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Solução é investimento em sistema de transporte rápido de massa
Csaba Deák

Entrevista a Juliana Bertolucci, 2004.1.21

Para o sítio de comemoração da fundação de São Paulo pela Prefeitura
na página http://www.prefeitura.sp.gov.br/450anos/urbanismo/especial_450_urbanismo_entrevista_deak.htm
onde permaneceu de 2004.1.25 ao final de 2005.

cd 06.4.16             Abaixo, fac-simile da página da Prefeitura                   Versão em formato Word (só texto)


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Entrevista
 
Solução é investimento em sistema de transporte rápido de massa
 
Essa é a opinião de Csaba Déak, professor de planejamento urbano, que falou ao portal da prefeitura sobre o sistema de transporte público
Juliana Bertolucci

A questão da locomoção é fundamental numa cidade grande, pois influi em vários aspectos da vida social - cultura, lazer, economia e política. Não se pode pensar o planejamento e o desenvolvimento de uma cidade como São Paulo sem tratar do tema transporte público. Por isso, o portal da prefeitura traz, com exclusividade, uma entrevista com o professor de planejamento urbano da FAUSUSP, Csaba Déak, que trabalhou na Cia. Metropolitana e na Secretaria Municipal de Planejamento. Déak fala sobre problemas e soluções para o transporte da cidade. Leia a íntegra da entrevista.
 

Prefeitura.SP- Fale um pouco sobre a questão do transportes inserida no contexto urbano de uma metrópole.

Csaba Deák - Uma das principais características de uma aglomeração urbana é a acessibilidade, vale dizer, a facilidade com a qual conseguimos realizar viagens para alcançar os locais de trabalho, os equipamentos de educação, saúde e lazer e, evidentemente, voltar para casa. Seria inimaginável uma cidade bem equipada sem um bom sistema de transportes -é esse que permite usufruir dos recursos que a mesma oferece. Um bom sistema de transportes pode não ser suficiente para tornar uma cidade ao mesmo tempo agradável e eficiente, mas certamente é uma condição necessária para tanto. Os deslocamentos sempre implicam em algum desgaste - em tempo, poluição e qualidade ambiental - é mister minimizá-lo.

A partir de um certo tamanho, da ordem de 2 a 4 milhões de habitantes, torna-se impossível prover uma boa acessiblidade apenas por transporte de superfície, sendo necessário então a implantação de um sistema de transporte rápido de massa - em bom português, o Metrô - capaz de transportar grandes volumes de passageiros com rapidez e segurança. O Metrô é o meio de locomoção que surge nas regiões metropolitanas, sendo a espinha dorsal de seu sistema de transportes.
 

.SP - Quais aspectos são exclusivos da cidade de São Paulo?

C.D. - São Paulo é o centro econômico de um grande país cuja sociedade, de caráter de elite, tem se recusado a tomar o rumo de pleno desenvolvimento e construir as infra-estrutras necessárias para tanto. A região metropolitana é uma das maiores metrópoles do mundo, é responsável por quase 20% do produto nacional (PIB), mas tem uma população de renda baixa e infra-estrutura precária. 

Com relação aos transportes e à acessibilidade, tem uma mobilidade (número de viagens diárias per cápita) baixíssima - média de 1,2 viagens/dia/cápita (e que chegou a cair de 1977 para cá, como efeito das duas "décadas perdidas" pelo país) e carece de um sistema de Metrô à altura. Por comparação, Paris e Londres, onde vivem 8 milhões de habitantes, tem mais de 500km de rede, a Cidade do México, com 20 milhões, mais de 200km, ao passo que São Paulo com 18 milhões, não chega a ter uma rede de 50km. Não é a toa que a Companhia do Metropolitano de São Paulo - Metrô nasceu como uma economia mista: 2/3 das ações da Prefeitura de São Paulo e 1/3 do Estado, mas logo a prefeitura deixou de acompanhar o ritmo de investimentos e desse modo sua participação hoje não chega a 16% (que lhe permitiria pelo menos uma representação na diretoria da companhia). O planejamento e provisão desse item fundamental de infra-estrutura ficou assim fora do alcance político-administrativo da população e empresas diretamente interessadas.

.SP - Quais os principais problemas de transportes da cidade atualmente? Quais são suas razões históricas?

C.D. - Como já dito, o problema dos transportes é, em última instância, a falta de investimento que resulta na extrema precariedade do sistema. São suas razões históricas o sistemático descaso, ao nível nacional, com a estrutura produtiva e suas infra-estruturas, isso sem falar das condições de vida da população. Temos ainda as dificuldades, na região metropolitana, de planejamento e operação da infra-estrutura e da estrutura político-administrativa da aglomeração urbana. 

Através do tempo essas condições geraram uma cultura complacente com noções de impotência (país pobre, infra-estrutura precária) para atender as necessidades da vida urbana. Essa cultura tem ainda uma vertente que dirige as atenções a "soluções" paliativas - tais como, no caso dos transportes, propostas de "racionalização'" ou aprimoramento dos sistemas de superfície. O que dá a impressão de que o problema está sendo tratado, um exemplo são projetos como o VLP - ex-fura-fila, agora paulistão ou terminais e corredores de ônibus.

Nessas circunstâncias, foi quase como caído do céu o recente Plano Integrado de Transportes Urbanos, o PITU2020, elaborado em 1997-8 pela Secretaria (de Estado) do Transporte Metropolitano, e que retomou o planejamento de transportes na Região Metropolitana de modo abrangente (geograficamente) e integrado (pelos diversos modos de transportes). 

Os problemas acima apontados, no entanto, permanecem, o que se reflete no fato de cinco anos após sua conclusão ainda não há sequer definição clara sobre a implantação da rede de Metrô proposta (de resto, bastante satisfatória), tratando as linhas como empreendimentos isolados e pairando ilusões sobre as possibilidades de participação da iniciativa privada.
 

.SP - Quais ações são precisas para solucioná-los? Qual o papel da administração pública nessas soluções? E da sociedade civil?

C.D. - Em uma palavra, a solução é investimento na construção de um sistema de transporte rápido de massa, que, como já dissemos, é sinônimo de Metrô. O papel da administração pública vai desde o planejamento, passando pela implantação e indo até a operação - de qualquer tipo de infra-estrutura, incluindo o transporte. A chamada sociedade civil nada pode fazer diretamente, e não é por outra razão que ela constitui a administração pública. 

Dizer o contrário é participar da ideologia neoliberal (sobre neoliberalismo, ver è) que procura desqualificar a administração pública e subtituí-la com iniciativas tipo PPP (parceria público-privado), mas é mero jogo de cena que resulta no favorecimento de interesses particulares ou de grupos de pressão. Não é demais lembrar que transporte público não é "rentável" (custo coberto pelas passagens) em nenhum lugar do mundo e que até no berço da privatização (a Inglaterra) acabam de recuar ante a cogitada privatização do Metrô de Londres devido à recente (2002) falência da British Rail, privatizada há uma década.

A Prefeitura de São Paulo deveria retomar os investimentos no Metrô, e participar ativamente pelo menos em seu planejamento e implantação. Não há como a cidade que tem mais recursos no país - o terceiro PIB e orçamento do Brasil (depois da União e do próprio Estado) - abdicar da responsabilidade sob uma de suas infra-estrutras mais vitais.

.SP - Como o senhor vê o novo projeto de transportes que a atual administração está implementando na cidade?

C.D. - Os projetos em implantação referem-se a tudo menos a espinha dorsal do sistema, a saber, o Metrô. Ficam restritos, em essência, à remodelação do sistema de ônibus, com a 'troncalização' apoiada em corredores, terminais e distiribuidores. Como dissemos, sistema sem capacidade para sustentar a mobilidade na metrópole e ainda por cima poluente e destruidor do uso do solo lindeiro. Acresce a continuação da infeliz idéia do fura-fila que só reforçará a barreira do Tamanduateí. Quanto ao Metrô (que não é construído pela Prefeirura), temos o desperdício de recursos na construção do inútil trecho isolado, na periferia, ligando Campo Limpo a Santo Amaro. É de se registrar, no entanto, uma valiosa interferência da Prefeitura no projeto da Linha 4 (Vila Sônia-Pari) de importância estratégica, que liga Pinheiros e todo o vetor Sudoeste da cidade ao Centro (emprestando nova vitalidade a esse último). Por 'falta de recursos', essa linha ia ser implantantada numa primeira fase com menos estações, inclusive sem uma -pasme!-- no cruzamento com a Faria Lima, e a Prefeitura entrou para 'bancar' o custo de implantação dessa importante estação. Pode ser pouco, mas é um passo na direção certa. 
 

.SP - Como o transporte influencia nas questões sociais - como cultura, economia e política? 

C.D. - Começando pela economia: já mencionamos que o transporte é necessário para o desempenho das funções produtivas da metrópole. Um transporte mais eficiente aumenta a produtividade reduzindo os tempos perdidos em deslocamentos. Por exemplo, uma rede de metrô preconizada em elementos ou o próprio PITU 2020, com quase 250 km de extensão, reduziria os tempos de viagem em pelo menos 15 minutos em média, o que resultaria numa economia de mais de 6% da jornada de trabalho (tomando um viagem de ida e ourtra de volta do trabalho). Isso elevaria a produtividade na mesma proporção. 
Quanto à cultura, vamos incluir lazer aqui, um transporte melhor permite o melhor usufruto dos recursos que a cidade oferece, que são muitos. 

Quanto à política, não pode haver dúvida que um desgaste menor no trânsito, ambiente urbano mais são e uso mais generalizado dos equipamentos da cidade só pode resultar em população mais participante em todos os aspectos da vida social, política incluída.
 
 

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