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Folha de S.Paulo, 2004.6.Versão em html cd 06.4.22

A retomada do projeto nacional
 

LUIZ NASSIF

JÁ está em discussão no cen­tro mais recôndito do Pla­nalto o embrião da montagem de uma proposta de projeto na­cional que tire o governo Lula do imobilismo atual. O presi­dente já foi conquistado para a proposta.

O projeto se sustenta em dois pontos centrais. O primeiro, na constatação de que não há re­torno ao velho modelo de eco­nomia fechada. Posto que a globalização é inevitável1, o cami­nho a seguir é definir a estraté­gia mais adequada para o país —que passa pela melhoria da competitividade interna, pela criação de um ambiente econô­mico favorável e pela inserção planejada da empresa brasilei­ra na economia global Em su­ma, substituir a integração fi­nanceira, que colocou o país na atual sinuca de bico, pela inte­gração comercial e produtiva.

A essa idéia se casa uma se­gunda, de integração latino-americana, de maneira a criar maior sinergia e competitivida­de na região, para enfrentar a competição global.

Essa segunda idéia foi esboça­da já no governo passado, na integração física do Mercosul —um fórum constituído por ministros do Planejamento de diversos países da região, que não teve a mesma visibilidade das reuniões comerciais. De­pois, ganhou dimensão política quando a atual diretoria do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) decidiu avançar no dis­curso de ampliar o papel da. banco, conferindo-lhe dimen­são continental

São curiosos os caminhos per­corridos pelas idéias até vira­rem bandeira política.

A idéia da integração compe­titiva foi exposta em meados dos anos 80 por um grupo de economistas do BNDES, da Ele-trobrás e da Petrobrás, lidera­dos por Júlio Mourão. O


segue

.ponto central é que o Brasil havia atingido a maturidade indus­trial a partir dos grandes supe-rávits comerciais de 1985, con­seqüência do programa de in­vestimentos da era Geisel. O de­safio, agora, consistia em uma abertura gradativa e planejada da economia, de maneira a in­duzir as empresas brasileiras a buscar parcerias e tecnologia internacionais e definir padrões globais de competitividade.

Esse modelo acabou torpedeado pela esquerda acadêmica2 —que tinha como idéia-chave a moratória para enfrentar a dívida— e pela direita finan­ceira —que tinha como propos­ta única a recessão, para pagar a dívida.

A idéia foi retomada no go­verno Collor e resultou no mais consistente programa econômi­co dos anos 90, com redução gradativa das tarifas de impor­tação, ao mesmo tempo em que se lançavam as bases para a melhoria da competitividade das empresas brasileiras --por meio da criação do Programa Nacional de Qualidade e Pro­dutividade.

Esse movimento resistiu ao governo Itamar e foi sufocado pela apreciação do real em ju­lho de 1994. De lá para cá, o projeto nacional foi substituído por um pensamento raso, sim-plificador, do grupo de econo­mistas que dominou o embate ideológico a partir da mística dos pacotes econômicos.

Agora, é a própria esquerda, modernizada, que começa a se articular em torno de pontos concretos para a montagem de um projeto nacional Diferente­mente da pesada politização dos anos 80 e 90, as idéias de­fendidas agora são projeto de país, não mais bandeira ideoló­gica.

Que tem consistência, tem. Se vai caminhar, só Deus sabe.

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Observações

Apesar de não mostrar consciência da natureza endògenamente entravada do desenvolvimento brasileiro, o texto assinala corretamente os movimentos a favor e contra o desenvolvimento de fato, vale dizer, da remoção dos entraves; apenas que o faz em nome do racionalismo, sem menção às forças sociais antagônicas em jogo.

 1  Puro discurso neoliberal, porém sem consequência sobre o relato histórico.

 2  Exemplo de interpretação deslocada: a 'esquerda acadêmica' não constitue força social e assim, nunca poderia ter poder de 'torpedear' --ou promover-- qualquer política econômica.

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