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2010.5.20
Belo Monte, a floresta e a árvore
Se
o Brasil for impedido de ampliar o aproveitamento do potencial
hidroelétrico, então será forçado a
recorrer ao uso de combustível
fóssil
ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE
QUE CARNAVAL estão fazendo os ambientalistas e
ecopalermas em torno da futura usina de Belo Monte, a ser implantada no
médio Xingu, na Amazônia.
O primeiro crime, segundo eles, seria o sacrifício de 500 km2
de mata, ou seja, a mesma área que, em média, tem sido
desmatada a cada dois dias neses últimos anos, devido ao
comércio de madeiras e à invasão da soja e do gado
na Amazônia.
Esse exército extemporâneo de Brancaleone é
composto de conservacionistas de diversas espécies.
Além de uma tribo de índios locais e de
bem-intencionados, porém mal informados, estudantes e
intelectuais, veem-se artistas de Hollywood e de outras culturas,
malabaristas, fanfarrões e pseudointelectuais.
Será que esses senhores deixaram de comprar móveis de
mogno, ou se manifestaram perante seus governos, ou boicotaram a carne
e a soja produzidas na Amazônia?
Será que percebem que a área alagada pelo projeto Belo
Monte
corresponde a tão somente 0,01% da Amazônia brasileira e
que bastariam
0,025% do rebanho nacional de gado para invadi-la, dentro da
média
atual de ocupação?
Ou seja, da maneira como está planejada Belo Monte, usina de fio
d'água, não há no Brasil melhor
opção do ponto de vista de sustentabilidade, que combine
condições ecológicas e também financeiras.
Alguns talvez argumentem que, somando vários 0,01% do
território da Amazônia, então se ocuparia parcela
apreciável do território amazônico.
Ah, que bênção seria se tivéssemos mais uma
meia dúzia de Belo Montes! Mas, infelizmente, não existem
tais riquezas. Tudo bem, vão dizer os mais inteligentes e
bem-intencionados "ignocentes" (neologismo composto por 50% de
inocência + 50% de ignorância), mas e a biodiversidade?
Ora, qualquer espécie que esteja espontaneamente restrita a um
território de 500 km 2, excetuando-se algumas confinadas a
pequenas
ilhas, já está em extinção. Só um
ignorante pode pensar em perda de
biodiversidade nessas circunstâncias.
E é claro que muitos espécimes vão sucumbir,
milhares, se não milhões de formigas, carunchos e talvez
até alguns mamíferos. Em compensação, 20
milhões de brasileiros poderão ter luz em suas casas,
muitos outros locais passarão a ter benefícios do
progresso, poderão ver pela TV o "Programa do Ratinho".
Indústrias geradoras de emprego serão implantadas.
É isso que os "ignocentes" não percebem. Eles veem a
árvore, mas não percebem a floresta onde ela está
inserida, sem a qual não pode a árvore sobreviver.
Quanto à questão social, é
preciso lembrar que o caso de Belo Monte é muito diferente do de
Três Gargantas, na China, onde a densidade da
população ribeirinha era extremamente elevada. O governo
chinês admite que precisou realocar 1 milhão de
habitantes; outras organizações falam em 2 e até 3
milhões.
Em contraste, considera-se que, em Belo Monte, apenas dois ou
três
milhares de habitantes são computados e que, na mudança,
ganhariam
significativamente quanto a infraestrutura e conforto pessoal. Os
índios da região amazônica são, em origem,
seminômades, deslocando-se
periodicamente sempre que recursos naturais se escasseiem devido ao
extrativismo a que eles mesmos recorrem.
Portanto, dos pontos de vista cultural, psicológico e até
mesmo material, contrariamente ao que pretendem alguns ambientalistas,
o índio pouco ou nada sofrerá.
Vejamos por que são tão ingênuos esses
bem-intencionados verdolengos.
Se o Brasil for impedido de ampliar o aproveitamento do seu potencial
hidroelétrico, será forçado a recorrer ao
combustível fóssil, pois a
energia eólica, embora desejável sob vários
aspectos de
sustentabilidade, não oferece segurança de fornecimento
acima de certo
nível de participação em um sistema integrado.
Além do mais, a distribuição de ventos pode mudar
com as inexoráveis
mudanças climáticas, devido ao aquecimento global. E, se
jamais o
pré-sal vier a se concretizar, não haverá como
convencer os líderes
governamentais de que usinas termoelétricas a óleo
combustível serão
prejudiciais à humanidade.
Será que tais ambientalistas não percebem que não
deixam alternativa ao
país senão o uso de combustíveis fósseis, o
que acarretará,
inelutavelmente, embora a longo prazo, a desertificação
da Amazônia,
dentre outras catástrofes?
Com isso, não será apenas a meia dúzia de saimiris
que perecerá nos 500 km2 da usina Belo Monte, mas
toda, ou quase toda, a biodiversidade da Amazônia e do resto do
planeta.
Não percebem esses "ignocentes" que a usina e suas eventuais
congêneres constituem a melhor arma que têm o Brasil e a
humanidade para combater o aquecimento global e, com isso, defender a
integridade da floresta Amazônica e das demais matas de todo o
planeta?
ROGÉRIO
CEZAR
DE
CERQUEIRA LEITE , 78, físico, é professor
emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas),
presidente do Conselho de Administração da ABTLuS
(Associação Brasileira de Tecnologia de Luz
Síncrotron) e membro do Conselho Editorial da Folha.
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