..2002.4.17
.Argentina e AL | .Democracia .Venezuela 1: Os pecados de Chávez

Venezuela 2: Na mídia brasileira
oChávez é deposto em 12 de abril de 2002 -- e volta no dia seguinte
Os
Folha de S Paulo, 02.4.17:A5


JANIO DE FREITAS
A nova aventura

A maior e mais original aventura de Hugo Chávez não é a que se propôs com a "revolução bolivariana pacífica e democrática", incluídos o golpe e contragolpe, é a que vai começar.

Muitos têm tentado instituir um regime capaz de alguma justiça social, todos afinal derrotados, exceto só Fidel Castro, por golpes em que se associaram o empresariado rico e militares por eles seduzidos. Não é com Fidel Castro e suas concepções, aliás, que mais se parecem as pretensões e os métodos institucionais até aqui usados por Hugo Chávez. É, sim, com o grupo de militares liderado no Peru pelo general Alvarado, que introduziu nova modalidade institucional e reformas profundas na estrutura social peruana, com o fim comum a todos os bem-intencionados: o golpe seguido da reversão, à força, de todas as inovações sociais ainda destruíveis.

Chávez inicia um processo de responsabilização de militares pelo golpe e de complacência, pretensamente cativante, com a parcela do empresariado que conduziu sua derrubada. Já o efêmero presidente do golpe, Pedro Carmona, recebe de Chávez o privilégio da prisão domiciliar, que nenhum ladrãozinho da rua recebe. E Carmona decretou o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal e se pôs como líder civil da insurreição sangrenta.

A imprensa e o telejornalismo da Venezuela nunca mereceram maior consideração, sempre instrumentos de interesses dos setores mais anti-sociais, não só venezuelanos. Esse arremedo de jornalismo teve participação tão importante no golpe quanto os militares, como criador, em longo trabalho, do clima de desestabilização do próprio país. No domingo, os jornais sustaram sua distribuição, surpreendidos na madrugada pelo retorno de Chávez e dos outros contra os quais eram feitas as mais demolidoras acusações e pedidas as mais drásticas providências.

Chávez pretende fazer-se aceito, no pós-golpe, a partir da complacência com os setores que puseram os militares a seu serviço, como é usual nos golpes latino-americanos. Mas, simultaneamente, pretende levar adiante suas reformas sociais. É a fórmula do impasse. E, portanto, da autodestruição.

A elite econômica da Venezuela tem sido terrivelmente intolerável com qualquer concessão à massa imensa de vida na dificuldade e na pobreza. Mas não há como conceder padrões menos sórdidos à pobreza, na Venezuela e em qualquer país de renda superconcentrada, sem reduzir o que a elite econômica aufere, nos seus ganhos exorbitantes e posses ilimitadas. E mexer nisso é, comprova toda a história latino-americana, atrair golpe.

De outra parte, o potencial de Chávez passou a depender ainda mais da grande massa, que lhe deu 60% dos votos na eleição presidencial e cuja reação, agora, ativou os militares antigolpistas para restaurar os poderes constituídos. Atender a essa massa é atrair a ação contrária dos fortes instrumentos da elite econômica, mas não lhe dar o que espera é perdê-la como sustentáculo.

Mesmo aqui, a mídia faz o jogo da elite econômica venezuelana e da mídia americana, sempre contrária a toda tendência de reformas sociais e de afirmação de soberania nacional, logo batizada de nacionalismo com sentido pejorativo. Toda a mídia brasileira afirma que Chávez fracassou nas suas promessas de reforma, porque em três anos o povo pobre continuou pobre e a Venezuela continuou enfrentando dificuldades econômicas, inclusive internacionais.

É muito compreensível para esse mesmo jornalismo, no entanto, que Fernando Henrique Cardoso considere necessários oito anos de crescente desemprego e empobrecimento, de multiplicação da dívida governamental por dez, de falta de crescimento econômico, oito anos de desmentido a todas as suas promessas em duas campanhas eleitorais, tudo isso só em nome de manter a inflação razoavelmente baixa -e a um custo para o país e para a população que só em décadas será pago, se puder sê-lo. Mas deveria desempobrecer mais de 15 milhões em menos de três anos.

Chávez poderia ser o pior dos atuais presidentes latino-americanos, e está longe disso, mas condená-lo pelo impossível, ou por ser amigo de Fidel Castro, ou porque Luiz Inácio Lula da Silva o visitou e com ele foi fotografado, isso não é decente da parte de quem a tudo tolera no Brasil.

O único tratamento adequado a golpistas, para o presidente que pretenda sobreviver, é a plenitude da lei. Não é preciso agir como a direita e seus militares, que substituem a lei por assassinatos, tortura, perseguição e exílio aos que o consigam em tempo. Mas um golpe fracassado nunca é um golpe extinto. O exemplo mais notório, para citar ao menos um, é o de Salvador Allende: em junho de 73 houve uma tentativa abortada de golpe, em setembro Allende estava morto e o poder passava a quem mais o traíra, Pinochet.
 
 

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Não dito

 
Questão
Até onde pode ir uma tentativa de transformação social sem uma alteração da base econômica da sociedade ?

 
Contraponto
 
Leitura adicional
.Venezuela 1: Os pecados de Chávez
"Acumulação entravada no Brasil"

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