....2002.5.22
Política econômica | Internacional 
.
Correlatos
.
.Alca: olho neles
.Alca e o mito do isolamento (pnbjr)
.Alca e vocação colonial
.Vocação agrícola, 2002
.Só a perder com a Alca
Pobre óbvio.Pobre óbvio
oAlca: o bafafá .Governo irritado .Dóceis e submissos
Governo irritado
Folha de S Paulo,  2002.5.22 B2


LIVRE COMÉRCIO (sic)
Secretário da Unctad rechaça orientação tarifária sobre Alca
Crítica de Ricupero irrita governo
MARCIO AITH
DE WASHINGTON

O governo brasileiro irritou-se com as críticas feitas pelo secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento), Rubens Ricupero, à orientação tarifária adotada pelo Itamaraty para começar as negociações da Alca (Área de Livre Comércio das Américas).

O principal negociador comercial brasileiro, o embaixador Clodoaldo Hugueney, disse ontem que Ricupero "equivocou-se" e usou "informações erradas" ao dizer que, por ordem do governo, o Itamaraty comprometeu-se recentemente a iniciar as negociações para a formação de uma zona de livre comércio usando um patamar baixo de tarifas.

As críticas de Ricupero foram feitas em artigo publicado na Folha no domingo e numa entrevista publicada no jornal "Valor". Segundo o secretário-geral da Unctad, os negociadores brasileiros cederam exageradamente ao adotar o nível de tarifas efetivamente cobrado pelo país como patamar inicial das discussões.

Para Ricupero, o Brasil deveria ter adotado as tarifas consolidadas na OMC (Organização Mundial de Comércio) para cada produto, que são muito mais altas e dariam ao governo mais margem de manobra nas negociações.

"Em lugar de partir de 35% (justamente os produtos que queremos ou precisamos proteger mais), seremos forçados a começar, digamos, de 12% ou 10%", escreveu Ricupero, em artigo publicado no último domingo. "Em outras palavras, estamos entregando de mão beijada (lembram-se do famoso gesto atribuído a Mangabeira durante a visita do general Eisenhower?) de 23 a 25 pontos percentuais!"

Segundo Ricupero, a decisão do governo foi adotada por pressão do Ministério da Fazenda em uma disputa interna do governo. Ricupero sugeriu ainda que o Itamaraty, a quem cabe a negociação da Alca, estaria dividido, mas foi obrigado a aceitar a orientação.

A Folha apurou que o artigo de Ricupero foi mal recebido pelo Palácio do Planalto e irritou o ministro da Fazenda, Pedro Malan.

Apenas no Mercosul
Ontem, pela primeira vez, uma autoridade respondeu publicamente a Ricupero. "O artigo está errado", disse Hugueney, em resposta à Folha. Segundo o negociador brasileiro, Ricupero errou porque o Brasil não teria ainda se comprometido com a tarifa básica das negociações no âmbito da Alca. O assunto, segundo ele, teria apenas sido decidido dentro do Mercosul. "Somente em abril de 2003 o Mercosul irá notificar sua tarifa básica nas negociações da Alca", disse, afirmando ainda que o novo governo brasileiro terá algum tempo para decidir o que fazer dentro do Mercosul e também no âmbito da Alca.

"Quando eu assumi o cargo, essa decisão já havia sido tomada dentro do Mercosul. O Mercosul mudou de posição (de tarifa consolidada para tarifa aplicada) no ano passado, mas comunicará sua tarifa básica nas conversas da Alca em abril do ano que vem."
 
 

Enquanto isso: Brasil contesta na OMC sobretaxa dos EUA ao aço 



 
.

 

Governo irritado
Folha de S Paulo,  2002.5.22 B2


ELIO GASPARI 
Dóceis, acomodados, complacentes e submissos 

O que aconteceria se o analista Reuben Rescue, da casa bancária Bergdorf & Goodman previsse dificuldades no comércio exterior brasileiro, por conta da "docilidade acomodatícia" do futuro governo nas negociações com os outros países do Mercosul?

Ou se o secretário-geral do FMI denunciasse a "complacência submissa" do mesmo futuro governo com as reivindicações dos sindicatos de trabalhadores?
Certamente o dólar tomaria um tapinha e o risco Brasil subiria uns 20 pontos.
Felizmente, a casa Bergdorf & Goodman só vende roupas (caras como uma propina de privatização), o FMI não tem secretário-geral e as duas adjetivações nada tem a ver com os riscos que o mundo enxerga no Brasil do próximo governo.

Infelizmente, ambas têm a ver com o verdadeiro risco Brasil, aquele que o atual governo impõe aos interesses nacionais.

No último domingo, num artigo na Folha, Rubens Ricupero, secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), acusou o governo de ter instruído os negociadores brasileiros que discutem a agenda da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) com os Estados Unidos para praticarem tanto a "docilidade acomodatícia" quanto a "complacência submissa".

Disse isso de peito aberto, com todas as letras. Se tivesse dito ao telefone e alguém o tivesse grampeado, estaria no centro de um escândalo nacional. Como não fala em nome da banca, é brasileiro e expressa suas opiniões em público, recebeu um desgraçado silêncio.

O assunto é chato, mas muito mais relevante do que a repetição de banalidades como "exportar é a solução". No interesse da qualificação do debate nacional, aqui vai um resumo deselegante da denúncia de Ricupero.
Os negociadores brasileiros que estão conversando com os americanos foram instruídos pelo governo para aceitar como ponto de partida nas negociações tarifárias os níveis praticados pelo país. Isso em vez de começar a conversa com as tarifas comprometidas junto à Organização Mundial do Comércio.
Ricupero explicou essa chatice muito direitinho. Um país pode importar comida de gato cobrando 8% sobre o valor da mercadoria, ao mesmo tempo em que demarca um teto tarifário de 25% junto à Organização Mundial do Comércio. Numa dessas, os 10 milhões de desempregados existentes no país resolvem aderir à comida de gato, as importações do Chef's Blend sabor salmão triplicam e desequilibra-se a balança comercial. O governo tem à mão o recurso legítimo de elevar a tarifa do produto, por exemplo, para 25%.

Componente elementar de soberania econômica
A capacidade de mudar a tarifa da comida de gato, dos tecidos e dos automóveis, respeitando o compromisso assumido na OMC é um componente elementar de soberania econômica. Seu oposto é uma das características de uma relação colonial. Nada a ver com protecionismo, diria o sábio George W. Bush, depois de elevar as tarifas comerciais do seu interesse eleitoral e/ou nacional.

A instrução dada aos negociadores brasileiros entrega, "de mão beijada" (na palavras de Ricupero) o direito do Brasil de negociar os seus interesses, coisa que os americanos fazem muito bem.

Ricupero pediu ao Congresso, aos candidatos a presidente e à torcida do Romário que lhe dêem atenção. Talvez o Congresso e os candidatos passem batidos, mas será a torcida do Romário quem perderá seus empregos se o Brasil vier a ser transformado num "duty-free".

Quando o embaixador fala em "complacência submissa" e "docilidade acomodatícia" sabe o que diz. Além de estar na praça há mais de 40 anos, quando formou-se como primeiro da turma no Itamaraty, foi embaixador nos Estados Unidos e ministro da Fazenda. Já viu casos inexplicáveis de submissão explícita, quase sempre resultante da complacência submissa de negociadores que ora não querem trabalhar, ora não conseguem, porque não há no governo quem lhes dê instruções relacionadas com a defesa do interesse nacional. Isso tudo, mais uma mordaça que mantém seletivamente calados os funcionários do serviço diplomático brasileiro.

Há alguns anos um cacique da ekipekonômica dizia que "criar barreiras tarifárias é coisa de país subdesenvolvido". Seria conveniente que essa mesma nata de sábios ligasse para a Casa Branca e repetisse a pontificada ao presidente Bush.

Para quem não consegue ouvir as reclamações de Ricupero por padecer de alguma forma de deficiência auditiva, a repartição tem um número especial: 202-456-6213.



 
.

 
.

 

.Topo
Política econômica | Internacional