O paradoxo da Amazônia
Bruce Babbitt e Thomas Lovejoy
De
um lado, o Brasil avança na diminuição da
derrubada da floresta; de
outro, a IIRSA ameaça impossibilitar o alcance de metas nacionais
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A DESTRUIÇÃO das florestas
ameaça a sobrevivência de todo o planeta. Em
todo o mundo, a derrubada e a queima de florestas causam 20% do
aquecimento global, mais do que as emissões de gases de todos os
automóveis e caminhões. A maioria dos países vem
falando muito e
fazendo pouco para enfrentar o aquecimento global. O Brasil,
porém, é
diferente. O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, anunciou que o
Brasil vai reduzir o desmatamento da Amazônia em 70% até
2017.
Ao fixar essa meta, o país lidera o
mundo no esforço
internacional para combater o desmatamento e tem o direito de exigir
que as nações desenvolvidas cheguem a um acordo para
compensar os países em desenvolvimento por "serviços ao
ecossistema" fornecidos por florestas saudáveis.
No entanto, ao mesmo tempo em que o Brasil
avança, outro
programa, a
IIRSA (Iniciativa para a Integração da Infraestrutura
Regional na
América do Sul), ameaça acelerar a derrubada da floresta,
impossibilitando o Brasil de alcançar essa meta nacional.
A IIRSA é uma
organização pouco conhecida, um
tanto quanto misteriosa,
financiada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento e por outras
instituições multilaterais. Sua meta é construir
uma enorme rede de
novas rodovias internacionais atravessando a bacia amazônica. E
essas
estradas vão abrir a porta para invasões de terra,
conflitos fundiários
e desmatamento maciço.
No vizinho Peru, a IIRSA está
trabalhando sobre dois corredores
de transporte para o Brasil, incluindo uma estrada que
atravessará os Andes, chegando a Cruzeiro do Sul e cruzando o
coração do parque nacional Serra do Divisor. Agora que a
rodovia Interoceânica ligando o Brasil ao Peru está quase
pronta, não há necessidade dessas rodovias adicionais. No
Equador, a IIRSA pretende penetrar na bacia amazônica por uma
rota rodoviária e hidroviária passando pelo parque
nacional Yasuni. E, na Colômbia, a IIRSA propôs mais uma
rota em direção leste, até Manaus.
Tais planos superados de
construção rodoviária
deveriam ser
descartados. A questão não é se se deve
desenvolver a Amazônia com
infraestrutura, mas sim como o desenvolvimento pode ser planejado em
base sustentável, voltado ao futuro, ao mesmo tempo protegendo
os
valores naturais da Amazônia e seus moradores.
No mínimo, é fundamental que
sejam discutidas as
seguintes questões:
1)
Onde o desenvolvimento deve ser localizado na Amazônia ocidental?
Com
planejamento, novos centros populacionais podem ser desenvolvidos nos
lugares certos, do mesmo modo como Brasília foi planejada para
ser a
capital nacional, em local escolhido para isso. A zona econômica
livre
em Manaus é um modelo que poderia ser empregado em outro lugar
para
concentrar o desenvolvimento e evitar a derrubada da floresta.
2) Novas pesquisas científicas nos
informam que a cobertura
florestal da Amazônia é essencial para manter o regime de
chuvas adequado em partes do Sul do Brasil e em suas
agroindústrias. A Amazônia não pode ser
desenvolvida com a destruição de sua floresta e o
desencadeamento de secas no Amazonas, em Mato Grosso e mais ao sul.
Como podem as florestas virgens da parte superior do Amazonas ser
protegidas contra o desmatamento extenso que já ocorreu na
fronteira da Amazônia oriental?
3) O Amazonas histórico é um
rio baseado num sistema
econômico e ecológico. Até que ponto as vias
hídricas naturais do Amazonas e seus afluentes podem ser
desenvolvidos para servir de corredores de transportes? Que papel
poderiam desempenhar as ferrovias?
4) Petróleo e gás
estão sendo descobertos em toda
a Amazônia ocidental. Onde devem ser estabelecidos os corredores
rodoviários e os oleodutos, para dar acesso a essas reservas e
aos locais mais apropriados para o desenvolvimento hidrelétrico
futuro?
Nenhuma dessas questões foi levada
em conta pelos construtores
de estradas da IIRSA. E essas perguntas não podem ser
respondidas sem a participação significativa de todos os
povos da bacia amazônica. Um plano verdadeiro precisa consistir
em mais do que apenas a abertura de milhares de quilômetros de
asfalto novo.
Os planos infraestruturais da IIRSA para a
Amazônia precisam ser
suspensos e revistos à luz de conhecimentos científicos
atuais. Há tempo para um novo consenso para o futuro. Com bom
planejamento, a Amazônia pode ter florestas saudáveis e,
também, comunidades dinâmicas.
BRUCE BABBITT, 70,
geólogo, é doutor em direito
pela Harvard Law School. Foi governador do Arizona (1978-1987) e
secretário do Interior dos EUA (1993-2001). É autor de
"Cities in the
Wilderness" (Island Press, 2002).
THOMAS LOVEJOY, 67, biólogo com doutorado
pela Universidade
Yale, foi vice-presidente do World Wildlife Fund (1973-1987, EUA),
secretário-assistente da Smithsonian Institution (1987-1999) e
assessor-chefe de biodiversidade do Banco Mundial (1999-2002).
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