e grilagem de terras públicas.
A
operação, em parceria com o Incra (Instituto Nacional de
Colonização e Reforma
Agrária), custará R$ 9 milhões e consumirá
90 mil litros de óleo diesel na
identificação dos ocupantes de oito glebas da
União: Curuá, Curuaés, Gorotire,
Cachimbo, Sumauma, Leite, Imbauba e Jamanxim, de acordo com plano
acertado com
o Ministério da Defesa.
A
ação cobrirá menos da metade do território
das glebas localizadas nos
municípios de Novo Progresso, Altamira, Itaituba e
Trairão. O objetivo é
regularizar 3.000 posses nas proximidades de uma das obras mais
importantes do
PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) na
região Norte.
Segundo
levantamento feito pelo Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da
Amazônia), com base em dados do Incra, as posses irregulares
somam 429 mil
quilômetros quadrados, o equivalente a 8,4% da Amazônia
Legal. O trabalho do
Imazon leva uma pergunta no título: "Quem é dono da
Amazônia?".
"A
Amazônia é um mundo desconhecido, não é a
avenida Paulista; ninguém sabe quem
está lá", diz Rolf Hackbart, presidente do Incra, num
esboço de resposta. A
autarquia é responsável por gerir o cadastro nacional de
imóveis rurais.
Grande
parte das 300 mil posses irregulares, com até 15 km2, ocupadas
até novembro de
2004, teve dispensada a licitação para a compra por meio
de medida provisória
editada pelo presidente Lula.
"Desordenamento"
Depois de quase dez anos e três sucessivos esforços para
cadastrar as
propriedades da região, aquelas que tiveram a papelada validada
pelo Incra
somam 200 mil quilômetros quadrados. A área privada
regularizada equivale à
área do Paraná ou 4% da Amazônia.
"É
uma clara evidência do desordenamento fundiário da
Amazônia", avalia o
presidente do Incra. Entre as propriedades que tiveram documentos
validados ou
não, a maior extensão é dominada por "grandes
propriedades". Os
donos, quando conhecidos, têm os nomes mantidos em sigilo.
O
mais recente chamado ao recadastramento de propriedades, concentrado
nos 36
municípios que mais desmatam a Amazônia, terminou em abril
sem que 80% dos
proprietários de terra convocados protocolassem documentos no
Incra. Dos 15,4
mil proprietários imóveis que deveriam se apresentar,
apenas 3.080 atenderam ao
chamado. A partir de 1º de julho, eles não terão
como tomar financiamento para
produção.
Nem
mesmo unidades de conservação ou terras indígenas,
que representam 43% da
Amazônia Legal, têm a situação
fundiária totalmente regularizada, segundo
auditoria do Tribunal de Contas da União.
*
GOVERNO:
MINISTÉRIO VAI RECADASTRAR
ORGANIZAÇÕES ESTRANGEIRAS E ONGS
O
governo
federal lança na próxima semana um pacote de medidas que
obriga o
recadastramento das organizações estrangeiras em
atividade no país e condiciona
a atuação de ONGs na Amazônia à sua
inscrição no Ministério da Justiça, no qual
a interessada deverá especificar o seu ramo de
atuação. Para obter a
autorização, a organização terá de
prestar contas e deixar sua contabilidade à
disposição para consulta.
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