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Máquina de crescimento
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Criado .5.3.14

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maq-cresc/ jw, 5.3.12



Máquina de crescimento
João Sette Whitaker Ferreira



A teoria da "Máquina de Crescimento Urbano" surgiu pela primeira vez em paper individual de Harvey Molotch, "The city as a growth machine", em 1976, e foi retomada uma década depois com a colaboração de John Logan, no livro "Urban Fortunes: the political economy of places".

Para Logan e Molotch, a cidade, além de um espaço da acumulação do capital, é também um espaço para se viver, o que cria uma outra dimensão de conflitos sociais, também relacionada com aqueles entre capital/trabalho, mas mais intensamente ligada ao cruzamento dos interesses pelo valor de troca (o espaço como mercadoria capitalista) e o valor de uso (o espaço como lugar de se viver, como um bem consumido). Logan e Molotch baseiam sua abordagem na constatação de que o ativismo humano é intenso nas cidadesnorte-americanas, foco de suas análisesem torno de questões relativas à preservação de elementos ligados à qualidade de vida e dos espaços para seu uso. Assim, cria-se um campo de conflito entre aqueles que vêem o espaço como uma mercadoria lucrativa (os proprietários), e os que o vêem como um suporte para uma vida de qualidade e de relações sociais humanizadas e mais solidárias. Por isso, os autores dão especial atenção às estratégias e necessidades dos agentes humanos e de suas instituições na defesa de cada um desses interesses, em um conflito definido da seguinte forma:

"Pessoas que sonham, planejam e se organizam para fazer dinheiro a partir da propriedade são agentes através dos quais a acumulação faz seu trabalho no âmbito urbano. Grupos sociais que se mobilizam contra essas manipulações encorpam os esforços humanos pela afeição, comunidade, e subsistência. Os limites de nossa sociologia urbana se desenham em torno do espaço de encontro (geográfico e analítico) entre esses dois campos de confronto" (Logan&Molotch, 1987:12)

Essa disputa é também muito bem resumida por Arantes:

"A 'tese' em questão nada mas é ... do que uma explicitação da contradição recorrente entre o valor de uso que o lugar representa para os seus habitantes e o valor de troca com que ele se apresenta para aqueles interessados em extrair dele um benefício econômico qualquer, sobretudo na forma de uma renda exclusiva". (Arantes, 2000:25)

Não se trata entretanto de fazer uma análise puramente comportamental, como o fez a Escola de Chicago, que Logan e Molotch criticam com ênfase. Mesmo assim, os autores observam, em uma ótica também behaviorista, que na mediação do conflito que apontam, as pessoas tendem a fazer coalizões e a organizar-se, e os lugares são espaços vitais para essas relações, e não somente uma base para um sistema econômico (Logan & Molotch, 1987:9). À medida que coalizões são mais fortes, conseguem impor seus objetivos e apropriar-se do espaço, que não se conforma portanto naturalmente apenas como conseqüência de uma "lei de mercado".

Segundo Logan e Molotch, como a busca de valores de troca marca historicamente as cidades dos EUA, ela acaba impondo-se sobre a dimensão do valor de uso. Os autores mostram então que, na história das grandes cidades estadunidenses, o que eles identificam como "classes rentistas" sempre se organizaram em coalizões envolvendo proprietários fundiários, políticos locais, mídia, agências de serviços públicos, setores sindicais, instituições culturais como museus e universidades, equipes esportivas, comerciantes, enfim, todos aqueles que tinham algo a ganhar com o "crescimento" da cidade. O poder político dessas coalizões torna as cidades verdadeiras "empresas devotadas ao crescimento da renda agregada através da intensificação do uso do solo urbano". Essa seria a "máquina de crescimento urbano".  

Otília Arantes resume a idéia da máquina de crescimento da seguinte forma:

"...coalizões de elite centradas na propriedade imobiliária e seus derivados, mais uma legião de profissionais caudatários de um amplo arco de negócios decorrentes das possibilidades econômicas dos lugares, conformam as políticas urbanas à medida em que dão livre curso ao seu propósito de expandir a economia local e aumentar a riqueza. ... No coração dessas coalizões, a classe rentista de sempre, hoje na vanguarda dos 'movimentos urbanos': incorporadores, corretores, banqueiros, etc., escorados por um séqüito de coadjuvantes igualmente interessados e poderosos, como a mídia, os políticos, universidades, empresas esportivas, câmaras de comércio e, enfim, nossos dois personagens desse enredo de estratégias: os planejadores urbanos e os promotores culturais" (Arantes, 2000:27).

Portanto, segundo Logan e Molotch, existem agentes poderosos na condução dessas coalizões entre setores privados e o poder público por outro, para "conformar as políticas urbanas" em torno de umconsenso pelo crescimento”, tomado como um objetivo inquestionável de modernização e sucesso das cidades. Como coloca Ana Cristina Fernandes (2001:36), os autores dão especial atenção "aos 'interesses velados', aqueles não publicamente defensáveis, dos promotores e outras frações das elites urbanas e do governo da cidade", em que se destaca a participação do Estado: "estruturas políticas são mobilizadas para intensificar o uso do solo em benefício do setor privado" (1987:16). Isto porque as intenções das classes rentistas se harmonizam com as necessidades do poder público, ambas interessadas no consenso pelo "crescimento". Esta é a essência da questão: a "máquina de crescimento" é, antes de tudo, um fantástico instrumento de canalização dos fundos públicos em favor de uma apropriação privada dos ganhos que o espaço propicia. Nesse processo, o líder político local, como a personificação possível de uma figura que funde proprietário fundiário, empresário, empreendedor imobiliário e governante, passa a ter um papel de destaque na liderança da "máquina de crescimento". A ele se associam, geralmente, as elites urbanas interessadas nos ganhos que esta irá promover.

Logan e Molotch construíram sua teoria baseados em uma exaustiva observação histórica do processo de formação das grandes cidades norte-americanas, no qual abundam episódios com tais coalizões, geralmente centralizadas em torno de uma liderança política local forte. Entre os inúmeros exemplos, citam o caso de Chicago, que tinha uma população de menos de 4000 habitantes em 1835, ano em que chega William Ogden, que se tornaria com os anos prefeito, proprietário imobiliário de peso, organizador e primeiro presidente da empresa de trens Union Pacific. Como desbravador da linha de ferro, em combinação com seus outros negócios e seus cargos cívicos, Ogden tornou-se capaz de "fazer de Chicago (como uma 'obrigação pública') a encruzilhada da América" (Logan & Molotch, 1987:54). Para os autores, a essas elites era dada a possibilidade de produzir a cidade conforme seus interesses, provocando valorização fundiária, trazendo enormes lucros pessoais e favorecendo o "crescimento" de suas cidades, para o "bem" de todos.

A abordagem de Logan e Molotch torna-se mais interessante ainda quando atualizada para o novo contexto econômico pós-reestruturação produtiva(ou pós-exaustão do modelo de Bretton Woods), no qual a idéia do “crescimento” se traduz na política de competitividade entre cidades pela atração dos importantes capitais financeiros globalizados.

A transposição dessa teoria para a realidade urbana brasileira é possível, mas deve ser cercada de cuidados. Para uma interpretaçãobrasileira” da teoria, ver FERREIRA, 2003.


Referências

LOGAN, John e MOLOTCH, Harvey; "Urban Fortunes: the political economy of place", University of California Press, 1987.

JONAS, Andrew e WILSON, David; "The urban growth machine: critical perspectives two decades later", Albany: Estate University of New York Press, 1999


FERREIRA, João Sette Whitaker; “São Paulo: o mito da cidade-global”, Tese de Doutorado, São Paulo: FAUUSP, 2003.


ARANTES, Otília B., MARICATO, Ermínia e VAINER, Carlos; "O Pensamento Único das Cidades: desmanchando consensos”, Petrópolis: Ed. Vozes, Coleção Zero à Esquerda, 2000.


FERNANDES, Ana Cristina; "Da reestruturação corporativa à competição entre cidades: lições urbanas sobre os ajustes de interesses globais e locais no capitalismo contemporâneo", in Espaço & Debates, nº41, ano XVII, NERU, São Paulo, 2001.

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