Folha de S Paulo,02.2.17:A-2
EDITORIAIS
BRASIL GLOBAL
1 A presença crescente de
capitais estrangeiros na economia brasileira ainda não produziu
muitos dos bons resultados previstos pelos defensores da abertura econômica.
2 As expectativas, aliás,
não eram poucas, começando pelo aumento da competitividade
e chegando à melhoria na qualidade dos produtos e serviços,
sem esquecer da esperança de inserção mais virtuosa
do país nos mercados internacionais e de criação de
novos horizontes de investimento e crescimento econômico.
3 Os indicadores
de desnacionalização da indústria brasileira são
inequívocos. O capital estrangeiro respondia por 36% do faturamento
dos 350 maiores grupos do país em 91. No final de 99 essa participação
chegava a 53,5%. É evidente a incorporação
do Brasil à globalização.
4 As empresas desnacionalizadas,
em muitos casos também privatizadas, ganharam eficiência e
produtividade. Mas, se o resultado caso a caso foi em geral favorável
aos interesses dos novos proprietários, os resultados macroeconômicos
dessa transformação ainda não surgiram.
5 A principal explicação
para esse descompasso entre o "micro" e o "macro" está no fato de
que a entrada de capital estrangeiro significou principalmente
mudança de propriedade, mas nem sempre criação de
nova capacidade produtiva.
6 Boa parte do apoio à abertura
vinha da expectativa de que os novos capitais estrangeiros criariam um
embalo e atrairiam ainda mais capitais, gerando um círculo virtuoso.
7 Passado o momento de transferência
de empresas nacionais para estrangeiros, surgiria uma dinâmica que,
no devido tempo, aumentaria as escalas de produção e o tamanho
dos mercados também para empresas nacionais, além de abrir
novas fontes de financiamento e caminhos para o crescimento econômico,
a inovação tecnológica e a ocupação
de mercados mundiais. Mas esse segundo momento ainda não chegou.
8 Para os que acreditam nas virtudes
da abertura ao capital estrangeiro, o fracasso se deve a causas externas,
como o desaquecimento da economia mundial, as crises financeiras em mercados
emergentes ou a política de juros altos e câmbio artificial
adotada pelo governo FHC.
9 Já os mais críticos
alertam para a própria lógica dos capitais globais.
10 Em primeiro lugar, as estratégias
das corporações globais seriam pautadas pela ocupação
do maior número possível de mercados nacionais.
11 Afinal, não compete a essas
empresas planejar a integração desses mercados a um sistema
mundial supostamente mais livre e dinâmico.
12 O investidor estrangeiro vem ao
Brasil antes de tudo para vender mais no mercado local. Fica em segundo
plano, e acontece apenas em condições muito favoráveis,
a hipótese de exportar a partir da base brasileira.
13 Outro aspecto
crítico resulta do modo como se fez a abertura. Ou seja, não
se trata de condenar o capital estrangeiro em tese, mas de perceber que
há muitos modos de abrir a economia. A China certamente abriu seus
mercados, mas o fez com base em contrapartidas, políticas industriais
e tecnológicas e mesmo senso geopolítico. É algo muito
diferente da abertura incondicional e unilateral, subserviente e sem projeto
que caracterizou o ciclo de reformas liberais na América Latina
e no Brasil.