Folha de S Paulo,
02.4.9:B-3
LUÍS NASSIF
As dúvidas do modelo
elétrico
O seminário "Modelo do Setor Energético",
realizado ontem em São Paulo, mostrou o conflito entre duas prioridades:
garantir a oferta de energia no curto prazo e o modelo sustentado no longo
prazo. Ficou claro que o curto prazo foi tratado com competência;
mas que ainda se está longe de um modelo elétrico sustentado.
Coube ao ministro-chefe da Casa Civil, Pedro Parente,
explanar o curto prazo. A CGE (Câmara de Gestão da Crise de
Energia) tinha objetivos claros de curto prazo. Em 2001, evitar os apagões;
neste ano, colher os resultados das ações do ano anterior,
reduzindo as necessidades de economia de energia para menos de 5%; finalmente,
em 2003, garantir a completa normalidade da oferta.
Para o período 2001/4, o programa prevê aumento da oferta
da ordem de 28,04 mil MW, dos quais 9.900 de hidrelétricas
e 11,43 mil de térmicas (mesmo considerando
20% de desistência nos projetos atuais), além de 9.250 km
adicionais de linhas de transmissão. Dos investimentos totais previstos
de R$ 43 bilhões, 78,4% deverão ser de capital privado.
Até se chegar lá, haverá um período emergencial.
O programa prevê recebimento de propostas, análise e contratação
de geradores privados, que deverão iniciar sua operação
entre fevereiro e julho de 2002.
As dúvidas começam a surgir
na definição do novo modelo elétrico. A idéia
é preservar os fundamentos: a) competição na geração
e comercialização; b) investimentos privados; c) órgão
regulador independente para assegurar equilíbrio entre consumidores
e distribuidores e qualidade dos serviços.
Os problemas a serem superados são vários. Os preços
no mercado à vista são baseados em um modelo probabilístico
e calculado por computador, que se revelou inadequado na última
crise, ficando muito voláteis. Quase não há consumidores
livres, para adquirir a energia no mercado livre. E não há
referências para o VN (Valor Normativo), devido às particularidades
do mercado brasileiro. Finalmente, as estatais ainda respondem por parcela
grande do mercado de energia.
As discussões no âmbito da CGE geraram 33 propostas, que
estão sendo discutidas nesta semana no Congresso. Entre elas, resolver
a questão da "energia velha" (aquela produzida a um custo menor),
aperfeiçoar o cálculo do VN, estimular consumidores livres,
elevar as exigências mínimas de contratação
de energia de longo prazo pelos distribuidores. O caminho para compatibilizar
geradores públicos e distribuidores privados será por meio
de leilões públicos, com contrato padrão e prazo médio
de dois anos, sem mecanismos de "hedge" (proteção contra
oscilações do câmbio ou do preço do mercado
"spot").
Mesmo assim, ainda há muitas dúvidas no caminho.
Conforme a avaliação de David Zylsberstajn, ex-superintendente
da ANP (Agência Nacional de Petróleo) e especialista da área,
um dos nós do modelo ainda é a questão do gás,
já que as termelétricas serão importantes como complementadoras
da oferta.
A Petrobras controla o gasoduto Brasil-Bolívia, criando um conflito
de interesses claro. Além disso, o modelo de subsidiar o gás
não trará confiança aos investidores. A proposta de
Zylsberstajn é que a União compre o gasoduto da Petrobras
(para não dar margem a críticas por sua privatização)
e em vez de embutir um custo de retorno em 10 anos, jogue para 20 ou 30
anos, como em uma hidrelétrica.
Um dos problemas do atual modelo é
que as distribuidoras continuam usando a referência
de custo marginal de R$ 100 por MW (da energia termelétrica), quando
a energia utilizada é predominantemente hidrelétrica, ao
custo de R$ 40.
Os leilões de novos aproveitamentos energéticos têm
se concentrado nas mãos de 1% dos maiores consumidores, responsáveis
por 50% do consumo, enquanto os demais 99% ficam à mercê da
energia mais cara.
O tema é complexo, se avançou um pouco no seu entendimento,
conseguiu-se pacificar os diversos agentes envolvidos, mas ainda não
se chegou ao cerne da questão: como prover de energia barata o consumidor.