Sodoma e
Gomorra
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE
BARROS
FSP, 09.03.06
A
economia que sairá desta crise será diferente da de hoje,
mas como e quando isso acontecerá é impossível
prever
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PASSEI A semana do Carnaval nos Estados Unidos com meu filho Rick. Esse
período de descanso permitiu-me assumir o papel de observador da
crise financeira que ocorre na maior economia do mundo. Minhas leituras
deixaram de estar focadas em relatórios técnicos ou
veículos especializados em economia, abrindo espaço para
os jornais e as revistas semanais. Esse novo posto de
observação me fez conhecer as reações dos
não-especialistas na descrição e nas
análises dos fatos ligados à marcha da insensatez que
ocorreu na chamada Wall Street.
Em uma sociedade em que a grande maioria acredita na supremacia dos
agentes econômicos privados sobre o governo, os fatos que
estão sendo
agora fartamente descritos causam um impacto terrível. O
americano
comum aceitava que uma pequena minoria -para ele uma elite- auferisse
ganhos extraordinários como uma prova da eficiência do
sistema
capitalista. Mesmo a falta de caráter de algumas estrelas
famosas do
mercado financeiro era aceita como parte do jogo. Basta recordar o
personagem principal do filme "Wall Street - Poder e Cobiça",
que tanto
sucesso fez há alguns anos.
Mas os fatos revelados pelos jornais e pelos canais de televisão
nos
Estados Unidos chocam e revoltam. E a razão principal da revolta
do
americano médio é a de ter o governo que resgatar, com
trilhões de
dólares do Tesouro, empresas privadas. Mais ainda, em uma
sociedade em
que qualquer tentativa do governo em interferir na vida dos
cidadãos é
considerada socialismo, o que se vê hoje é absolutamente
inaceitável.
Para um observador atento, esse clima de decepção e
revolta está
presente no dia-a-dia da imprensa americana. Os detalhes escabrosos dos
ganhos com bônus e outros instrumentos de
participação nos lucros dos
bancos americanos são inaceitáveis. De forma ainda
discreta, os
americanos começam a entender que a origem dessa farra do boi
está no
centro de sua ideologia. O desmonte do aparato regulatório e
fiscalizador do sistema financeiro foi feito no pressuposto dessa luta
entre o lado bom -o setor privado- contra o mau, representado pelo
Estado.
Mas a decepção americana vai mais longe. Grandes estrelas
do sistema produtivo como a General Motors, a Ford e a GE também
estão mostrando uma fragilidade não conhecida. Ainda
agora, a empresa que audita e fiscaliza os números da GM vem a
público dizer que esse gigante não tem
condições de sobreviver. Mesmo a empresa de seguros do
ícone do capitalismo americano Warren Buffett -a Berkshire
Hathaway- tem hoje um risco de crédito superior ao do
Vietnã.
Mas o ídolo caído pela irresponsabilidade de seus
dirigentes que mais me impressiona é a AIG, gigante do setor de
seguros. Companhia de mais de cem anos de existência,
líder mundial inconteste no grupo das chamadas empresas
seguradoras, a AIG é hoje um zumbi que não pode quebrar.
Várias instituições financeiras dependem de sua
existência para não falirem de vez. O setor de seguros
sempre foi considerado o mais conservador e mais regulado do mercado
financeiro. Pois essa empresa representa hoje o caso mais típico
do que aconteceu nos Estados Unidos nestes últimos tempos.
A economia que sairá desta crise -e isso vai ocorrer com
certeza, dada a índole do povo americano- será
completamente diferente da que conhecemos hoje. Mas como e quando isso
acontecerá ainda é impossível prever.
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS , 66,
engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest
Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das
Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).
lcmb2@terra.com.br