Juliana
Bertolucci
A questão
da locomoção é fundamental numa cidade grande,
pois
influi em vários aspectos da vida social - cultura, lazer,
economia
e política. Não se pode pensar o planejamento e o
desenvolvimento
de uma cidade como São Paulo sem tratar do tema transporte
público.
Por isso, o portal da prefeitura traz, com exclusividade, uma
entrevista
com o professor de planejamento urbano da FAUSUSP, Csaba Déak,
que
trabalhou na Cia. Metropolitana e na Secretaria Municipal de
Planejamento.
Déak fala sobre problemas e soluções para o
transporte
da cidade. Leia a íntegra da entrevista.
Prefeitura.SP-
Fale um pouco sobre a questão do transportes inserida no
contexto
urbano de uma metrópole.
Csaba
Deák - Uma das principais características de uma
aglomeração
urbana é a acessibilidade, vale dizer, a facilidade com a qual
conseguimos
realizar viagens para alcançar os locais de trabalho, os
equipamentos
de educação, saúde e lazer e, evidentemente,
voltar
para casa. Seria inimaginável uma cidade bem equipada sem um bom
sistema de transportes -é esse que permite usufruir dos recursos
que a mesma oferece. Um bom sistema de transportes pode não ser
suficiente para tornar uma cidade ao mesmo tempo agradável e
eficiente,
mas certamente é uma condição necessária
para
tanto. Os deslocamentos sempre implicam em algum desgaste - em tempo,
poluição
e qualidade ambiental - é mister minimizá-lo.
A partir
de um certo tamanho, da ordem de 2 a 4 milhões de habitantes,
torna-se
impossível prover uma boa acessiblidade apenas por transporte de
superfície, sendo necessário então a
implantação
de um sistema de transporte rápido de massa - em bom
português,
o Metrô - capaz de transportar grandes volumes de passageiros com
rapidez e segurança. O Metrô é o meio de
locomoção
que surge nas regiões metropolitanas, sendo a espinha dorsal de
seu sistema de transportes.
.SP
- Quais aspectos são exclusivos da cidade de São Paulo?
C.D.
- São Paulo é o centro econômico de um grande
país
cuja sociedade, de caráter de elite, tem se recusado a tomar o
rumo
de pleno desenvolvimento e construir as infra-estrutras
necessárias
para tanto. A região metropolitana é uma das maiores
metrópoles
do mundo, é responsável por quase 20% do produto nacional
(PIB), mas tem uma população de renda
baixa e infra-estrutura
precária.
Com
relação aos transportes e à acessibilidade, tem
uma
mobilidade (número de viagens diárias per cápita)
baixíssima - média de 1,2 viagens/dia/cápita (e
que
chegou a cair de 1977 para cá, como efeito das duas
"décadas
perdidas" pelo país) e carece de um sistema de Metrô
à
altura. Por comparação, Paris e Londres, onde vivem 8
milhões
de habitantes, tem mais de 500km de rede, a Cidade do México,
com
20 milhões, mais de 200km, ao passo que São Paulo com 18
milhões, não chega a ter uma rede de 50km. Não
é
a toa que a Companhia do Metropolitano de São Paulo -
Metrô
nasceu como uma economia mista: 2/3 das ações da
Prefeitura
de São Paulo e 1/3 do Estado, mas logo a prefeitura deixou de
acompanhar
o ritmo de investimentos e desse modo sua participação
hoje
não chega a 16% (que lhe permitiria pelo menos uma
representação
na diretoria da companhia). O planejamento e provisão desse item
fundamental de infra-estrutura ficou assim fora do alcance
político-administrativo
da população e empresas diretamente interessadas.
.SP
- Quais os principais problemas de transportes da cidade atualmente?
Quais
são suas razões históricas?
C.D.
- Como já dito, o problema dos transportes é, em
última
instância, a falta de investimento que resulta na extrema
precariedade
do sistema. São suas razões históricas o
sistemático
descaso, ao nível nacional, com a estrutura produtiva e suas
infra-estruturas,
isso sem falar das condições de vida da
população.
Temos ainda as dificuldades, na região metropolitana, de
planejamento
e operação da infra-estrutura e da estrutura
político-administrativa
da aglomeração urbana.
Através
do tempo essas condições geraram uma cultura complacente
com noções de impotência (país pobre,
infra-estrutura
precária) para atender as necessidades da vida urbana. Essa
cultura
tem ainda uma vertente que dirige as atenções a
"soluções"
paliativas - tais como, no caso dos transportes, propostas de
"racionalização'"
ou aprimoramento dos sistemas de superfície. O que dá a
impressão
de que o problema está sendo tratado, um exemplo são
projetos
como o VLP - ex-fura-fila, agora paulistão ou terminais e
corredores
de ônibus.
Nessas
circunstâncias, foi quase como caído do céu o
recente
Plano Integrado de Transportes Urbanos, o PITU2020, elaborado em 1997-8
pela Secretaria (de Estado) do Transporte Metropolitano, e que retomou
o planejamento de transportes na Região Metropolitana de modo
abrangente
(geograficamente) e integrado (pelos diversos modos de
transportes).
Os
problemas acima apontados, no entanto, permanecem, o que se reflete no
fato de cinco anos após sua conclusão ainda não
há
sequer definição clara sobre a implantação
da rede de Metrô proposta (de resto, bastante
satisfatória),
tratando as linhas como empreendimentos isolados e pairando
ilusões
sobre as possibilidades de participação da iniciativa
privada.
.SP
- Quais ações são precisas para
solucioná-los?
Qual o papel da administração pública nessas
soluções?
E da sociedade civil?
C.D.
- Em uma palavra, a solução é investimento na
construção de um sistema de transporte rápido de
massa,
que, como já dissemos, é sinônimo de Metrô. O
papel da administração pública vai desde o
planejamento,
passando pela implantação e indo até a
operação
- de qualquer tipo de infra-estrutura, incluindo o transporte. A
chamada
sociedade civil nada pode fazer diretamente, e não é por
outra razão que ela constitui a administração
pública.
Dizer
o contrário é participar da ideologia neoliberal (sobre
neoliberalismo,
ver è) que procura desqualificar a administração
pública
e subtituí-la com iniciativas tipo PPP (parceria
público-privado),
mas é mero jogo de cena que resulta no favorecimento de
interesses
particulares ou de grupos de pressão. Não é demais
lembrar que transporte público não é
"rentável"
(custo coberto pelas passagens) em nenhum lugar do mundo e que
até
no berço da privatização (a Inglaterra) acabam de
recuar ante a cogitada privatização do Metrô de
Londres
devido à recente (2002) falência da British Rail,
privatizada
há uma década.
A Prefeitura
de São Paulo deveria retomar os investimentos no Metrô, e
participar ativamente pelo menos em seu planejamento e
implantação.
Não há como a cidade que tem mais recursos no país
- o terceiro PIB e orçamento do Brasil (depois da União e
do próprio Estado) - abdicar da responsabilidade sob uma de suas
infra-estrutras mais vitais.
.SP
- Como o senhor vê o novo projeto de transportes que a atual
administração
está implementando na cidade?
C.D.
- Os projetos em implantação referem-se a tudo menos
a espinha dorsal do sistema, a saber, o Metrô. Ficam restritos,
em
essência, à remodelação do sistema de
ônibus,
com a 'troncalização' apoiada em corredores, terminais e
distiribuidores. Como dissemos, sistema sem capacidade para sustentar a
mobilidade na metrópole e ainda por cima poluente e destruidor
do
uso do solo lindeiro. Acresce a continuação da infeliz
idéia
do fura-fila que só reforçará a barreira do
Tamanduateí.
Quanto ao Metrô (que não é construído pela
Prefeirura),
temos o desperdício de recursos na construção do
inútil
trecho isolado, na periferia, ligando Campo Limpo a Santo Amaro.
É
de se registrar, no entanto, uma valiosa interferência da
Prefeitura
no projeto da Linha 4 (Vila Sônia-Pari) de importância
estratégica,
que liga Pinheiros e todo o vetor Sudoeste da cidade ao Centro
(emprestando
nova vitalidade a esse último). Por 'falta de recursos', essa
linha
ia ser implantantada numa primeira fase com menos
estações,
inclusive sem uma -pasme!-- no cruzamento com a Faria Lima, e a
Prefeitura
entrou para 'bancar' o custo de implantação dessa
importante
estação. Pode ser pouco, mas é um passo na
direção
certa.
.SP
- Como o transporte influencia nas questões sociais - como
cultura,
economia e política?
C.D.
- Começando pela economia: já mencionamos que o
transporte
é necessário para o desempenho das funções
produtivas da metrópole. Um transporte mais eficiente aumenta a
produtividade reduzindo os tempos perdidos em deslocamentos. Por
exemplo,
uma rede de metrô preconizada em elementos ou o próprio
PITU
2020, com quase 250 km de extensão, reduziria os tempos de
viagem
em pelo menos 15 minutos em média, o que resultaria numa
economia
de mais de 6% da jornada de trabalho (tomando um viagem de ida e ourtra
de volta do trabalho). Isso elevaria a produtividade na mesma
proporção.
Quanto
à cultura, vamos incluir lazer aqui, um transporte melhor
permite
o melhor usufruto dos recursos que a cidade oferece, que são
muitos.
Quanto
à política, não pode haver dúvida que um
desgaste
menor no trânsito, ambiente urbano mais são e uso mais
generalizado
dos equipamentos da cidade só pode resultar em
população
mais participante em todos os aspectos da vida social, política
incluída.
|