Folha de S Paulo,
02.4.3:A1
e B2
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Primeira página
Grande público
faz papel menor na privatização
PAULO
RABELLO DE CASTRO
Os
maiores compradores das ações da Vale do Rio Doce foram os
investidores externos, enquanto os brasileirinhos chupavam o dedo na fila
de compra por meio de seu FGTS |
OPINIÃO ECONÔMICA
Privatização
impopular
PAULO RABELLO DE CASTRO
Mais de 700 mil detentores de contas do FGTS optaram por adquirir ações
da Vale do Rio Doce no processo de venda de sobras leiloadas pelo BNDES
no dia 15 de março. Houve rateio das propostas de compra por causa
do excesso de procura em relação ao valor de R$ 1 bilhão
do FGTS liberado pelo governo para os optantes. Cada candidato a comprar
as ações da Vale vai ficar com apenas cerca da quarta parte
do que se propunha a adquirir. Havia muitos compradores, portanto, e havia
ações para venda, mas não havia liberação
prévia de recursos do próprio FGTS na quantia necessária.
Em razão disso, vai ser difícil explicar para quem aplicou
até 50% dos seus depósitos acumulados no FGTS, que a sua
proposta de compra das ações "micou".
A venda das ações, considerada um sucesso absoluto, rendeu
R$ 4,4 bilhões aos cofres do governo. Na ótica do governo,
premido como sempre pela necessidade de arrecadar, o resultado não
poderia ter sido mais favorável, repartido -como foi- entre as colocações
doméstica e internacional, esta última rendendo-lhe a entrada
de recursos em moeda estrangeira.
Mais uma vez, entretanto, ficou para um plano secundário a ampliação
da participação do grande público como detentor de
ações e participante de uma fração do capital
de origem estatal brasileiro. A percepção fleugmática
do governo de que "essa ampliação da cota democratizada do
capital se dá aos poucos" é a que alimenta a noção
falsa de sucesso na última venda de Vale, conforme medida pela quantidade
de proponentes à compra, embora acabassem ficando desatendidos por
excesso de pedidos!
Não creio que essa seja uma medida verdadeira de sucesso no leilão.
Mais
uma vez, os maiores compradores das ações da grande mineradora
brasileira foram os investidores externos, em detrimento da compra por
brasileiros que manifestaram seu interesse. Do total vendido, mais de 50%
dos investimentos vieram do exterior, enquanto os brasileirinhos chupavam
o dedo na fila de compra por meio do seu FGTS.
Certamente isso não aconteceria nos Estados Unidos ou na Inglaterra.
A noção de preferência nesses países, considerados
democráticos e liberais, difere diametralmente da nossa lista de
prioridades como país emergente e subordinado aos compromissos financeiros
prementes. A venda de ações da Vale nunca teve como prioridade
ser parte de uma "privatização popular". A cota dos trabalhadores,
cedida nas vendas de sobras da Petrobras e da Vale, da carteira do BNDES
e do governo, resulta de um trabalho de paciente reivindicação
que remonta aos tempos iniciais da privatização, entre 1991
e 1992. A partir desse tempo, temos cansativamente tentado demonstrar o
interesse em transformar o capital estatal em lastro para os passivos dos
chamados "fundos sociais", o FGTS em particular. Uma década depois,
e após US$ 100 bilhões em vendas, surgiu o instrumento do
FMP (Fundo Mútuo da Privatização), por meio do qual
foram vendidas frações da Petrobras e da Vale, mesmo assim
sujeitas aos estreitos limites postos à disposição
pelo governo.
Trata-se de uma espécie de privatização "sem graça",
quase impopular, em que se vendem pequenas sobras do que já foi
privatizado (Vale) ou frações mínimas do que não
o será (Petrobras).
No entanto a demanda por ações existe.
Em pouco mais de 15 dias, num processo de venda quase sem desconto nem
qualquer propaganda educativa, milhares de trabalhadores de chão
de fábrica aderiram ao uso alternativo do seu FGTS. Muito mais poderia
ter sido alcançado, se um esforço programado e antecedente
fosse acertado entre governo e lideranças sindicais. Possivelmente
toda a oferta da Vale seria absorvida pelos trabalhadores .
Contudo prevaleceu mais uma vez a consideração financeira
de não se alterar a estrutura ultrapassada do FGTS,
baseada na remuneração de 3% ao ano sem liberdade de aplicação
livre pelo trabalhador. Prevaleceu mais uma vez, também,
a preferência ao investidor externo.
O governo ficou com seu "sucesso" e o trabalhador, com sua frustração.
Pagou mas não levou.